A esquerda olha para o investimento estatal como instrumento crítico de desenvolvimento. A direita considera o mercado e a livre iniciativa como principal motor do dinamismo econômico. Esquerda e direita não estão de acordo com o papel econômico — maior ou menor — do investimento público. E, no entanto, nenhum economista sério, de direita ou de esquerda, deixará de atribuir ao investimento público uma função importante no crescimento e na modernização econômica do país. E muito menos o fará num país como o Brasil, onde as necessidades de desenvolvimento, as desigualdades sociais e a dimensão do seu mercado interno fazem do Estado um ator econômico de primeira grandeza.
A questão do investimento público no Brasil não está ameaçada por este debate clássico sobre a sua dimensão. Nem pela utopia neoliberal (cada vez com menos apoio social) que vê o Estado como devendo estar exclusivamente ao serviço do mercado e da concorrência. Não é essa a ameaça. O perigo mais atual para o investimento público está na barafunda institucional que resulta das chamadas “emendas constitucionais impositivas” que ditam despesas obrigatórias do orçamento federal e que retiram coerência e perspectiva estratégica ao investimento do Estado. Nada pior. A canalização de verbas públicas para pequenas obras sem dimensão pode deixar cada um dos deputados em melhores condições de serem reeleitos, mas retira ao país a visão de conjunto que é essencial ao desenvolvimento. O ponto político deste debate é simples e é sério: o investimento público é importante demais para ser fragmentado em várias e plurais vontades políticas que lhe retirem unidade e ambição e lhe diminuam o efeito multiplicador na modernização do país.
Esquerda e direita podem não concordar sobre o papel do Estado. Mas não é arriscado dizer que ambas entendem que o Estado deve ter uma estratégia. A ideia de um Estado-estratégia capaz de conceber uma orientação geral para o desenvolvimento do país parece-me uma ideia suficientemente consensual no Brasil (e se essa estratégia resultar de uma concertação com o setor privado, melhor). O problema das emendas parlamentares ao orçamento é que ameaçam a existência de qualquer estratégia. Nem boa nem má, nem grande nem pequena — nenhuma.
E pior. Se as emendas constitucionais são nefastas à definição estratégica no investimento público, são ainda mais danosas para o equilíbrio institucional democrático. Em todos os países desenvolvidos a regra é esta: o Parlamento discute e aprova o orçamento; o governo e a administração pública executam-no. Ao inverter esta regra básica e simples, ao permitir que os deputados, depois de aprovada a lei do orçamento, promovam despesas impositivas concretas (e muitas vezes secretas), o Brasil entra no imprevisível terreno do” orçamento de ninguém” — ninguém é responsável e ninguém pode ser responsabilizado pelo conjunto das escolhas orçamentais feitas. Em caso de falhanço das políticas públicas o governo dirá que foi o Parlamento; o Parlamento dirá que a responsabilidade é de cada um dos deputados ou dos grupos de deputados que aprovaram as ditas emendas. A fragmentação do orçamento pelos diversos agentes parlamentares pode satisfazer os interesses locais ou até regionais, mas nunca construirá uma síntese operativa capaz de corresponder ao que vulgarmente se chama de interesse nacional. O “orçamento de ninguém” não serve ninguém, a não ser aqueles que acham que não existe outro interesse que não seja o deles.
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