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Jessé Souza

Escritor, pesquisador e professor universitário. Autor de mais de 30 livros dentre eles os bestsellers “A elite do Atraso”, “A classe média no espelho”, “A ralé brasileira” e “Como o racismo criou o Brasil”. Doutor em sociologia pela universidade Heidelberg, Alemanha, e pós doutor em filosofia e psicanálise pela New School for Social Research, Nova Iorque, EUA

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O pobre de direita nos Estados Unidos, Brasil e no mundo

Se não há direção, se nunca se identifica os reais causadores da pobreza
23/10/2024 | 14h06

Jamil Chade fez uma reportagem muito interessante há poucos dias sobre uma fila quilométrica de milhares de pessoas nos Estados Unidos. Davam voltas em vários quarteirões, querendo uma vaga dos poucos empregos oferecidos por uma empresa. Cada um tinha um formulário preenchido e ficaram horas em pé na espera. Para Jamil, são muito prováveis eleitores de Trump, no que eu acredito também. O trabalhador médio americano tem seu salário estagnado há 50 anos. Se reclamar, outros ocupam o seu lugar.

O Coringa do filme famoso, ou seja, na sua primeira versão, espelhava exatamente este desalento e a raiva sem direção que ela provoca. O sentimento originário da extrema direita é a desorientação de não se saber quem ou o que causa o sofrimento.  Se não há direção, se nunca se identifica os reais causadores da pobreza, então a extrema direita entra realizando o seu trabalho de canalizar a raiva sem explicação de modo a criar um estado de guerra entre os pobres.

A questão principal aqui é como compreender essa opção de pessoas e partidos de elite pelos pobres? O ponto principal aqui é a desinformação que acompanha a privatização da mídia e das redes sociais no mundo todo.

A mídia não explica como e por quem essas pessoas são oprimidas e humilhadas. Sem saber o que causa seu sofrimento, as pessoas podem ser abusadas na sua vulnerabilidade pelo apelo da extrema direita que é o de basicamente apontar como causa da pobreza grupos já estigmatizados e ainda mais vulneráveis por conta disso. Os bodes expiatórios são muitos e todos intercambiáveis, dependendo do contexto e momento. Podem ser mexicanos ou muçulmanos nos Estado Unidos, assim como o nordestino, tido como preguiçoso, e o negro, visto como bandido no Brasil.

Paralelamente, para fazer a tragédia grande, os sindicatos foram enfraquecidos e não podem mais manter o contraponto de uma visão específica para os de baixo da escala social. Sem isso, a mídia e redes sociais movidas pelo dinheiro fazem a festa. Também falta um mínimo de inteligência e imaginação política aos partidos do campo democrático. A reação ao discurso dominante é praticamente nula. E este é o quadro muito especialmente nos Estados Unidos e Brasil, países de empobrecimento visível dos grupos marginalizados como os negros e os marginalizados.

Na Europa, a tradição social-democrata é mais forte e você não tem partidos defendendo a demagogia de um Pablo Marçal e dizendo que tudo depende do empenho individual. O que distingue um partido como o linke na Alemanha, mais à esquerda, e o partido nazista, o AFD, é a questão da imigração, mas se protege do mesmo modo nos dois casos os ganhos do trabalhador médio. Também não tem a influência nefasta da religiosidade neopentecostal.

Este é ponto central aqui: a singularidade da extrema direita americana e brasileira é muito parecida e tem a ver com empobrecimento não compreendido nas suas causas. Aí entra o racismo, por meio de suas máscaras, para transformar o negro em criminoso e o nordestino em aproveitador, como explicação espontânea do mundo social para quem não tem outra explicação. O “mapa racial” vem ocupar este lugar vazio. Outra similaridade fundamental com a política americana. Por conta disso, as extremas direitas que mais se parecem são a americana e a brasileira. Não por acaso existe até similitude nos casos de tentativa de golpe de Estado.

 

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