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Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

O prato não é cuscuz, mas distopia à paulista

Sob o ar mais poluído do mundo, Bienal recebe candidato a favor da censura de livros
12/09/2024 | 05h00

Parece argumento de filme futurista distópico, mas é apenas o Brasil (mais exatamente São Paulo) em 2024. Enevoados pela fumaça que sobe das queimadas criminosas, a capital paulistana respira nesta semana o ar mais poluído do mundo. Um fog nada romântico que ainda teve um rio Tietê colorido de um verde artificial assustador, mas como tudo que está ruim pode sempre piorar, o candidato Pablo Marçal visitou a 27ª Bienal do Livro para anunciar que vai banir livros com “ideologias comunistas”.

A Bienal de 2024 é uma festa bonita que está reunindo uma multidão no distrito Anhembi ao redor de autores, autoras, livros, histórias e temáticas as mais diversas. Casas editoriais e artistas independentes lançam novos volumes, apresentam personagens, debatem sobre mercados e processos criativos. Muitas crianças e jovens circulam animados pelos corredores à caça de autógrafos, brindes, fotos… Os três primeiros dias bateram recordes de ingressos no evento e vendas em diversas editoras.

Em um ambiente assim em tempos de campanha eleitoral, não espanta a presença de políticos. Para quem realmente aprecia leitura, o que é realmente assombroso, o que não poderia ser imaginado nem nos piores pesadelos, é que dentro de uma Bienal algum deles defenda censura de… livros.

Na abertura, a presença do Presidente Lula causou furor e confusão para a logística da organização. Guilherme Boulos também esteve por lá, arrastando admiradores. Na quarta, 11/09, foi a vez de Pablo Marçal aparecer e, como dizem, “abrir a ostra e soltar a pérola”: “Tudo o que for deturpar a liberdade a gente vai banir. Tem que ensinar as crianças a prosperar, não a ficar idiotizadas, a curvar para comunistas. Essa cultura comunista não é brasileira”.

As perguntas que não foram feitas: quantos livros o senhor já leu na vida? Quais? Quando? O que é comunismo? Aplausos e gritos de “mito” por uns. Vaias e gritos de “ladrão”, “criminoso” e “lixo” por outros. São tantas camadas de erro numa só declaração que fica até difícil saber por onde começar.

O enredo não é uma distopia futurista. O argumento é de filme de terror.

 

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