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Adaílton Moreira Costa

Babalorixá do Ile Axé Omiojuarô, Doutorando em Bioética PPGBIOS UFRJ. Mestre em Educação Proped UERJ. Graduado em Ciências Sociais PUC RJ

O que me faz – O candomblé como ser!

É comum pessoas me perguntarem se eu já havia pensado sobre minha existência  sem ser uma pessoa de candomblé? eu respondo imediatamente - Não!
15/03/2024 | 12h41

É comum pessoas me perguntarem se eu já havia pensado sobre minha existência sem ser uma pessoa de candomblé. Eu respondo imediatamente — Não!

Não me vejo em outro contexto cultural, político, social e espiritual no qual o candomblé não seja constitutivo de minha vida. Para minha cosmopercepção, esta dimensão faz parte de minha essência primeva, ou seja, é anterior a minha vinda a este mundo, é ancestral, são memórias e histórias que foram me formando a partir de meus avós e parentes comunitários.

Não consigo limitar o candomblé apenas à esfera institucional religiosa. Vai muito além dos conceitos religiosos que historicamente nos foram impostos de fora para dentro, numa concepção reducionista em relação à filosofia e cultura dos povos de candomblé.

Sempre fui de candomblé, fui criança de candomblé, adolescente de candomblé, adulto de candomblé e um jovem senhor de candomblé.

Chego à minha boa idade como parte integrante do candomblé. Pretendo chegar à minha fase de arugbo (ancião), por experiência de ter acompanhado muitos dos mais velhos de minha tradição ao longo da vida. Eles são como bibliotecas vivas, repletas de sabedoria e engenhosidade para superar adversidades e resistir. Busco neles o exemplo do bem-viver.

Quando falo que não me identifico com minha cultura de candomblé somente enquanto religião, sem romantizar, é exatamente pelo fato de que minha relação com a espiritualidade e sagrado não estão em outra esfera, antagônica com minhas subjetividades de pessoa.

O corpo sagrado é também o corpo do antropólogo, colunista deste jornal, pai, ativista de direitos humanos, politico — o candomblé me faz sujeito integral, não há nenhum choque entre estes Adailton plurais.

Como pessoa do candomblé, vivo imerso em sua tradição, aberto às diversas esferas que a compõem. Isso inclui lidar com conflitos familiares, enfrentar as vulnerabilidades do corpo, ser afetado pelas questões políticas do meu país e sofrer os impactos do racismo religioso e outros preconceitos relacionados às nossas tradições e ao nosso povo.

Este sujeito, que é do candomblé, paga impostos públicos sem nenhuma distinção de outras pessoas que não pertencem a nossa filosofia espiritual.

Ao ser de tradição de matriz africana, não deixo de ser cidadão (em tese), muito ao contrário, as cobranças a nós, em sua grande maioria população negra, nos determina a ter mais ônus sociais, e a cumprirmos deveres sem direitos.

Não somos um povo vulnerável, fomos vulnerabilizados pela colônia!

Estou fazendo este desenho do ser pessoa de candomblé de forma didática, para as pessoas compreenderem definitivamente que somos pessoas em busca de direitos fundamentais, como o direito à vida e a uma justiça verdadeira, que chamo de “justeza”. É essencial que a sociedade não olhe de forma equivocada e preconceituosa ao outro, uma discriminação derivada de ignorâncias históricas às pessoa de candomblé, como se somente fizéssemos magias vinte quatro horas do dia.

A magia negra que nos pertence é a magia da natureza, o louvar os rios, oceanos, florestas, o sol, as estrelas, lua, fogo, ar, elementos que fazem parte integrativa de nós pessoas.

Por isso sou de candomblé!

Ser de candomblé é poder olhar para trás e sentir que você não é só você, conseguir pensar que há uma cadeia de ações e outras pessoas que o fizeram estar neste momento de sua vida, sejam seus parentes consanguíneos, sejam seus parentes de sua comunidade. Todos irão contribuir nesta formação continuada.

 

Sou de candomblé por não ser o eu, sou de candomblé por ser NÓS!

“Não comemos com nossas próprias mãos, comemos coletivamente”

UNBUNTU!

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