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No meu país o dia antes das eleições é o chamado dia de reflexão. Acaba a campanha e a política é proibida por vinte e quatro horas. Subitamente, caem as bandeiras, esbatem-se as diferenças e regressa a concórdia. O país descansa. Não é que os cidadãos se entreguem à meditação e à análise politica nesse dia. Não. Quem percorrer as ruas de uma cidade europeia nesse dia perceberá que as pessoas pensam em tudo menos nas eleições. Mas esse dia lembra-nos que a comunidade ainda é uma comunidade, que o País é um só País e que o voto que faremos no dia seguinte é importante para todos os que nele vivem. O dia de reflexão é um símbolo democrático de unidade. Sempre gostei desse dia.

O mesmo se passa no dia seguinte, dia de eleições. Nesse dia, as televisões filmam os candidatos no momento em que votam, passam as suas declarações nas quais apelam ao voto e lembram a importância das eleições. Sim, todas as eleições é a mesma coisa e todos dizem as mesas coisas. Os candidatos sorriem, estão todos eles muito confiantes e todos afirmam que este é o momento para o povo falar. Até ao encerramento das urnas, o silêncio sobre os partidos e sobre os programas em disputa é uma bela praxe politica. Dá solenidade ao ato eleitoral e respeita aquele momento especial em que o cidadão está sozinho com a sua consciência, fazendo uma pequena cruz num pequeno papel (no Brasil, apertando um botão). Eu gosto destes rituais. Enquanto existirem, nem tudo está perdido.

A América não tem esta tradição do dia de reflexão. A política partidária faz-se até ao ultimo segundo. No Brasil, aliás, os últimos momentos costumam ser aproveitados para os golpes mais sujos e para os atos políticos mais covardes (são pensados justamente para que o adversário não tenha tempo de se defender). Nas últimas eleições municipais valeu tudo, desde o “falso laudo” ao episódio do “candidato do crime”. Tudo nos últimos momentos de campanha. O primeiro, diz a imprensa, veio de um radical, o outro veio de um moderado. Um moderado. Sim senhor, um moderado. Enfim.

Mas deixemos o Brasil, que é dos Estados Unidos que quero falar. Ali a campanha continua com uma selvageria que cresce à medida que se aproxima o dia de votar, que é já amanhã. Trump acaba de dizer que “nunca deveria ter saído da casa Branca”. Ali ninguém dá um passo atrás. Ali não há espaço para lembrar os contendores que, afinal de contas, os Estados Unidos são um único pais, não dois. A violência retórica é tão grave e bruta que nos dá motivos para duvidar se haverá discurso de concessão. Esse momento, o momento em que o candidato derrotado aceita e reconhece a vitória do adversário, representa, nos Estados Unidos, o que o dia de reflexão representa na Europa — as bandeiras baixam, a luta acaba e as pessoas preparam-se para viver a vida em conjunto, umas com as outras. Eis a bela síntese do programa democrático — “transformar velhos inimigos em leais adversários”. Há quatro anos não houve esse momento. Há quatro anos a transição pacifica de poder, que carateriza a democracia, esteve em risco. Agora, olhamos para os Estados Unidos e o que vemos assusta. Ali, não há dia de reflexão antes das eleições. Só nós, o resto do mundo, estamos em reflexão.

 

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