Por Viviany Veras*
O confronto no boxe feminino envolvendo a lutadora argelina Imane Khelif e a italiana Angela Carini tem dominado manchetes e redes sociais, ocupando um espaço significativo da cobertura olímpica. Infelizmente, não pelos aspectos esportivos do duelo.
Imane Khelif, de 25 anos, tem enfrentado uma onda de ataques nas redes sociais e em alguns veículos de comunicação. As acusações infundadas afirmam que Khelif é uma mulher trans e que o Comitê Olímpico Internacional permitiu que “um homem espancasse mulheres”.
O fato de Khelif ter sido reprovada no “teste de gênero” da Associação Internacional de Boxe (uma entidade controversa e que foi banida pelo COI por falta de transparência e integridade) serviu como “prova” para a explosão de desinformação e preconceito.
Khelif é uma mulher cisgênero que nasceu “intersexo” (o “i” da sigla LGBTQIA+). A Organização Mundial de Saúde (OMS) explica que algumas mulheres nascem com cromossomos XY devido a uma mutação do cromossomo Y, apresentando uma diferença de desenvolvimento sexual (DDS) e aumento da testosterona, ao invés de nascerem com um par de cromossomos XX. Este é o caso de Khelif.
A extrema direita, no entanto, não quer saber de ciência: da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni ao jogador de futebol brasileiro Felipe Melo, passando pelo clã Bolsonaro e por veículos como a Gazeta do Povo, todos correram em uníssono para condenar Khelif. Nem a coletiva de Carini, que justificou o abandono da luta por uma contusão no nariz, serviu para frear os ânimos reacionários: inúmeros posts relatam que ela teria abandonado a luta “para sobreviver”.
Cabe lembrar que nem a Argélia permite pessoas trans, nem o COI aceita que mulheres trans disputem as Olimpíadas. Novamente, não é por falta de informação que a tsunami de fake news inunda as redes; é um projeto político.
No Brasil, temos casos semelhantes que também sofreram com sensacionalismo e desinformação. Edinanci Silva, judoca que competiu nas Olimpíadas de Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008, além de ter conquistado duas medalhas de bronze, está no hall da fama do Comitê Olímpico Brasileiro como a primeira mulher a disputar quatro Olimpíadas. Sua trajetória foi marcada por manchetes sensacionalistas na imprensa, questionando sua condição genética com perguntas como “homem ou mulher: o que você acha?”.
Outro exemplo é Érika Coimbra, jogadora de vôlei e medalhista olímpica, que foi questionada após não passar no “teste de gênero” quando tinha apenas 17 anos. Seus resultados foram divulgados para a imprensa, e ela teve sua vida marcada por fake news e preconceito devido ao sensacionalismo da cobertura.
Esses casos destacam a importância de combater o preconceito e a desinformação e promover uma cobertura justa sobre questões de gênero dentro e fora dos esportes.
*Viviany Veras é comunicadora e analista de mídias do ICL
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