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Olimpíadas: mulheres são maioria entre medalhistas do Brasil; homens dominam direção do COB

Brasileiras obtiveram 12 das 20 medalhas do país e apenas elas conquistaram ouro em Paris
12/08/2024 | 09h05

Marta Medina — Brasil de Fato

O destaque feminino no pódio brasileiro durante as Olimpíadas de Paris 2024 é incontestável. No total, as atletas brasileiras são responsáveis por 12 das 20 medalhas conquistadas pelo país na capital francesa.

Apenas mulheres conquistaram medalhas de ouro para o país: Beatriz Souza no judô, Rebeca Andrade na ginástica artística e a dupla Ana Patrícia e Duda no vôlei de praia. Na prata, foram mais duas de Rebeca, além da vitória de Tatiana Weston-Webb no surfe. Já o bronze brilhou para Rayssa Leal no skate, Larissa Pimenta no judô e Bia Ferreira no boxe.

Apesar do protagonismo no quadro de medalhas da competição internacional, elas seguem fora dos principais cargos de decisão do esporte no país. O Conselho de Administração, responsável por definir estratégias e orientar a direção do Comitê Olímpico do Brasil (COB), é formado por 12 homens e apenas uma mulher, Yane Marques.

A pentatleta brasileira é presidente da Comissão de Atletas, que está sob o guarda-chuva da direção executiva superior do COB, organização não governamental que gere o esporte nacional a nível técnico, administrativo e político. O conselho elabora e aprova códigos e regulamentos, além de autorizar a assinatura de contratos que ultrapassem o valor de R$ 1 milhão.

No Conselho Fiscal, há seis homens e uma mulher — Bianca de Azevedo — entre os membros, eleitos anualmente em assembleia para cuidar dos balancetes e relatórios orçamentários do COB. Já no Conselho de Ética, dos cinco membros, há somente uma mulher: a ex-nadadora Joanna Maranhão. O órgão investiga e julga denúncias sobre o descumprimento de princípios éticos, podendo determinar sanções.

Apenas Comissão dos Atletas, formada por grandes destaques do esporte nacional, tem grande número de mulheres entre os representantes. Dos 27 atletas da comissão, 13 são mulheres, incluindo Ana Sátila, na canoagem slalom, Hortência Marcari, no basquete, e Jade Barbosa, na ginástica artística.

Entre as Confederações ligadas ao COB, que representam as diferentes modalidades esportivas, o cenário se mantém: 32 são presididas por homens e apenas duas por mulheres. Maria Luciene Cacho Resende é presidente da Confederação Brasileira de ginástica, modalidade com grande destaque feminino em Paris, enquanto Magali Moreira preside a entidade do remo.

Jogadora espanhola

(Foto: Gaspar Nóbrega/COB)

Olimpíadas e a sociedade patriarcal

Para Celi Taffarel, professora e primeira mulher a dirigir uma entidade científica na área da Ciência do Esporte no Brasil, o CBCE — Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, a discrepância “tem suas determinações imediatas na estrutura esportiva ocupada predominantemente por homens que limitam, inibem, obstaculizam, a participação das mulheres na gestão e administração esportiva”.

“A explicação desta discrepância esta na infraestrutura e na superestrutura capitalista. O predomínio dos homens vai desde dirigir o Banco Central até dirigir as entidades esportivas. Isto é próprio de uma sociedade patriarcal, conservadora, opressora, exploradora. A transformação desta estrutura conservadora, patriarcal, machista, passa pela consciência de classe da situação e a luta da classe trabalhadora e, dentro dela, a luta de gênero e a luta étnico-racial.”

Taffarel aponta que as estruturas esportivas brasileiras estão impregnadas de “machistas, conservadores, que não têm interesse nenhum em alterar relações de dominação” e cita como exemplo a destituição de Ana Moser do Ministério do Esporte, para “beneficiar forças políticas de um homem”.

“A estrutura esportiva reproduz a base material das relações de produção e reprodução da vida, ou seja a opressão, a exploração da mulher. O que encontramos no âmbito da ciência, do esporte, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é a predominância  de homens, brancos, conservadores, preconceituosos, machistas. Vivemos na pré-história das relações sociais possíveis à humanidade.”

Ela acredita que a superação desse quadro de desigualdades será alcançada “quando formos capazes, enquanto humanidade, de superar a exploração de seres humanos por parte de seres desumanos”. “Isto exigirá cada vez com mais força, vigor e coragem a luta das mulheres em todos os âmbitos da vida humana porque não nos basta ocupar postos e ganhar medalhas. Queremos alterar radicalmente as relações de opressão e exploração.”

Na avaliação de Flávio de Campos, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo, esse cenário reflete um problema estrutural. “Evidencia uma cartolagem evidentemente masculina que domina a esmagadora maioria das funções dos cargos das federações esportivas no Brasil”, diz.

“A gente precisa lutar muito para que haja uma simetria de representatividade na condução dessas federações e dessas confederações”, ressalta o pesquisador. “E eu não estou me referindo apenas aos esportes em que as mulheres se sobressaíram e vêm se sobressaindo na história do esporte brasileiro”.

Outro lado

Procurado pela reportagem do Brasil de Fato, o COB respondeu, por meio de nota, que os Conselhos Fiscal e de Ética são órgãos independentes e seus membros são escolhidos por meio de votação. “Temos notado um aumento das candidaturas de mulheres a esses cargos, com a eleição de algumas delas, como as ex-atletas Joanna Maranhão (natação) e Duda Amorim (handebol)”, diz o texto.

“Vale destacar que o COB é uma organização não-governamental, assim como as Confederações Olímpicas, que também possuem seus próprios regimentos e processos eletivos. O COB não interfere nas escolhas das lideranças de cada uma delas.”

A entidade listou ainda ações para a promoção da igualdade de gênero, destacando a maioria feminina no quadro de colaboradores. “No total de funcionários, em nosso último levantamento, em março deste ano, o COB conta com 180 mulheres e 144 homens. Essa maioria, se reflete em cargos de liderança (coordenadores e acima) em que são 33 mulheres e 29 homens.”

“Além disso, o COB possui uma Comissão de Mulher, criada em 2022, que recentemente teve a chegada de Valeska Menezes, a Valeskinha, campeã olímpica de vôlei em Pequim 2008. A iniciativa tem como objetivo fomentar a participação feminina e atuar em prol da igualdade de gênero, além de auxiliar no estabelecimento de políticas que propiciem a promoção e a capacitação da mulher no esporte.”

Leia abaixo a íntegra da nota:

Os Conselhos Fiscal e de Ética são órgãos independentes e seus membros são escolhidos através de votação. Temos notado um aumento das candidaturas de mulheres a esses cargos, com a eleição de algumas delas, como as ex-atletas Joanna Maranhão (natação) e Duda Amorim (handebol). O Modelo de Governança do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e seus Poderes podem ser conferidos aqui: Governança e Gestão | Comitê Olímpico do Brasil (cob.org.br).

Vale destacar que o COB é uma organização não-governamental, assim como as Confederações Olímpicas, que também possuem seus próprios regimentos e processos eletivos. O COB não interfere nas escolhas das lideranças de cada uma delas.

O que o Comitê Olímpico do Brasil faz é dar exemplo e incentivar a capacitação. Abaixo listamos alguns fatos importantes realizados pelo COB quanto à essa questão:

Começando pela composição do quadro de colaboradores do COB, formado majoritariamente por mulheres. No total de funcionários, em nosso último levantamento, em março deste ano, o COB conta com 180 mulheres e 144 homens. Essa maioria, se reflete em cargos de liderança (coordenadores e acima) em que são 33 mulheres e 29 homens. Dentre essas líderes, estão Mariana Mello, Gerente de Planejamento e Desempenho Esportivo, e Joyce Ardies, Gerente de Jogos e Operações Internacionais, ambas Subchefes da Missão Paris 2024.

Além disso, o COB possui uma Comissão de Mulher, criada em 2022, que recentemente teve a chegada de Valeska Menezes, a Valeskinha, campeã olímpica de vôlei em Pequim 2008. A iniciativa tem como objetivo fomentar a participação feminina e atuar em prol da igualdade de gênero, além de auxiliar no estabelecimento de políticas que propiciem a promoção e a capacitação da mulher no esporte.

O grupo é composto por um representante de cada uma das seguintes áreas internas da entidade: Governança; Jurídica; Cultura e Valores Olímpicos; Desenvolvimento Esportivo; Alto Rendimento; Psicologia; Comunicação; Instituto Olímpico Brasileiro e Recursos Humanos. Também integram a equipe uma atleta de alto rendimento (Valeskinha), uma treinadora esportiva (Martha Rocha, da vela) e uma médica (Tathiana Parmigiano, ginecologista).

A Comissão é um desdobramento da Área Mulher no Esporte, que está dentro da diretoria de Desenvolvimento Esportivo e Ciências do Esporte, criada pelo COB em 2021, com o objetivo de promover ações de valorização e fortalecimento das mulheres no esporte olímpico.

Uma importante ação recente foi a criação de um Grupo de Trabalho (GT) com representantes da área Mulher no Esporte e o Laboratório Olímpico que já discute a performance da mulher atleta. Neste primeiro momento haverá uma atualização dos profissionais de Ciências do Esporte do Time Brasil sobre os mais recentes estudos focados no desempenho esportivo feminino em alto rendimento.

Entre as pesquisas estão, por exemplo, debates em torno da propensão de mulheres a lesões de LCA (ligamento cruzado anterior). Além do serviço de ginecologia do esporte que é oferecido desde 2011, o COB passa, então, a discutir de forma interdisciplinar, entre todas as áreas do Laboratório Olímpico, sobre como atuar para garantir uma maior performance das atletas mulheres.

Outras iniciativas da Área:

– A tradução das Diretrizes de Representação do Comitê Olímpico Internacional (COI) para o português, promovendo maior acesso dos brasileiros e países lusófonos a eles e ampliando a discussão na imprensa esportiva com dados impactantes sobre a representação da mulher na mídia;

– A criação da Política de Equidade de Gênero que se desdobrou, numa parceria com Instituto Olímpico Brasileiro – a área de educação do COB – no curso online “Equilibrando o Jogo: Igualdade de Gênero no Esporte”, que visa à conscientização sobre a necessidade de aprofundar o debate sobre a igualdade de gênero no âmbito esportivo. O curso é aberto e tem como público-alvo atletas, treinadores, gestores esportivos, colaboradores do COB, integrantes de equipes multidisciplinares, entre outros. O acesso pode ser feito aqui.

– A destinação de recursos exclusivos para projetos das Confederações voltados ao desenvolvimento do esporte feminino, chamado de Programa de Desenvolvimento do Esporte Feminino (PDEF), que mais que dobrou de 2023 para 2024 e dará suporte a 15 projetos de 15 modalidades. O aumento de projetos apresentados de um ano para o outro foi de 119%, um dado que comprova o alcance da iniciativa.

 

Sobre a CACOB – A Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil (CACOB) foi criada em 2009, seguindo o modelo da Comissão de Atletas do Comitê Olímpico Internacional (COI). Os membros da CACOB mais votados, de acordo com os critérios atuais, têm direito à participação e ao voto na Assembleia Geral do COB, portanto, participam ativamente das decisões da instituição.

O trabalho da CACOB é promover a melhoria de todo o sistema esportivo nacional em favor dos atletas. Para isso, busca contribuir com o fortalecimento das Comissões de Atletas das Confederações de cada modalidade olímpica, tornando fundamental que os atletas participem e sejam ouvidos em suas bases.

Os atuais integrantes da CACOB para o Ciclo Paris 2024 são Fabiano Peçanha (atletismo), Presidente; Poliana Okimoto (desportos aquáticos), Vice-presidente; Gustavo Guimarães (desportos aquáticos); Rodrigo Santana (vôlei); Adriana Aparecida da Silva (atletismo); Beatriz Futuro (rugby); Thiagus Petrus (handebol); Lucas Duque (rugby); Fernanda Ferreira (remo); Francisco Barretto Júnior (ginástica); Edson Bindilatti (desportos no gelo); Bárbara Seixas (vôlei); Juan Nogueira (boxe); Emerson Duarte (tiro esportivo); Ana Sátila (canoagem), Jaqueline Mourão (ciclismo/desportos na neve), Gilvan Ribeiro (canoagem); Jade Barbosa (ginástica); Janice Teixeira (tiro esportivo), Lígia Silva (tênis de mesa) e Jaqueline Ferreira (levantamento de pesos) entre os que disputaram alguma das últimas duas edições de Jogos Olímpicos de Verão ou Inverno. E Hortência Marcari (basquete); Jefferson Sabino (atletismo); Clodoaldo Lopes do Carmo (atletismo); e Joana Cortez (tênis) entre os atletas que competiram em Jogos anteriores a Londres 2012.

A eleição da CACOB, sim, é regida pelo COB e, por isso, é possível aplicar a igualdade de gênero. Nessa matéria há mais informações sobre o processo: Começa a segunda fase do processo de candidatura para a Comiss… | Comitê Olímpico do Brasil (cob.org.br)

 

SAIBA MAIS:

Macharada, mire-se no exemplo daquelas mulheres olímpicas

 

 

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