ICL Notícias

Por Lúcio de Castro*

Testemunha ocular da história.

Para poucas pessoas o batido lugar comum realmente deveria ser aplicado.

Sergey Skaterschikov estava no olho do furacão quando um dos mais significativos capítulos do século 20 aconteceu.

Invisível, ocupou lugares estratégicos no regime que nascia na Rússia quando o muro desabou.

O dom da invisibilidade segue intacto. Sem ser visto, tem sido “coinvestidor e consultor” em negócios de John Textor ao longo dos anos. Presente também na nova empreitada do americano no mundo do futebol através da Index Atlas, nascida na Rússia, com filial em Nova Iorque e agora na Basileia, Suíça. No endereço que une a financeira de Skaterschikov, Textor e por onde passa até a SAF Botafogo, como está ao fim dessa história.

Nascido em 1972 numa Moscou ainda sob a União Soviética, Skaterschikov teve seu nome publicado no Ocidente pela primeira vez em 1994.

Apenas três anos depois do fim do regime comunista e no mesmo ano em que se formou na Universidade Estadual de Moscou em Geografia e Estudos Americanos, o rapaz de então 22 anos foi apontado pelo Wall Street Journal como “o melhor jovem empresário da Europa Central”.

No ano seguinte, em 1995, foi a vez do The New York Times, em reportagem na edição de 23 de julho sobre jovens russos empreendedores, destacar o “rapaz atrapalhado”, e “novo rico”.

Nesse momento, Skaterschikov fundou em Moscou seu primeiro negócio: a Skate Press Consulting Agency, uma empresa de informações financeiras. De acordo com aquele NYT de 1995, um empreendimento já com 50 pessoas. O exato instante no qual, ao mesmo tempo, está se forjando no país o que viria a ser conhecido como “a cleptocracia russa”.

Ainda sob a liderança de Boris Yeltsin, as estatais foram vendidas e o patrimônio nacional entregue a preços irrisórios aos amigos do rei. Aqueles que viriam a ser chamados de oligarcas. Um processo levado adiante e ainda mais radical com a ascensão de Vladimir Putin ao poder, em 1999.

Era Putin marca enriquecimento de empresário próximo a Textor

É nesse cenário que Sergey Skaterschikov deslanchou para a fortuna, ampliando sua teia empresarial. Sempre ligado a empreendimentos que prosperaram nessa Rússia dos anos Putin.

Em 2000, fundou a Index Atlas. Era o rosto da empresa em Moscou e um sócio em Nova Iorque.

No ano de 2002, passou a ser também o Diretor Geral Adjunto de Finanças da OMZ (United Heavy Machinery), empresa russa que atua principalmente na indústria pesada e engenharia. Foi o organizador da entrada da OMZ na Bolsa de Valores de Londres. O período é o mesmo em que o Gazfond, um fundo de pensões ligado a estatal Gazprom, maior empresa de energia da Rússia, e também a maior exportadora de gás natural do mundo, envolvida em uma série de escândalos de corrupção, iniciou significativa compra de ações da OMZ.


Skaterschikov atuou na empresa que viria a ser denunciada por Navalny em desvio de US$ 4 bilhões no oleoduto

O projeto de construção de um oleoduto que levasse o petróleo bruto da Rússia para os mercados do Pacífico asiático como Japão, China e Coreia existia desde os anos 70, ainda na União Soviética. Em 1996, Boris Yeltsin assinou com a China um acordo energético incluindo a construção do “Oleoduto East Siberia — Pacific Ocean” (ESPO).

Com a chegada ao poder em 1999, Putin decidiu tirar do papel o “ESPO”. Em maio de 2003, o governo russo decidiu que duas empresas seriam as responsáveis: a Transneft ficaria responsável pela construção e a Yukos forneceria o petróleo e ambas iniciam as licitações para contratações de empresas parceiras para a obra, que começaria em abril de 2006.

Nesse momento de efervescência, entre 2001 e 2005, Skaterschikov ocupou o cargo de consultor em desenvolvimento estratégico, finanças corporativas e relações com investidores da Transneft.

Em seu material corporativo, a Index Atlas destaca a Transneft como uma das joias da coroa no portfólio de clientes da empresa.

Os contratos da Transneft para a construção do oleoduto são um dos pilares das denúncias que iriam notabilizar Alexey Navalny. Advogado que depois passaria a ser o mais destacado opositor a Putin.

Em 2010, Navalny publicou em site próprio denúncias documentadas acusando a Transneft de ser a ponta do esquema que desviou US$ 4 bilhões, sendo que US$ 2 bilhões teriam sido lavados em contribuições para instituições de caridade.

Em 2021, os documentos revelados pelo Pandora Papers, em reportagem publicada na BBC, terminaram por desenhar o esquema de corrupção que vazou do oleoduto russo: uma rede formada por diversas camadas de empresas em paraísos fiscais, passando por Luxemburgo, Malta e nas Ilhas Virgens Britânicas, com a finalidade de ocultar a origem do dinheiro e as empresas beneficiadas, e tendo como proprietários, ao menos no papel, fundos de investimento.

Em 21 de agosto de 2020, Navalny passou mal durante um voo entre Tomsk e Moscou, com sinais de envenenamento. Removido para Berlim, teve o envenenamento confirmado pelo governo alemão. Recuperado, voltou para Moscou e foi imediatamente preso ao desembarcar.

Em 16 de fevereiro de 2024, morreu em uma prisão do Círculo Polar Ártico.

No epicentro de grandes negócios nos anos Putin

Entre os anos de 2005 e 2007, Sergey Skaterschikov comandou o escritório russo do banco alemão Dresdner Kleinwort Capital, sendo chefe dos negócios de IPO (oferta pública inicial) do banco na Rússia e na Ucrânia, e diretor de investimentos. Nesse período, o escritório foi o epicentro de grandiosos negócios envolvendo empresas gigantes de setores estratégicos da Rússia.

Em dezembro de 2005, o Dresdner marcou a grande entrada alemã no setor bancário russo ao anunciar a compra de um terço do Gazprobank por US$ 803 milhões. Dois meses antes, em outubro, o banco alemão assessorou a Gazprom na compra da petrolífera Sibneft. Preço: US$ 13 bilhões. A Sibneft pertencia ao provavelmente mais famoso oligarca russo: Roman Abramovich, alçado a fama planetária durante o período em que foi proprietário do Chelsea.

O acordo foi assim tratado pelo New York Times de 7 de dezembro de 2005: “É uma transação complexa em que as ações da Gazprom nunca são registradas nos livros do Dresdner”.

Stanislav Belkovsky, analista político russo, especialista em temas relacionados a oligarcas e suas relações com o estado, afirmou sobre a transação: “As empresas estatais pagaram substancialmente a mais quando compraram empresas a empresários privados ‘favorecidos”.

Indicação direta do filho de oligarca 

Em 2005, Skaterschikov entrou para o conselho de administração da Kirovsky Zavod por indicação direta do proprietário, Georgy Semenenko, herdeiro do oligarca Petr Semenenko, como está relatado no terceiro capítulo desta série de reportagens.

Em fevereiro de 2007, Skaterschikov assumiu a vice-presidência de estratégia do MTS Group, a gigante de telefonia móvel russa com subsidiárias em diversos países, entre eles Armênia, Ucrânia, Uzbequistão, Bielorrussia e Turquemenistão, e cuja maior acionária é a holding financeira “Sistema”, controladora também de 49% da produtora de petróleo russa Russneft.

Em janeiro de 2008, Skaterschikov passou para a vice-presidência de desenvolvimento de negócios. O período é o mesmo em que a empresa está passando por uma total reestruturação, que vai até 2012. Caracterizado sobretudo por uma estratégia de aquisições agressivas e marcado muitas vezes por intimidações por parte da MTS, usando o Estado para tal. A era de aquisições agressivas está detalhadamente retratada em “Aquisições coercitivas lideradas pelo Estado na Rússia de Putin: explicando os motivos subjacentes e resultados de propriedade”, tese
de doutorado de Andrew Yorke apresentada na London School of Economics and Political Science em abril de 2014 e posteriormente transformada em livro, que tem amplo material sobre a MTS nesse momento.

Os escândalos de corrupção e fraude da MTS no período são abundantes e estão espalhados nos noticiários internacionais e nas cortes de Justiça do mundo inteiro, além de estarem retratados em ação movida pelo Departamento de Justiça americano e pela CVM, que resultaram em US$ 2,6 bilhões de acordos naquele país por acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e suborno e de violação da FCPA, a “Foreign Corrupt Pratices Act”, ou “Lei de Práticas de Corrupção no Exterior”. Nos processos, estão detalhados subornos de funcionários de diferentes governos durante o período de aquisições da MTS.

Acima de Skaterschikov, à frente de tudo na MTS, estava um dos maiores e mais poderosos oligarcas russos: Vladimir Yevtushenko, detentor de 64,18% da holding e muito próximo a Putin. Uma proximidade íntima demonstrada ao estar junto a Putin no palácio recentemente, no dia da invasão da Ucrânia.

Parceria afinada: depois da MTS, Skaterschikov e Yevtuschenko formaram novamente na Redline e em revista de arte

Skaterschikov e Yevtushenko estiveram juntos em outro negócio chave do oligarca. Detentor de 100% da empresa de investimentos Redline Capital, no paraíso fiscal de Luxemburgo, Yevtushenko nomeou o velho conhecido como diretor geral da empresa em 2011. Cargo que Skaterschikov ocupou até 2014, presente também no conselho de administração.

Juntos, os dois repetiram o mesmo modus operandi de aquisições agressivas com que haviam se destacado na Rússia, agora em um novo ramo: em 2011, foram para cima do Artnet, site do mercado de arte sediado na Alemanha, que opera um banco de dados muito utilizado de preços de leilões. O fundador, Hans Neuendorf, resistiu por um tempo, mas, endividado, por fim sucumbiu e a dupla da Redline ficou com o comando. Em entrevista para a Artmagazine, em 2019, Hans Neuendorf abordou o episódio, sem poupar Sergey Skaterschikov.

“Um cara suspeito que faz todo tipo de negócios”

“Não sei por que ele decidiu desempenhar um papel no mundo da arte, mas era isso que ele queria. O que descobrimos é que ele fazia parte do conselho de administração de uma empresa (MTS) de um dos grandes oligarcas russos, Vladimir Yevtushenko, que apoiava Sergey”, afirmou Neuendorf, que completou: “Yevtushenko tinha, entre outras participações, uma empresa de aquisições, e Sergey fazia parte desse conselho”. Por fim, Hans Neuendorf jogou no ar uma série de indagações sobre o histórico de Skaterschikov e seus negócios, e o interesse do russo por entrar no universo da arte, tradicional mercado sob suspeita por histórico de lavagem de dinheiro de bilionários envolvidos em corrupção ao redor do mundo. Com protagonismo de oligarcas russos.

“Ele é um cara suspeito. Um cara ventoso, e me perguntei por que ele queria isso. Mas ele fez todos os tipos de negócios. Ele é banqueiro de investimentos de profissão e só estava interessado em fazer fusões e aquisições e aumentar o valor das empresas adicionando outra empresa a elas”, diz, abordando um traço dos negócios do russo. No mundo das artes, Skaterschikov também comandou a feira Viennafair, assumida por ele em 2012, ao lado do bilionário russo Dmitri Alksenov. Na ocasião, Skaterschikov fundou a Art Vectors Investment Partnership, com objetivo de atrair investidores. No ano seguinte, Dmitry Aksenov assumiu o controle acionário da empresa e fez a Viennacontemporary, feira até hoje na cena das artes.

O clube dos bilionários russos fundado por parceiro de Textor com patrocínio de um dos “sete banqueiros oligarcas”

Bilionários russos, Skaterschikov e o mercado de arte já tinham se encontrado em empreitada anterior.

Em 2010, Skaterschikov fundou o Insiders Club, em Moscou, para juntar todas essas pontas.

Em 11 de agosto de 2010, o investidor deu entrevista ao The Observer londrino sobre o clube. “A ideia por trás do Insiders Club é, neste momento, a elite russa. Convidamos 90 pessoas de alto patrimônio. A lista veio da Sotheby’s, da Sotheby’s Realty, de bancos suíços, mas eles normalmente não gostam de ser identificados, e da Alfa. Tivemos David Yakobashvili. Outros, a maioria com US$ 80 milhões a US$ 200 milhões, e tivemos três bilionários”.

David Yakobashvili citado por Skaterschikov como um dos sócios e compradores do seu clube é mais um bilionário russo que fez fortuna após o fim da União Soviética. Seu primeiro negócio é representativo quanto à origem do dinheiro. Com um grupo de dez empresários de diversos ramos, fundou a Trinity, que, entre outras empresas, tinha a Metelitsa, a famosa boate e cassino que marcou época na Moscou dos primeiros anos capitalistas até o fim da década de 2000, conhecida por ser o ponto de encontro na noite de novos milionários, gangsters e mafiosos do
país. A Trinity está citada no relatório de corrupção do consórcio de reportagem de “Denúncia ao Crime Organizado e Corrupção” (OCCRP). O grupo de Yakobashvili chegou a ter 300 empresas na Rússia, entre elas a que explora caça-níqueis por Moscou.

Na entrevista ao The Observer, Skaterschikov cita um dos patrocinadores do clube que reúne bilionários russos compradores de arte: o Alfa Bank, maior banco privado russo.

Mikhail Fridman, o fundador do banco, é um dos “semibankirschina”, termo russo que batiza o grupo de sete banqueiros poderosos que exerceram grande influência política e econômica na Rússia durante a década de 1990. “Sem” (sete) e “Bankir” (banqueiro), a “oligarquia dos sete banqueiros”, completada por Boris Berezovsky, Mikhail Khodorkovsky, Vladimir Gusinsky, Alexander Smolensky, Vladimir Potanin e Pyotr Aven. No ano passado, o patrocinador de Skaterschikov foi preso em sua mansão londrina pela “National Crime Agency” (NCA-Agência Nacional de Combate ao Crime), através da especializada Kleptocracy Cell (Célula de Combate à Cleptocracia). Entre as acusações, estava a de lavagem de dinheiro e de ter financiado um projeto de caridade dirigido pela filha mais velha de Putin.

O endereço que liga todos os fios da teia

Gerbergasse 48, 4001. Basileia, Suíça.

Parece apenas mais um pacato escritório em uma rua aparentemente tranquila, quase tediosa, coberta de paralelepípedos, em um prédio cinzento de esquina com cinco andares.

Os principais personagens dessa história se encontram nesse endereço. Juntos e misturados. Depois de darem uma volta no mundo com escala em quase todos os paraísos fiscais, os fios dessa teia se unem.

De acordo com o registro comercial de empresas suíço, o Facebank, ligado a John Textor, e o Index Atlas, de Sergey Skaterschikov, estão juntos nesse endereço. No quarto andar. Na mesma sala. Sob o mesmo teto. A Youngtimers, já presidida pelo russo, também está lá. Para completar, nesta sala ainda está a Nexway AG, parte das subsidiárias do Facebank.

Imagem do Botafogo é comercializada a partir do mesmo endereço do bilionário russo ligado a oligarcas

Parte da imagem do Botafogo também está sendo comercializada a partir de Gerbergasse 48, 4001.

Vendido como a principal ideia do Facebank atualmente, “the big idea”, um banco virtual para armazenar, proteger e ativar a imagem do rosto e corpo do cliente, o “aplicativo Facebank” tem na peça principal de propaganda uma face pintada com as cores alvinegras e a inconfundível estrela solitária. É a teia de Textor se ampliando.

 

A pequena rua suíça carrega boa parte da teia. Dos segredos de Textor.

E do silêncio sombrio no entorno.

Os ex-sócios se recusam a falar. Sequer em off.

Testemunhos sobre ele, somente em registros com mais de uma década. Ou em processos.

Como no caso de uma publicação perdida no tempo em que o depoimento de alguém próximo, então mantido no anonimato, ilumina o personagem.

“Se ele conseguir levantar dinheiro dessa vez, será espantoso. Os investidores não têm Google?”, perguntou na ocasião. Para pouco adiante parecer se render, como numa profecia.

“Mas John é como um gato. Ele simplesmente continua voltando.”

Parece que a predição estava certa.

Dezenas de processos mundo afora, acusações e acordos, intricadas conexões, dívidas e múltiplas falências depois, John Textor está de volta.

Mais em casa do que nunca. Agora em dois universos que parecem os mais próprios e férteis para negócios e negociantes controversos:

O futebol e o Brasil.

Outro lado: John Textor

A reportagem enviou uma série de questões para John Textor em diferentes ocasiões. Por diferentes formas: através da assessoria de imprensa da SAF Botafogo, por telefone e e-mail do
diretor de comunicação, assim como também para a assessoria do Eagle Footbaal. Todos sem resposta. A Index Atlas, de Sergey Sktarschikov, foi citada ao longo da série e confirmou para a reportagem ser “co-investidora ou ter aconselhado o sr Textor em diversas transações no passado”.

 

*Especial para o ICL Notícias

 

LEIA AS MATÉRIAS DA SÉRIE:

  1. Os segredos de Textor: o lado B do milionário americano que comprou o Botafogo
  2. Os segredos de Textor (2) – Novos negócios, velhas acusações
  3. Os segredos de Textor (3) — A conexão Moscou e a teia

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