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Valdemar Figueredo (Dema)

Idealizador e coordenador desde 2017 do Observatório da Cena Política Evangélica pelo Instituto Mosaico (www.institutomosaico.com.br). Pós-doutorando em sociologia pela USP. Doutor em ciência política (antigo IUPERJ, atual IESP-UERJ) e em teologia (PUC-RJ). Pastor da Igreja Batista do Leme e da Igreja Batista da Esperança, ambas na cidade do Rio de Janeiro.

Pablo Marçal: coach messiânico na cobertura da Torre de Babel

Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo
06/08/2024 | 05h35

O apelo da fé é poderoso a ponto de transformar a razão em estupidez e tornar o delírio de um insensato em torpor coletivo.

Pablo Marçal não pastoreia nenhuma igreja, mas influencia milhares de pessoas que querem ser empreendedoras com a bênção e anuência de Deus. Gente que cultiva uma ambição gospel de prosperar nos negócios e dominar por meio da política.

A seguir, uma pequena amostra de falas que aproximam Babel, Babilônia e Brasil:

“Cada cristão é um influenciador. É hora de vocês se levantarem e se posicionarem nesta nação. Um cristão que não tem resultado não tem respeito nem perseguição. E se você é cristão e não tem gente falando mal de você tem alguma coisa errada com que você está fazendo.” [1]

“Eu tinha uma crise na adolescência violenta com masturbação. Eu via aquele tanto de semente indo embora. E eu perguntei pra Deus: por que o Senhor dá tanta semente se eu não vou trazer esse tanto de gente na terra? Eu queria na verdade me masturbar em paz sem pensar que era pecado. Aí Deus falou assim: a semente eu te dou e você planta quando quiser, a semente é infinita e você faz o que quiser com ela. Sementes são ideias. Eu tenho várias. Se eu não arrumar uma fêmea para fecundar, nunca vou ter fruto. Empresas são fêmeas. Aplicações financeiras são fêmeas. Fazendas são fêmeas. Mulheres são fêmeas. Tudo que é fêmea, é só colocar um sêmen que você prospera. Trabalho não prospera, trabalho é macho. Tudo que é macho não prospera, não tem como multiplicar. O macho carrega semente, por isso que é semeador. Eu preciso de uma fêmea para fecundar qualquer semente. Terra, fazenda, empresa, aplicação financeira, tudo feminino.” [2]

Mito bíblico da Torre de Babel

Líderes personalistas pragmáticos mandam os entulhos para as periferias, onde aterra­rão os caminhos escabrosos. Nada se perde. Cada coisa no seu lugar. A torre no centro; os entulhos, na periferia. E o líder no meio de tudo. Entre outras coisas, a torre é ótima para servir de referência de poder.

A linha divisória entre o pragmatismo personalista e a megalomania costuma ser tênue. Muita gente diz que Deus merece o melhor, enquanto alimenta seu próprio delírio de grandeza.

Construtores que pouco se importam com as coisas criadas ou com as muitas pessoas que o ajudam a construir torres altíssimas só têm olhos para si mesmos. A altura da torre será propor­cional ao tamanho do seu delírio.

Pessoas que agem em nome de Deus com sérios transtornos, com a percepção da realidade seriamente afetada.

Esse delírio assume sua força quando é embalado no discurso da fé. É o abuso de poder eclesiástico que torna crível o absurdo megalomaníaco.

Babel era um monumento à insanidade de um povo sob uma liderança megalomaníaca. Nabucodonosor, então, vira um tipo comum — o sujeito cheio de poder que perde a sanidade. O muito já não basta — “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para morada real, pela força do meu poder, e para a glória da minha majestade?” (Daniel 4.30).

Justiça seja feita: são poucos os líderes religiosos megalomaníacos que, à semelhança do senhor de Babilônia, declaram tão explicitamente que o muito que realizam destina-se à glória da própria majestade. Na tradição cristã, fica feio o discurso ufanista de exaltação pró­pria; então, os “nabucodonosores” contemporâneos são mais refinados, para não falar dissimulados. Aí, vem a justificativa oficial: “Tudo isso é para a glória de Deus.”

Mas houve confusão. Em Babel, todos são estranhos! Confusão das línguas ou sobreposição de egos? Nas igrejas brasileiras, as divisões pouco ou nada têm a ver com méto­dos ou posições teológicas. Trata-se de disputas de líderes pragmáticos megalomanía­cos.

Mania de grandeza é confundida com visões divinas, enquanto, ao pé da torre ou nos jardins suspensos, o que se vê é uma feira de egos — e o que era para ser ponto de encontro vira lugar de desavenças. A obra mais visível em Babel eram as relações humanas destruídas.

Em Babilônia, também se viam coisas feias — no meio do esplendor, desconfiança e ressentimento. Daí, tudo fica dependendo da figura do líder. Enquanto ele for capaz de renovar seu carisma, o projeto permanece.

Em Babel, na Babilônia ou no Brasil, como aferir se a obra de um é maior do que a de outro? Ora, por meio da comparação. Então, não basta construir algo admirável — é preciso construir o mais admirável: “Tornemos célebre o nosso nome”, disseram os projetistas de Babel.

 

[1] Pablo Marçal – é hora de se levantar. Igreja Casa Oficial (Goiânia – GO). Palavra ministrada na Igreja Casa, Goiânia-GO, no dia 04 de agosto de 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BMaxpt5JTg4. Acesso em: 06/08/2024

[2] Aprenda a gerar riqueza do zero | Pablo Marçal. Mensagem pregada na Comunidade da Fé Church, Americana-SP, no dia 18 de outubro de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SseLDTCh6VU&list=PLwrs2XaYwgANMRKtNvs4hj9WyFllgmvCE&index=1. Acesso em: 06/08/2024

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