Eu, meu, minha, Eu
Pela primeira vez, começo com um vídeo, cuja desfaçatez justifica o ineditismo. Como sempre, vamos à transcrição.
“(…) Algumas pessoas falam: ‘Mas você perdeu a eleição. Eu não! Quem perdeu foi o povo. Eu ia dedicar com a minha alma, o meu corpo, meu espírito, minha inteligência, meu networking, até minha riqueza. Tudo.”
Esqueçamos o vulgar cabotinismo — marca d’água de Pablo, o Vencido. Em escassos 18 segundos, o pronome pessoal Eu é repisado 2 vezes, e o pronome possessivo de primeira pessoa é obsessivamente reiterado em 6 ocasiões! Não é necessário ser um psicanalista treinado para identificar o sintoma: transtorno de personalidade narcisista, autocentramento doentio, que só aceita colher louros e responsabiliza o povo pelo próprio fracasso.
Contudo, a expressão de Pablo, o Malogrado, vale por um retrato de seu psiquismo: sua linguagem corporal revela uma fraqueza incontornável. Repare bem: olhos injetados — insones ou lacrimosos –, ombros derreados, gestos descoordenados, olhar disperso, sem rumo, numa imagem involuntária da desorientação de quem sabe muito bem dos crimes que cometeu no processo eleitoral e teme as consequências que certamente virão.
(Ou não será possível sequer abrir os braços e fazer um país.)
Ora, a partir do dia 6 de outubro de 2024, o nome de Pablo, o Derrotado, conhecerá inúmeras variações do mesmo tema: a derrota, o fracasso, o insucesso, o malogro, a rejeição, o fiasco, o revés, a reprovação, o falhanço, a frustração, a ruína, o contratempo, a queda, a infelicidade, o baque, o estrago, o detrimento, o tombo, o boléu, a adversidade, o infortúnio, o naufrágio, a perda, o cano, o desaire.
(Pablo Marçal: a prosperidade do insucesso e seus sinônimos.)
Apocalipse agora?
A campanha eleitoral de 2024 ainda não acabou em muitas capitais, mas alguns resultados já se destacam.
Em primeiro lugar, a relação direta entre a manipulação do orçamento secreto, controlado com mão de ferro por Arthur Lira, e o êxito nas eleições municipais. Nó górdio do atual cenário político brasileiro, o Legislativo apropriou-se de uma prerrogativa básica do Executivo, a redundante execução do orçamento — e nada parece indicar que esse sequestro terminará tão cedo. Somente o Supremo Tribunal Federal pode acabar com essa nefasta prática num prazo relativamente curto.
Em segundo lugar, assumiu definitivamente protagonismo o fenômeno iniciado de forma mais clara com o pleito presidencial de 2018, qual seja, a disseminação de estratégias típicas do universo digital no campo da política. Na vitória de Jair Messias Bolsonaro, o recurso ao microdirecionamento digital como meio dominante de campanha, voltado a perfis de usuários, em lugar da formulação de um discurso para o conjunto da cidadania, foi tão inovador que só se compreendeu o efeito do artifício quando já era muito tarde para reagir ao desafio.
O tsunami Pablo Marçal — Esfinge que ameaça sitiar o processo eleitoral, e devora com gosto todo aquele que não se reduz à condição pálida de espelho; parasita de tipo especialmente perverso que somente sobrevive se levar o hospedeiro ao esgotamento completo, isto é, à morte — precisa ser imediatamente contido e, comprovados seus crimes eleitorais, deve ser punido e, sobretudo, tornado inelegível. Caso contrário, em 2026, assistiremos à multiplicação de Pablos Marçais em todos os níveis da política nacional.
(Apocalipse, sem revelação alguma, seu nome é Pablo, o Rejeitado.)
Decifrar a Esfinge significa desvelar suas fraudes — duas faces da mesma moeda –, vocabulário que Pablo, o Malogrado, domina como poucos.
Alquimia política como fraude
Darcy Ribeiro em ensaio merecidamente célebre, “Sobre o óbvio”, recordou que no Brasil nunca é demais reiterar o que salta aos olhos.
O óbvio: Pablo, o Frustrado, foi o grande perdedor das eleições municipais de 2024 — e isso em todo o país.
Não podemos esquecer de sua bravata-mor: “não haverá segundo turno em São Paulo”. Com sua “mentalidade” de vencedor, a mera ocorrência de um segundo turno já seria uma derrota. Maiúscula. Incomparável. Épica. Incontornável.
Pois é: o óbvio: Pablo, o Náufrago, foi desaprovado e terminou amargando um baque incontestável. E não adianta lançar mão de uma alquimia de batedor de carteira, a fim de converter a queda em voo livre.
Verifiquem e me digam se exagero.
“Tirem da cabeça de vocês: nós não fomos pro segundo turno, não foi por causa do laudo, não. A gente não foi pro segundo turno porque o campo de energia que eu precisava chegar era 21 ondas; eu não consegui bater, a gente chegou em 18. (…) A gente foi o mais longe que qualquer outra pessoa conseguiu chegar até hoje”.
Vamos esmiuçar esse estelionato discursivo?
A tentativa de apagar o crime do laudo falso é tão ociosa que chega a ser divertida. É evidente que o tiro saiu pela culatra, especialmente porque a reação imediata de Guilherme Boulos jogou uma pá de cal no esquema de Pablo, o Reprovado. Em menos de 24 horas, a pronta cobertura da imprensa e a rápida resposta das autoridades ajudaram a esclarecer a gravidade do crime. Daí, chega a ser ridículo o esforço de traduzir o fracasso em êxito inédito: “A gente foi o mais longe que qualquer outra pessoa conseguiu chegar até hoje”. Parece que Ricardo Nunes e Guilherme Boulos discordam da premissa…
(Pablo, o Derrotado, fez um salto mortal do campo de energia 18 para o 171 — salto sem rede, claro está.)
Falsidade ideológica, vale recordar, é um crime federal, e nem mencionei os crimes contra a honra envolvidos na fraude grotesca do tosco laudo falsificado. Por fim, como a ação pretendia interferir nas eleições, de Derrotado, o herói de si mesmo passará a ser conhecido como Pablo, o Inelegível.
(No fundo, a inelegibilidade é a consequência menos funesta: o crime de falsificação de documento pode levar a uma pena de prisão muito severa.)
O filósofo Bezerra da Silva já havia dito tudo:
Malandro é malandro
mané é mané
(Podes crer que é)
Pablo, o Falso Malandro, ensinou a lição das coisas (que ele mesmo nunca aprendeu):
Malandro demais
é mané duas vezes
(Podes crer que é).
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