Artigo de André Campedelli e Deborah Magagna*
Um levantamento feito pela agência de jornalismo Reuters mostrou que, entre todas as empresas petrolíferas do mundo, a Petrobras é aquela que mais distribui lucros e dividendos para seus acionistas. O montante é pelo menos duas vezes maior do que a distribuição de lucros da segunda colocada no ranking. Somente para fins de comparação, as cinco maiores empresas petrolíferas do ocidente (Exxon, Chevron, Shell, Total e BP) tiveram distribuição entre US$ 4 bilhões e US$ 7,6 bilhões. Ao mesmo tempo, a Petrobras distribuiu US$ 17 bilhões no último pagamento de lucros e dividendos.
O elevado lucro da Petrobras não é uma exclusividade da empresa, mas o alto pagamento de lucros e dividendos parece ser uma marca registrada da companhia brasileira durante o governo Bolsonaro. O lucro líquido da empresa se encontra em níveis historicamente altos, com o resultado nominal do lucro líquido da Petrobras em 2022 sendo o segundo maior da história, de R$ 98,9 bilhões, só perdendo para o ano de 2020, em que foi registrado um lucro líquido de R$ 106,6 bilhões. Ao mesmo tempo, o payout, ou seja, a porcentagem do lucro líquido distribuído aos seus acionistas está em níveis elevadíssimos, de 144,5% em 2020 e de 137,8% em 2021.
O alto volume de lucros da empresa pode ser ligado diretamente à alta do preço do combustível, como resultado direto da política de precificação da Petrobras, o chamado PPI, que faz com que os custos sejam constantemente revistos e cotados em dólares. Desde que ocorreu a mudança de políticas de preço em 2016, o lucro da empresa subiu constantemente, com exceção de 2020, o pior ano da pandemia. Os payouts também continuaram crescendo constantemente, com exceção de 2021, quando a empresa precisou recompor seu lucro após a queda observada no ano da pandemia.
Isso mostra que a política de precificação da Petrobras serviu para um grande propósito: elevar o lucro líquido da empresa e fazer com que ele não fosse reinvestido, mas sim distribuído entre os acionistas da empresa. A política, portanto, é meramente uma forma de remunerar os acionistas da Petrobras.
Além do elevadíssimo payout, que mostra que os lucros da Petrobras não estão servindo para melhorar a empresa, outro dado chama a atenção, uma vez que o nível de investimento da empresa tem caído continuamente, mesmo diante de uma elevação considerável dos lucros nos últimos anos. Desde 2014, quando a maior crise da empresa foi iniciada, resultado direto da operação Lava-Jato, o total investido se reduziu. O reinvestimento da companhia chegou a ser de R$ 48 bilhões em 2013 e, desde então, houve queda considerável. A partir do governo Temer a queda se acentuou, saindo de R$ 23 bilhões em 2015 para R$ 15,8 bilhões em 2016. A queda foi constante desde então e o nível atual de investimento chegou de R$ 8,77 bilhões, apenas 8,8% do total lucrado, enquanto, ao mesmo tempo, foi distribuído um valor 137% maior do que o lucro para os acionistas.
Outro ponto que chama a atenção em relação à distribuição de lucro da Petrobras é que desde 2020 a distribuição de dividendos da companhia ficou ou acima ou muito próxima a 100%, ou seja, quando o lucro não é quase todo distribuído aos acionistas, neste caso, parcelas de lucro não distribuídas em anos anteriores podem ser utilizadas para que os patamares de distribuição se mantenham elevados e não gerem frustrações no mercado. A distribuição de proventos acima do lucro da companhia não é uma medida sustentável a longo prazo e muitas vezes aponta para um declínio da empresa, uma vez que aponta para um menor reinvestimento.
Esse conjunto de dados nos possibilita observar que existe um claro movimento de sucateamento da empresa. Primeiro a elevada distribuição de lucros e dividendos serve como uma forma de atrair cada vez mais investidores na compra de ações da empresa, mas ao mesmo tempo passa um recado negativo ao mercado, pois uma empresa que precisa pagar uma quantia tão alta a seus acionistas pode significar que está com problemas para manter sua viabilidade econômica. E, por fim, com um volume de distribuição de lucros tão elevado, pouco sobra para o reinvestimento, ou seja, reduz consideravelmente a capacidade de modernização e expansão da empresa. Isso tudo mostra que está ocorrendo um evidente processo de sucateamento da empresa, buscando uma privatização para os próximos anos.
Além disso, a distribuição de lucros e dividendos para o governo ajuda a pagar o pacote fiscal que está sendo criado para melhorar a imagem de Bolsonaro na sua tentativa de reeleição. Gastos com educação e ciência já foram reduzidos consideravelmente para permitir que estes gastos aconteçam dentro das regras fiscais vigentes. Ademais, com o governo como um dos principais acionistas da empresa, este volume de dinheiro ajuda a financiar todos os gastos sociais pretendidos pelo governo, em uma última e desesperada tentativa de subir nas pesquisas e conseguir, consequentemente, sua reeleição.
Taxação do lucro extraordinário das grandes petrolíferas: uma ideia cada vez mais abraçada
Com a elevação do preço do petróleo nos mercados internacionais e o lucro cada vez maior das empresas petrolíferas, uma proposta começa a ser debatida com bastante seriedade: a da taxação dos lucros extraordinários dessas empresas, ou seja, o lucro extra que as empresas obtiveram como resultado da alta do preço internacional do barril do petróleo. Essa proposta vem como alternativa a mudança de precificação de empresas privadas e da Petrobras, que repassam quase que automaticamente a variação dos custos da commodity para o preço dos combustíveis.
Um dos primeiros a propor essa ideia foi o ex-ministro da Fazenda do segundo governo Dilma, Nelson Barbosa. Segundo ele, uma alternativa para reduzir o preço dos combustíveis sem alterar a política de precificação da Petrobras seria a taxação do lucro extraordinário das empresas, o que faria com que as empresas não buscassem aumentar mais seus preços, visto que os lucros obtidos dessa alta de preços seriam tributados.
A ideia virou motivo de descrédito por grande parte da mídia corporativa brasileira, principalmente, por vir de um economista heterodoxo. Porém, uma das vozes mais fortes da ortodoxia mundial também propôs a mesma coisa. Olivier Blanchard, que foi economista chefe do FMI e um dos macroeconomistas mais respeitados do mundo pelos liberais, fez proposta semelhante. A partir de tal ponto, a ideia começou a ser melhor aceita dentro do debate internacional.
Agora a ONU também realizou uma proposta similar. Visto que o custo com combustíveis e energia feita através de petróleo está gerando uma alta inflacionária em todo o mundo, a entidade agora propôs que essa ideia seja adotada imediatamente, fazendo com que os choques de custo sejam amenizados, melhorando a situação da inflação em todo o mundo.
A proposta serve como alternativa principalmente para o setor privado, que não utiliza nenhuma regra explicita para realizar a precificação de suas mercadorias, o que não precisaria ser feito no caso da Petrobras, já que essa segue regras que o próprio governo pode alterar, por se tratar de uma empresa estatal. Mas pode ser vista como uma boa alternativa caso a insistência com o chamado PPI continue dentro da formação de preços dos combustíveis no país.
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
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