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Como outros países do mundo usam câmeras corporais no combate ao crime

O Brasil começou a usar a tecnologia em 2012
10/12/2024 | 05h00

Por Thaís Augusto

(UOL/Folhapress) — Pelo menos 24 países no mundo usam câmeras corporais em uniformes policiais. No Brasil, a tecnologia começou a ser testada em 2012 e é apontada como uma importante ferramenta para evitar abusos e diminuir a letalidade policial.

O Reino Unido foi um dos primeiros países a estudar a implementação de câmeras na farda policial. Mas, diferente do Brasil, onde a tecnologia tenta reduzir os casos de uso de força excessiva, o país estruturou um modelo onde as câmeras poderiam inibir comportamentos criminosos, reduzir as tensões na abordagem policial e ajudar na coleta de provas.

Testes começaram nos condados de Devon e Cornwall, ainda em 2005. Segundo relatos da mídia britânica, os policiais imaginavam que a tecnologia poderia ser útil principalmente em casos de violência doméstica, coletando evidências em vídeo para serem usadas no tribunal.

Policial joga cidadão de ponte em Cidade Ademar, zona sul de São Paulo (Foto: Reprodução)

Na França e na Espanha, as câmeras foram adotadas como uma forma de aumentar a confiança da população nas forças policiais, além de fornecer evidências confiáveis em casos de agressões ou reclamações. “O policiamento na Europa, em geral, apresenta menos incidentes de uso de força letal em comparação com a América Latina, e os objetivos por trás da adoção das câmeras refletem esse contexto”, explicou Beatrice Rossano, doutoranda no King’s College Transnational Law Institute, que estudou a implementação das câmeras na PM de São Paulo. Ela assina um artigo sobre o tema com o pesquisador Vinicius de Carvalho, criador do Observatório da Democracia na América Latina (KODLA, na sigla em inglês).

Nos EUA, as câmeras corporais começaram a ser testadas em 2010 pela necessidade de conter excessos e reduzir denúncias de abusos policiais. Na prática, a própria polícia controla as filmagens, que não são divulgadas com frequência, segundo uma reportagem da ProPública. Um levantamento do mês de junho de 2022 mostra que, de 79 ocorrências policiais com morte, as imagens foram divulgadas em apenas 33 casos.

Câmeras corporais foram fundamentais para a condenação de policiais do caso George Floyd. As imagens mostram o momento em que Derek Chauvin pressiona o pescoço de Floyd com o joelho por nove minutos. A vítima repetiu mais de 20 vezes a frase “Não consigo respirar”. O caso aconteceu em Minneapolis em 2020 e desencadeou uma onda de protestos e discussões sobre o uso de força, letalidade policial e racismo.

O Japão é um dos países que ainda discute o uso das câmeras corporais para a polícia. O assunto voltou a ser discutido em 2022 após um atentado a tiros que matou o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe em um evento de campanha na rua. A Agência Nacional de Polícia anunciou que agentes que trabalham nas ruas participarão de um teste com câmeras em 2025.

Pesquisas mostram resultados promissores no Brasil

Pesquisa diz que o uso de câmeras corporais na PM de São Paulo reduziu a letalidade policial. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os batalhões que incorporaram o uso de câmeras tiveram redução de 76,2% na letalidade de PMs em serviço entre 2019 e 2022, enquanto nos demais batalhões a queda foi de 33,3%. O número de adolescentes mortos em intervenções de PMs em serviço caiu 66,7%, passando de 102 vítimas em 2019 para 34 em 2022.

No entanto, uma reportagem do UOL revelou que policiais conseguem manipular o sistema de câmeras. Em alguns casos, policiais mudam a data de gravação das filmagens para que elas sejam excluídas automaticamente ou cobrem a lente da câmera com a própria farda, com o punho da arma ou com a mão.

Estudos no Reino Unido e EUA não chegaram à conclusão que as câmeras reduzem o uso de força excessiva. Algumas pesquisas indicam que as câmeras têm um efeito positivo na diminuição de conflitos entre agentes e civis, mas um experimento global de 2016 com oito forças policiais diz que as câmeras aumentaram a chance de um policial ser agredido durante o trabalho.

Pesquisas refletem o cenário de policiamento local. É difícil fazer qualquer comparação porque cada país adota um modelo diferente de câmera corporal, diz Beatrice. Nos EUA, por exemplo, algumas forças policiais usam o modelo Axon Body 3 — o mesmo que a PM de São Paulo adotou em 2021 –, que grava toda a jornada de trabalho. No Reino Unido, os agentes podem ligar e desligar a gravação.

Especialista ressalta que a redução do uso da força não pode ser a única medida para determinar o sucesso de um programa de câmeras corporais. Beatrice cita um estudo de 2019 sobre o uso da tecnologia pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, que mostrou uma redução de 47,5% no uso da força em comunidades com UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). “Parece animador, mas o estudo também revelou que os agentes deixavam de patrulhar áreas que sabiam ser mais propensas ao crime”.

Uso de câmeras não deve ser descartado e sim fazer parte de uma estratégia mais ampla e abrangente, afirmou Beatrice. “As câmeras corporais não são uma solução mágica para reduzir a letalidade policial. O sucesso ou fracasso do potencial tecnológico depende de políticas humanas, visão, comunicação e habilidades de gestão”.

Principal argumento para o uso de câmeras corporais é que elas são percebidas como “ameaças credíveis” e podem alterar o comportamento humano, diz Beatrice. “Isso se baseia na teoria da dissuasão. As pesquisas mostram que o comportamento de uma pessoa que está sendo observada e potencialmente julgada pode sofrer influência sobre vários processos cognitivos sociais: as pessoas que experimentam uma autoconsciência pública tornam-se mais propensas a aderir às normas sociais e desenvolvem uma necessidade intensificada de cumpri-las”.

“Muitos estudos em todo o mundo descobriram que as câmeras corporais podem encorajar comportamentos alinhados às normas sociais aceitas. Contudo, sua eficácia depende fortemente da forma como as câmeras são implementadas e do contexto em que são utilizadas”, disse Beatrice Rossano, doutoranda no King’s College London, que estuda o uso de câmeras corporais por forças policiais.

No condado de West Yorkshire, no Reino Unido, por exemplo, a polícia registrou uma queda de 27% nos incidentes com o uso do Taser um ano após a implementação das câmeras corporais. Segundo o chefe assistente de polícia, Andy Battle, os suspeitos “mudavam seu comportamento” quando as câmeras estavam ligadas.

“Quando as pessoas percebem que haverá um registro independente do que aconteceu, elas mudam seu comportamento. Elas têm menos probabilidade de serem violentas e isso significa que os policiais têm menos probabilidade de usar a força para resolver a situação”, disse Andy Battle em entrevista à BBC.

Quais países usam a tecnologia de câmeras corporais:

  • Alemanha
  • Austrália
  • África do Sul
  • Brasil
  • Canadá
  • Chile
  • China
  • Colômbia
  • Itália
  • Índia
  • Emirados Árabes Unidos
  • Espanha
  • Estados Unidos
  • Filipinas
  • Finlândia
  • França
  • Japão
  • Países Baixos
  • Paquistão
  • Reino Unido
  • Singapura
  • Suécia
  • Taiwan
  • Uruguai

Situação no Brasil

O Brasil tem uma das polícias mais violentas do mundo. Desde 2013, quando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública começou a monitorar o caso de mortes decorrentes de intervenções policiais, o número cresceu 188,9%. Em 2013, foram registradas 2.212 mortes. Em 2023, foram 6.393 vítimas, ou 17 pessoas mortas por dia.

Nos últimos dias, a PM de São Paulo viu eclodir uma crise após uma escalada de ações violentas filmadas por câmeras de segurança ou moradores. No domingo (1º), uma perseguição da Rocam terminou com um jovem sendo jogado de uma ponte em Cidade Ademar, na zona sul. Três dias depois, policiais invadiram e agrediram quatro pessoas da mesma família após um deles ser abordado pela polícia na porta da casa, em Barueri.

Os dois casos foram gravados pelas câmeras corporais dos policiais. As imagens do caso de Cidade Ademar não foram divulgadas, mas o Comandante-Geral da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas, disse que as imagens serão analisadas com rigor pela Corregedoria. “Tenho 34 anos de serviço e nunca tinha visto algo parecido”.

Após a repercussão dos casos, o governador de São Paulo afirmou que tinha uma “visão equivocada” sobre o uso de câmeras corporais por PMs. Ele falou que pretende ampliar o uso da tecnologia. Neste mês, a PM de São Paulo começa a testar novas câmeras que permitem que o agente inicie e interrompa a gravação. O modelo atual grava ininterruptamente. “É preciso um treinamento rigoroso e a criação de procedimentos escritos detalhados para evitar ambiguidades e arbitrariedades, especialmente em relação ao momento de ativar a gravação”, comentou Beatrice.

Um relatório divulgado em abril deste ano pela Anistia Internacional diz que o governo ignora medidas para reduzir a violência policial, como câmeras corporais. Um levantamento feito pelo UOL em fevereiro de 2024 mostra que apenas sete estados usam o equipamento, o que equivale a 26% das PMs. Alguns estados, como Goiás e Mato Grosso, se posicionam fortemente contra o uso das câmeras.

“A situação é de descontrole. O recado que o Estado reitera é de que a polícia tem carta-branca para matar e cometer outras violações, sobretudo, contra comunidades negras e periféricas”, disse Jurema Werneck.

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