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Família de palestino extraditado pelo Brasil vai à Justiça para que governo reconheça erro

Muslim fala em cobrar indenização por conta da humilhação a qual foi submetido
02/07/2024 | 06h40

Por Heloisa Villela

A família do palestino Muslim Abuumar Rajaa, extraditado antes de passar pela imigração no aeroporto de Guarulhos, no último dia 24 de junho, vai recorrer à Justiça para exigir que as autoridades brasileiras reconheçam o erro que cometeram e garantam a ele o direito de vir ao país sem problemas, quando quiser. Muslim saiu de Kuala Lampur, na Malásia, com a mulher, um filho e a sogra para visitar o irmão, Habib Omar, que mora no ABC paulista. Na porta do avião, no desembarque, no dia 21, ele foi abordado por agentes da Polícia Federal para ser interrogado.

Por decisão administrativa, a Polícia Federal impediu a entrada de Muslim no país. Ele foi acusado de defender e patrocinar o terrorismo. Muslim Abuumar está na lista compilada pelo governo dos Estados Unidos chamada TSC (Terrorist Screening Center), um apanhado de nomes suspeitos de terrorismo. São mais de 2 milhões de nomes na lista que alguns tribunais dos Estados Unidos não levam em consideração porque dizem ter sido elaborada com base no preconceito contra os muçulmanos.

Em um texto publicado na Revista Movimento, o próprio Muslim respondeu:

“Infelizmente, meu advogado de defesa não teve tempo suficiente para refutar essas acusações infundadas, que simplesmente violam a própria Constituição brasileira, que estipula que o Brasil respeita o direito internacional, e a lei brasileira que não considera a resistência palestina como terrorismo. Para mim e para os ativistas brasileiros que apoiam os direitos palestinos, a batalha ainda não acabou, e continuaremos a busca legal para anular esta decisão injusta e exigir desculpas e indenização. Tenho absoluta certeza de que a justiça prevalecerá no final.”

O governo brasileiro não considera o Hamas uma organização terrorista e reconhece a existência do Estado da Palestina. Muslim fala em indenização por conta da humilhação a qual foi submetido. A portaria 770 de 2019 dá à PF o direito de barrar a entrada no país de qualquer pessoa que tenha cometido algum ilício. Mas no caso do palestino, o advogado alega que não havia ilícito algum e sim um pedido de um outro governo.

Quando Muslim ainda estava no ar, a caminho do Brasil, o FBI alertou as autoridades brasileiros sobre a viagem do palestino e o Departamento de Estado pediu que ele fosse extraditado. Mas fica a pergunta: se ele era mesmo um terrorista, se havia alguma prova de que ele havia cometido crimes, por que Muslim não foi preso e sim extraditado? E por que as autoridades brasileiras obedeceram ao pedido do Departamento de Estado?

São perguntas que os deputados federais Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e João Daniel (PT-SE) encaminharam ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Segundo Sâmia, ainda não houve resposta, mas é preciso aguardar cerca de 20 dias. Ainda não se pode dizer que não haverá alguma explicação. O ICL Notícias também pediu esclarecimentos ao Ministério da Justiça e não obteve resposta.

Muslim Abuumar Rajaa

Deportação de palestino mostra subserviência, diz deputado

Para o deputado João Daniel, não se trata mais de tentar entender o que aconteceu com Muslim e sim esclarecer o procedimento da PF de Guarulhos, além de restabelecer a soberania brasileira: “ao aplicar a lista ilegal TSC para deportar inocentes, a Polícia Federal rebaixa o país à subserviência perante os interesses obscuros e ideológicos dos governos israelense e norte-americano e fere nossa soberania”, afirmou.

Se o Hamas não é considerado um grupo terrorista, ser filiado ao Hamas em si não constitui um crime perante as leis brasileiras. “Muslim Abummar é reconhecido por seu trabalho por justiça e direitos humanos. Criticar o terrorismo que acontece na Faixa de Gaza é bom senso e humanismo, não é terrorismo”, disse João Daniel.

Durante o interrogatório, no aeroporto de São Paulo, Muslim disse aos parentes que quase todos os agentes tinham dificuldades com o inglês, com exceção de uma mulher loira que falava o idioma perfeitamente. E não tinha sotaque britânico. Essa agente fotografou o passaporte de Muslim com um celular. Mesmo sem o apoio de um advogado, no momento do interrogatório, ele estranhou e perguntou porque a foto tirada com um telefone celular e não escanear o documento?

Eles querem saber se a PF brasileira seguiu ordens do FBI e do Mossad, o serviço secreto israelense, para impedir a entrada de Muslim no país.

Os deputados enviaram ofícios aos ministros da Justiça e das Relações exteriores no dia 22 de junho. No documento, eles destacam que Muslim mora na Malásia e tem vínculo empregatício no país. No dia seguinte, de manhã cedo, Muslim deixou o Brasil.

Os agentes da PF  também apresentaram fotos, retiradas das mídias sociais do palestino, como “provas” de que ele seria um agente do Hamas, a força política dominante na Faixa de Gaza. O Hamas foi responsável pelo ataque a Israel no dia 7 de outubro do ano passado que resultou em mais de 1.000 mortes e na captura de mais de 200 reféns. As fotos, em páginas que qualquer um pode acessar, mostram Muslim com um ex-ministro da Autoridade Palestina, hoje integrante do Hamas, que perdeu três filhos e três netos nos bombardeios de Israel em Gaza que já mataram mais de 35 mil pessoas. Segundo Habib Omar, o irmão de Muslim, a foto foi feita durante uma visita de condolências pela perda dos parentes.

Habib Omar estava no aeroporto de Guarulhos, no dia 21 de julho, esperando o desembarque do irmão, quando a saída da família começou a demorar mais do que o razoável. Informado sobre a situação, ele procurou apoio jurídico e político.

Quatro deputados federais se mobilizaram e o advogado Bruno Henrique de Moura sustou a ordem de deportação momentaneamente, com um mandado de segurança. Mas não houve tempo hábil para discutir o mérito, o motivo do pedido de deportação. “Pedi a ata do interrogatório no aeroporto e as imagens, mas até agora não recebi nada. Fico triste porque a PF pediu sigilo sobre o caso”, disse ele.

Ainda não ficou claro, também, se a direção da Polícia Federal, em Brasília, foi informada da ação do delegado Camilo Graziani, em São Paulo, e autorizou o procedimento, ou se nem soube o que aconteceu. Segundo fontes, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, teria sido informado e se comprometido em resolver o problema. Mas nada aconteceu.

“Essa extradição foi ilegal! Ele não desrespeitou regra alguma, Tinha um visto em dia. É inaceitável!”, disse Habib. Esta seria a segunda visita do irmão ao Brasil. No ano passado ele trouxe a mãe, que mora em Hebron, na Cisjordânia. Agora, pretendia visitar o irmão com a mulher, um filho e a sogra. Todos foram obrigados a voltar para a Malásia.

 

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