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Vivemos um momento histórico de múltiplas crises. A economia, sob um capitalismo neoliberal predatório, está em seu limite. A saúde pública ainda sente os efeitos de uma pandemia recente e a emergência climática chega ao ponto de não retorno. Guerras e genocídios se intensificam pelo mundo.
Soma-se ainda a crise do que conhecemos por democracia, dos modelos políticos, da credibilidade nas instituições. Do que é informação e do que não é. Além, claro, de crises novas e mais profundas, cujos efeitos ainda não conhecemos, do que é ou não um indivíduo, uma identidade, da ideia de coletivo, da mistura de si com avatares melhorados e filtrados nas redes sociais e da derrubada final do muro entre vida “online” e “offline”.
Estamos misturados, desorientados, inseguros e desamparados. Estamos socialmente adoecidos pela ideia de um futuro frágil e de um presente cruel.
Esse cenário de incertezas e medos é explorado com habilidade por grupos de extrema direita, que sabem transformar o sofrimento coletivo em combustível para uma retórica de ódio e extremismo. Ao invés de oferecer soluções reais para as dificuldades enfrentadas pela população, esses grupos operam por meio de uma linguagem incendiária. O discurso de ódio é repetido incessantemente através de mensagens partilhadas no WhatsApp, nos púlpitos das igrejas, nas lives, declarações e posts de figuras fascistas.
Mas não só: a extrema direita também sabe vender fantasia através das teorias conspiratórias, dando propósito — ainda que delirante — a vidas afetadas por esse Zeitgeist.
Como nas seitas, a realidade é dobrada. Como nas seitas, algo vai sendo repetido e amplificado, os discursos vão escalando e não se parecem mais absurdos mas uma verdade escondida de maneira elaborada, que deixa pistas, à qual alguns poucos seres especiais têm acesso. Como nas seitas, fazer parte desse seleto grupo traz o sentimento de pertencimento. E como no comportamento de seita, essa verdade, única e absoluta, deve ser defendida além da própria vida — ou da vida do “inimigo”.
Não por acaso, nos últimos dias tivemos dois exemplos emblemáticos desse Zeitgeist.
Primeiro com o homem que planeja e tenta explodir o Supremo Tribunal Federal e, fracassando, deita sobre bombas e tira a própria vida. Homem esse que, com histórico de sofrimento psíquico, deixa um recado final messiânico e se vê como um mártir: “Não chores por mim! Sorria! Entrego minha vida para que as crianças cresçam com liberdade (…) Aqui de cima posso ver claramente as cores do nosso lindo e amado Brasil, verde, amarelo, azul e branco. SOMOS UMA NAÇÃO ABENÇOADA!”.
E agora com a operação da Polícia Federal que investiga uma tentativa de golpe e assassinato do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o presidente do STF Alexandre de Moraes em 2022, por militares e pessoas que estariam ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro em uma trama que ainda vai se desenrolar.
Não parece coincidência que o planejamento tenha sido batizado por seus criadores de “Punhal Verde e Amarelo”, muito semelhante à “Noite dos Longos Punhais” ou “Nacht der Langen Messer”, quando o nazismo se transformou radicalmente, virou um “rebanho” único e realmente se consolidou.
Palavras repetidas à exaustão não são inofensivas. Elas fazem parte de uma estratégia deliberada de manipulação do medo e da insegurança, em que o futuro é pintado como um campo de batalha contra inimigos imaginários, sejam eles “globalistas”, “comunistas” ou qualquer grande “outro” que possa ser responsabilizado pelas crises atuais.
O discurso de que um “povo armado jamais será escravizado”, repetido pelo clã Bolsonaro, é apenas um exemplo de como a retórica de ódio pode se tornar uma incitação à violência, enquanto promove falsa sensação de poder e controle para um mundo ingovernável.
O homem vestido de palhaço não é um lobo solitário. O grupo militar que planeja um golpe de Estado não é um pequeno núcleo fanático. Eles são sintomas de uma sociedade adoecida.
E é nesse terreno fértil de desespero e incerteza que o populismo de extrema direita floresce.
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