A Olimpíada de Tóquio 2020 — realizada em 2021 por conta da pandêmica de Covid — foi a primeira na história dos jogos a ocorrer sem a presença de público. Os medalhistas se autocondecoraram, o contato foi zero, por segurança, claro. Paris 2024, não. Tudo voltou ao normal. Será?
As torcidas lotaram arenas e arquibancadas, é verdade, e essa é a grande beleza do esporte. Competições sem público são inconcebíveis. Paris colocou todos em seus lugares de direito. Por outro lado, os jogos trouxeram algo inédito e polêmico até então: o modelo de transmissão.
A revista Trip, em suas redes sociais, levantou um questionamento sério: “Até onde vai o humor em uma transmissão importante”?
Trabalhei por mais de vinte anos nas coberturas de grandes eventos esportivos no Brasil e no mundo: são quase quarenta edições dos X Games, quatro Copas do Mundo, quatro Olimpíadas e dezenas de etapas do Mundial de Surf, para citar alguns. Reportar o melhor ou pior momento de um atleta é uma responsabilidade imensa, aquilo que se diz pode ser o catalizador — para o bem ou para o mal — de consequências sérias na vida e na carreira desses profissionais.
A mistura de jornalistas, atletas, humoristas e celebridades na cobertura olímpica em Paris, foi a aposta de alguns veículos para deixar a transmissão mais “leve e informal”. Para mim — deixando claro que é a minha opinião –, o que estamos vendo, em muitos casos, é desinformação, homofobia, machismo e desconhecimento de regras e do código esportivo.
“Cai, cai, cai”- isso jamais seria dito em uma transmissão liderada pelo time de José Trajano à frente da ESPN, por exemplo. O post da revista Trip levanta a discussão sobre, entre outras coisas, comentários relacionados a vida sexual dos atletas em confinamento na vila olímpica. Sendo mais direta aqui, a pura “tiração de sarro”. Isso sem falar do que tem sido dito sobre a aparência, em especial, das atletas.
Eu gosto da modernização nos formatos de conteúdo e transmissões na TV e nos canais digitais, mas não renuncio à informação e o repertório esportivo. Não sei vocês, mas eu não suporto ouvir gritos de comentaristas, emoção sim, avacalhação não, obrigada.
Esporte e esportistas perdem quando o maior evento do mundo é transmitido para milhares de pessoas de forma caricata. Essa é a mais importante janela para que o grande público conheça e se envolva com a prática esportiva. É a oportunidade de compartilhar histórias, informação e emoção. É a possibilidade de aproximar uma sociedade polarizada. O esporte é democrático, desperdiçar essa chance para dizer que o “camarada que não tem chance de medalha tem que ir pra se superar ou comer gente” é — para manter o nível nesse artigo — descaso e ignorância.
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