Por Cleber Lourenço
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal iniciou na segunda-feira (25) o julgamento da primeira de três denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra investigados pela tentativa de golpe de Estado. A denúncia atinge o chamado núcleo político da articulação golpista e inclui figuras como o ex-presidente Jair Bolsonaro, além dos ex-ministros Braga Netto, Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier e o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, leu em plenário o relatório com base no inquérito conduzido pela Polícia Federal. Em sua manifestação, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu o recebimento da denúncia e afirmou que os denunciados atuaram com o objetivo deliberado de impedir a posse do presidente eleito, subvertendo a ordem constitucional.
As defesas dos acusados tentaram levantar diversas questões preliminares, como a legalidade das provas e a validade de delações premiadas, mas os ministros rejeitaram todas por unanimidade. O julgamento será retomado nesta terça-feira (26), quando o Supremo deverá analisar o mérito da denúncia.
O andamento do julgamento tem sido acompanhado por parlamentares que integraram a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, instalada para apurar os atos golpistas que culminaram na invasão das sedes dos Três Poderes em Brasília. A CPMI teve papel central na coleta de provas, oitivas de investigados e na elaboração do relatório final que apontou responsabilidades penais e administrativas de diversos envolvidos, incluindo parte dos que agora respondem à denúncia no STF.
O deputado Rubens Jr. (PT-MA), um dos principais articuladores da CPMI, avaliou que o Supremo caminha para aceitar a denúncia com base em evidências consistentes.
“Pela gravidade dos fatos e com base na denúncia, no inquérito (divulgado após o fim do sigilo) e na CPMI, acredito que a denúncia será recebida. Os bolsonaristas estão adotando estratégias extra-processuais para tentar se livrar. A primeira é legislativa: o pedido de anistia, com endereço certo para salvar Bolsonaro. Tenho dúvidas, porém, se cabe anistia antes do início do processo. A segunda é a tentativa de intimidar o STF, atacando o Judiciário até fora do Brasil, o que fere nossa soberania e contraria o juramento como congressista. Apesar das ameaças, não terão êxito.”
Julgamento: denúncias são graves
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que também atuou na CPMI, destacou o peso histórico do momento. “É a primeira vez que estamos julgando envolvidos em uma tentativa de golpe. Amanhã será julgada a denúncia para que o julgamento comece de fato e a gente tenha ainda esse ano algum resultado concreto sobre isso.” Para Jandira, o STF tem responsabilidade institucional em dar uma resposta firme diante da maior crise institucional desde a redemocratização.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) ressaltou que a linha de defesa adotada pelos acusados reforça a gravidade da acusação. “O que mais salta aos olhos é que as defesas não buscaram negar a tentativa de golpe, mas sim afastar o envolvimento de cada acusado na trama golpista. Só isso já nos diz muita coisa e reforça a gravidade daquilo que é o objeto central em discussão: de que houve, de fato, uma tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito.”
Ele lembrou ainda que os pedidos de nulidade, como o que questionava o acordo de colaboração premiada de Mauro Cid, foram rechaçados: “O que demonstra o quão robusta é a fundamentação da denúncia contra Bolsonaro e seus aliados.”

Primeira Turma do STF apreciou denúncia da PGR em duas sessões na terça-feira (25) (Foto: Antonio Augusto/STF)
Duda Salabert (PDT-MG), deputada federal e também integrante da CPMI, afirmou que o Supremo agiu com celeridade e clareza diante dos fatos apurados. “Quando o STF decide se vai aceitar a denúncia contra Bolsonaro e seus aliados, ele trata o caso com a rapidez que a tentativa de golpe bolsonarista exige. A PGR trouxe argumentos claros, as defesas apresentaram teses fracas, e os ministros se mostraram firmes. Como membro da CPI que investigou o golpe, vejo que o Brasil está corrigindo erros do passado e não vai permitir que os golpistas, incluindo Bolsonaro, fiquem impunes dessa vez.”
O deputado Rogério Correia (PT-MG) também se manifestou após o primeiro dia de julgamento. Para ele, o cenário aponta para uma decisão unânime em favor do recebimento da denúncia. “O julgamento hoje aponta que amanhã não haverá zebra. Bolsonaro será, com certeza, confirmado réu. E por que isso? Porque as provas são muitas e as defesas muito fracas. Elas tentaram colocar preliminares que já eram preliminares vencidas e por isso não houve a menor repercussão.”
Correia acrescentou que o voto de Moraes deverá ser consistente, como o material reunido na CPMI, no inquérito da Polícia Federal e na denúncia da PGR.
Ele também criticou as tentativas de desviar o foco do julgamento com discursos políticos e propostas de anistia: “Por mais conturbação que os bolsonaristas tentem fazer, através de cortinas de fumaça, de anistia e outras coisas, o julgamento vai se manter na sua legalidade. O Supremo será respeitado em sua decisão e o Legislativo, evidentemente, não vai passar por cima do Poder Judiciário.”
Correia ainda ironizou a atuação da oposição na Câmara: “Hoje aqui na Câmara não conseguiram obstruir as mulheres porque foi um verdadeiro vexame fazer obstrução nas pautas femininas. A outra obstrução que eles querem fazer é obstrução da Justiça, colocando a anistia como se fosse para velhinhas. Mas o Supremo já desmistificou isso.”
A expectativa no STF é que os oito acusados do núcleo político se tornem réus até o final da semana. As denúncias contra os demais envolvidos, dos núcleos operacional e militar, deverão ser analisadas ao longo de abril. Para os parlamentares que participaram da CPMI, o Supremo dá agora sequência ao trabalho iniciado no Congresso, e reforça que a tentativa de golpe será tratada com a seriedade exigida por sua gravidade institucional.
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