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Lenio Streck

Jurista, professor e advogado; doutor em direito; autor de 82 livros e 360 artigos em revistas especializadas.

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A PEC que ‘criminaliza’ as drogas e o sertanejo universitário

Se o Parlamento acha que o critério proposto pelo STF não é adequado, proponha outro.
15/03/2024 | 12h45

O Parlamento brasileiro não se ajuda. Explico. Por vezes o Judiciário toma medidas que desagradam ao Parlamento. Um dos casos célebres foi a Farra do Boi. Proibida pelo STF, o Parlamento colocou na Constituição a sua permissão. Assim, temos a única Constituição do planeta que trata da farra bovina.

Recentemente, depois das pautas sensíveis que a ministra Rosa Weber levou a julgamento, o Parlamento (especialmente o Senado) fez vários movimentos, como, por exemplo, proibir decisões monocráticas e até mesmo ameaçou transformar o Parlamento em revisor do STF.

Agora, em face da possibilidade de o STF estabelecer a descriminalização de posse de maconha até uma determinada quantidade, o Parlamento começa a fazer tramitar uma emenda à Constituição, com a pretensão de proibir qualquer descriminalização do uso de drogas.

Uma “grosse Konfusion” (grande confusão), como diria o ministro Gilmar Mendes. Porque a PEC é ineficaz. Seu conteúdo nada resolve e nada muda. Continuamos a não saber o que é usuário ou traficante. O STF ao menos quer fazer uma limitação. Que pode ajudar a evitar a criminalização em massa de usuários constantemente confundidos ou tidos como traficantes pela polícia e as autoridades do sistema de justiça.

Veja-se que a PEC já está sendo chamada de Lei Seca Brasileira, numa clara alusão ao erro cometido nos EUA nos anos 30 do século 20. Mal redigida, diz que a lei considerará crime a posse e o porte independentemente da quantidade de entorpecentes e drogas afins, observada a distinção entre traficante e usuário. Mas isso já é o que acontece hoje. E esse é o problema, porque a distinção fica a cargo do policial e do Ministério Público (e do juiz). O STF apenas queria fazer um critério. Ora, se o Parlamento acha que o critério proposto pelo STF não é adequado, proponha outro. O que não pode é ter critério nenhum. Simples assim.

Nos Estados Unidos há uma coisa que se chama “backlash”, que é bumerangue, o revide que um Poder dá ao outro. Mas, é claro, isso se dá de uma forma mais sofisticada que o que ocorre por aqui. Se lá o backlash é blues, aqui se tornou sertanejo universitário. Vai logo na pancada. Basta o Parlamento não gostar de alguma decisão e lá vem “bequilechi”.

E isso parece não fazer bem à democracia. Pode ser uma droga, para fazer um trocadilho infame.

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