A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe o aborto no Brasil na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) é a tradução da política brasileira sendo feita em cima de corpos femininos.
Hoje, a legislação já autoriza o aborto em três situações. Quando a gestação traz risco de morte à mulher, nos casos em que o feto não tem cérebro (anencéfalo) e quando a gravidez é decorrente de estupro. A votação na CCJ é, portanto, um retrocesso em direitos já garantidos.
A tramitação da proposta ainda passa por aprovações no plenário da Câmara e do Senado. Independente do caminho, a pergunta é: qual o interesse numa pauta que pode deixar a lei brasileira tão dura quanto países como o Afeganistão, notoriamente conhecido pelas violações aos direitos femininos?
A resposta pode ser o oportunismo da Casa. Aprovar uma PEC que protege mais o estuprador do que a vítima, com 35 votos favoráveis e 15 contrários, na mesma semana em que Bolsonaro, Braga Netto, General Heleno e outros 34 homens são indiciados no inquérito do Golpe de Estado, não é coincidência.
Em 2023, o Brasil registou um crime de estupro a cada 6 minutos. Os dados do Anuário da Violência mostram que 77,6% dos casos aconteceram com menores de 14 anos, principalmente meninas. A maioria desses agressores está dentro das casas das vítimas. O que o Congresso aprovou na Comissão é que essas meninas não têm direito algum. São crianças violadas, gerando crianças, filhos da violência, crueldade e do desamparo ao qual a infância brasileira está exposta.
A PEC do estuprador não vai evitar que os abortos. A medida coloca em risco a saúde e a vida de mulheres, principalmente as pobres. O aborto é uma das cinco principais causas de mortalidade materna no Brasil. Em 2018, uma mulher morreu a cada 2 dias no país. Entre 2010 e 2021, 60% dos óbitos notificados no SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade) foram de mulheres com menos de 30 anos, 62% delas eram negras.
Quem tem acesso vai buscar uma clínica particular para interromper a gravidez indesejada. Quem mais morre por aborto no Brasil são mulheres negras, jovens, solteiras e com até o ensino fundamental. A setença de morte da proposta é para essas mulheres. O aborto inseguro mata.
As políticas públicas deveriam respeitar a autonomia das mulheres sobre seus corpos e amparar vítimas de crimes tão cruéis como o estupro. Mas o Brasil do Congresso atual é o país do café e pão com leite condensado, salve-se quem puder.
Deixe um comentário