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A Contribuição dos inativos ou Contribuição Previdenciária dos Servidores Públicos Inativos foi instituída no Brasil por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 41, de 2003, como parte de um amplo conjunto de reformas no sistema previdenciário dos regimes próprios de previdência social (RPPS). Até então, servidores aposentados e pensionistas estavam isentos de contribuir para seus respectivos regimes, entendimento sustentado pela lógica de que a aposentadoria era um benefício assegurado pela contribuição realizada durante a vida ativa. Com a EC 41/2003, essa lógica foi rompida.
Instituiu-se a obrigatoriedade de contribuição sobre a parcela dos proventos de aposentadoria e pensões que superassem o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O governo argumentava que tal medida era necessária para garantir o equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS, especialmente em face das regras de aposentadoria mais vantajosas aplicadas aos servidores públicos até então, fruto do regime jurídico único. A cobrança, contudo, gerou profunda insatisfação nas categorias de servidores, especialmente entre aposentados e pensionistas que passaram a arcar com descontos significativos sobre rendimentos já reduzidos pela aposentadoria.
Como resposta a esse descontentamento, em 2006 foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 555/2006, de autoria do então deputado Carlos Mota, visando extinguir a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos e pensionistas. O texto original da PEC previa a extinção imediata da cobrança.
Em 2024, o tema volta ao centro do debate legislativo, com a apresentação da PEC 6/2024, de autoria do deputado Cleber Verde (MDB/MA). A PEC tem por objetivo retomar e aprimorar o conteúdo da PEC 555, propondo uma nova regra de isenção gradual, desta vez com redução anual de 10% da contribuição a partir dos 66 anos para homens e 63 anos para mulheres, até a isenção total aos 75 anos. A PEC 6/2024 também prevê a isenção imediata para servidores aposentados por invalidez ou acometidos por doenças incapacitantes, alinhando-se a um modelo considerado mais viável em termos fiscais pelos proponentes.
O que dizem as PECs
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 555, de 2006 surgiu como resposta à insatisfação gerada pela contribuição previdenciária imposta aos servidores públicos aposentados e pensionistas pela EC 41/2003. A proposta original visava à extinção imediata da contribuição previdenciária dos servidores inativos e pensionistas nos regimes próprios de previdência social da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
O argumento central da PEC 555 era o de que a cobrança representava uma medida injusta, uma vez que recaía sobre proventos já tributados durante a vida ativa e que, além disso, não resultavam em qualquer contrapartida previdenciária adicional.
A PEC foi analisada e aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) e pela Comissão Especial na Câmara dos Deputados, que, após intensos debates, optou por apresentar um substitutivo para tornar a proposta mais viável politica e financeiramente, considerando os impactos sobre o equilíbrio atuarial dos regimes próprios de previdência.
O substitutivo aprovado pela Comissão Especial da PEC 555/2006 instituiu uma regra de transição que previa a redução gradual da alíquota de contribuição dos aposentados e pensionistas, escalonadamente, com base na idade do beneficiário. Conforme o texto aprovado, a redução seria de 20% ao ano a partir dos 61 anos, extinguindo completamente a contribuição quando o servidor alcançasse 65 anos.
Além disso, a proposta previa isenção total para aposentados por invalidez, independentemente da idade. A redação final aprovada pela comissão especial buscava, assim, mitigar o impacto fiscal que a extinção imediata poderia causar, ao mesmo tempo, em que atendia a reivindicação dos servidores por justiça contributiva. Desde então, a PEC 555 permaneceu em tramitação, aguardando inclusão na pauta de votação do plenário da Câmara dos Deputados.
Em 2024, a apresentação da PEC 6/2024 pelo deputado Cleber Verde trouxe uma atualização das regras previstas na PEC 555, com o intuito de torná-las mais adequadas ao contexto fiscal atual e mais palatáveis às demandas por equilíbrio financeiro dos entes federativos.
A PEC 6/2024 mantém o objetivo central de extinguir a contribuição dos servidores públicos inativos e pensionistas, mas adota um modelo de redução mais gradual. O texto propõe que a alíquota da contribuição seja reduzida em 1/10 ao ano, a partir dos 66 anos para os homens e 63 anos para as mulheres, alcançando a isenção completa aos 75 anos. Essa regra de transição mais dilatada foi desenhada para minimizar o impacto imediato nos regimes próprios de previdência, permitindo uma adequação orçamentária progressiva por parte da União, Estados e Municípios.
Além da redução progressiva vinculada à idade, a PEC 6/2024 traz dispositivos que garantem a isenção imediata da contribuição para aposentados e pensionistas que sejam portadores de doenças incapacitantes ou aposentados por invalidez, ampliando a proteção social a esses grupos mais vulneráveis. Essa proposta é considerada pelos seus defensores como uma solução de equilíbrio entre justiça previdenciária e responsabilidade fiscal, pois busca atender as reivindicações históricas dos servidores sem impor um ônus excessivo aos cofres públicos no curto prazo. O impacto financeiro estimado pela PEC 6/2024 é menor que o projetado pela PEC 555/2006, justamente pela forma escalonada das regras de redução, o que facilitou a articulação e aumentou a expectativa de sua aprovação no Congresso Nacional.
Por que essa cobrança é questionada?
A cobrança da contribuição previdenciária dos servidores públicos aposentados e pensionistas tem sido objeto de críticas recorrentes desde sua criação pela Emenda Constitucional nº 41/2003, principalmente em razão de sua natureza jurídica peculiar. Diferente das contribuições realizadas durante o período de atividade, vinculadas à concessão de benefícios futuros, a contribuição dos inativos não oferece nenhuma contrapartida previdenciária adicional. Trata-se, portanto, de uma cobrança que rompe com o princípio clássico do sistema contributivo, onde há uma relação de equilíbrio entre contribuição e benefício.
Nos regimes próprios de previdência social (RPPS), essa cobrança sobre os proventos de aposentadorias e pensões de servidores públicos inativos é vista como uma medida meramente arrecadatória, sem retorno direto ao contribuinte, justificando a forte reação dos servidores e o questionamento de sua legitimidade.
Os defensores da extinção dessa contribuição argumentam que ela já cumpriu seu suposto papel de “compensação” financeira, que era garantir o equilíbrio dos regimes diante das regras anteriores de aposentadoria mais vantajosas para os servidores públicos. Com a adoção de normas mais rígidas de acesso e cálculo de benefícios nas últimas décadas, incluindo a instituição de idade mínima, regras de transição e o aumento das alíquotas contributivas, entende-se que o peso financeiro dos aposentados nos regimes próprios foi mitigado.
Por outro lado, o argumento fiscalista contrário à extinção da contribuição dos inativos baseia-se na necessidade de garantir o equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS. A preocupação é de que a renúncia dessa receita agrave o déficit de regimes próprios em situação fiscal mais frágil, especialmente naqueles estados e municípios cujo equilíbrio depende da manutenção de receitas extraordinárias. Existe o temor de um efeito cascata, no qual a aprovação de uma regra geral de extinção da contribuição de inativos na União provoque pressão para que estados e municípios adotem medidas similares, independentemente de suas condições fiscais específicas.
Quem ganha e quem perde?
O principal grupo beneficiado seria composto pelos servidores públicos aposentados e pensionistas que, atualmente, continuam obrigados a contribuir para os RPPS. Segundo o texto das propostas, a redução ou extinção progressiva da contribuição previdenciária para esses beneficiários permitirá um alívio financeiro imediato para aqueles que já enfrentam perdas consideráveis no poder aquisitivo em razão do tempo de aposentadoria, do envelhecimento e do aumento dos gastos com saúde. Em especial, os aposentados por invalidez e aqueles acometidos por doenças incapacitantes ganham com a previsão de isenção imediata proposta pela PEC 6/2024, corrigindo distorções que penalizam os mais vulneráveis no atual modelo. Estes inativos, muitos dos quais atingiram idades avançadas, se beneficiarão do escalonamento da redução de 10% ao ano até atingirem a isenção total aos 75 anos, conforme prevê a PEC 6/2024.
Por outro lado, o impacto das propostas tende a ser sentido diferenciadamente nos estados e municípios que possuem regimes próprios de previdência deficitários. A perda de arrecadação pode agravar a situação financeira de entes federativos cuja capacidade de financiamento dos RPPS já se encontra comprometida. Pensionistas que recebem proventos reduzidos nos estados mais endividados, onde há maior risco de desequilíbrio atuarial, podem se tornar involuntários “perdedores” caso o déficit previdenciário aumente a ponto de comprometer a regularidade do pagamento de benefícios.
O que está em jogo
A PEC nº 6/2024 é, sem dúvida, um avanço em relação ao debate sobre a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos, mas ainda pode ser vista como uma solução tímida frente à dimensão da injustiça histórica que se pretende corrigir. Ao estabelecer a redução gradual de 1/10 da contribuição por ano, com isenção completa somente aos 75 anos, a PEC 6/2024 adota um caminho moderado, buscando compatibilizar a reivindicação dos aposentados com as preocupações fiscais de União, estados e municípios. No entanto, essa moderação faz com que muitos servidores e pensionistas questionem se a proposta realmente encerra uma distorção ou apenas suaviza um problema que deveria ser definitivamente resolvido.
A PEC reconhece as condições especiais de aposentados por invalidez ou com doenças incapacitantes, concedendo-lhes isenção imediata, mas posterga a isenção dos demais inativos para um horizonte que pode ser visto como excessivamente longo. Muitos questionam se o escalonamento até os 75 anos, idade avançada, não prolonga indevidamente a contribuição de quem já cumpriu seu ciclo de contribuição e de trabalho, mantendo a lógica de uma cobrança que perdeu o seu sentido original.
Do outro lado do debate, a resistência de parte do governo federal e de gestores subnacionais à aprovação integral das propostas, especialmente da PEC 555/2006, expõe uma preocupação recorrente com o equilíbrio atuarial dos RPPS. Mas também levanta dúvidas legítimas sobre se essa resistência não é, em parte, um escudo para preservar receitas que hoje servem para reforçar o caixa dos regimes previdenciários sem a necessária revisão estrutural.
A reflexão inevitável é: até quando o Brasil vai exigir contribuição de quem já sustentou o serviço público e cumpriu todas as regras impostas ao longo de sua vida ativa? O debate não é apenas técnico. Ele envolve princípios de justiça, dignidade e respeito aos servidores que sustentaram a máquina pública por décadas e agora aguardam, com razão, o encerramento desse ciclo contributivo.
A decisão sobre o fim da contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos não é mais uma questão técnica. A partir das análises já consolidadas nas notas técnicas, pareceres e projeções fiscais constantes das propostas legislativas em debate, está claro que há fundamentos jurídicos e financeiros para viabilizar a extinção progressiva dessa cobrança. Agora, a decisão é política.
O Congresso Nacional tem nas mãos a responsabilidade de enfrentar essa discussão e deliberar sobre uma medida que, para milhares de aposentados e pensionistas, representa mais do que um alívio financeiro: significa justiça previdenciária. A tramitação da PEC 555/2006 já perdura por quase duas décadas, e a PEC 6/2024, que atualiza e aprimora seu conteúdo, reflete o consenso possível entre as necessidades de responsabilidade fiscal e as legítimas reivindicações de quem já contribuiu ao longo de toda uma vida de serviço público.
Nesse cenário, cabe um questionamento direto ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Hugo Motta (REP/PB.) A PEC 6/2024, apresentada formalmente em 05/03/2024 pelo deputado Cleber Verde, encontra-se há mais de um ano aguardando despacho do presidente da Casa para iniciar a sua tramitação legislativa. Tal inércia institucional é, no mínimo, inadmissível. Por que uma proposta que busca corrigir uma distorção reconhecida por amplos setores da sociedade, que envolve aposentados e pensionistas em condições de vulnerabilidade, permanece engavetada sem qualquer justificativa plausível? A omissão na condução dessa matéria compromete a imagem da Câmara dos Deputados e frustra as expectativas de quem aguarda por uma decisão justa e equilibrada.
Aos servidores públicos ativos, aposentados e pensionistas, o recado é claro: é hora de intensificar a mobilização e cobrar coerência da classe política. O momento exige pressão organizada sobre os parlamentares, especialmente sobre o presidente da Câmara, para que a tramitação da PEC 6/2024 avance e finalmente seja levada ao voto dos parlamentares. O debate sobre a contribuição previdenciária dos inativos é um teste de compromisso com a dignidade dos servidores e com a coerência das instituições democráticas. A sociedade brasileira e os representantes eleitos precisam reconhecer que o tempo de manter essa cobrança já se esgotou. Resta saber se o Parlamento assumirá sua responsabilidade histórica ou continuará a postergar uma decisão que, mais cedo ou mais tarde, terá que ser tomada.
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