Por Jean Silva — Brasil de Fato
A promessa de desenvolvimento sustentável feita pela mineradora Sigma Lithium vem sendo duramente questionada por pesquisadores, movimentos sociais e comunidades afetadas na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Em uma nota técnica, enviada aos órgãos ambientais do estado no dia 16 de abril, professores e pesquisadores de universidades brasileiras e do Reino Unido denunciaram uma série de violações cometidas pela empresa nos municípios de Araçuaí e Itinga, onde opera o projeto de mineração Grota do Cirilo.
O documento, elaborado no âmbito do projeto de pesquisa internacional “Local, Indigenous, Quilombola and Traditional Communities and the construction of the ‘Lithium Valley’ in Minas Gerais, Brazil: Empowering silenced voices in the energy transition” (LIQUIT), denuncia irregularidades no licenciamento ambiental, ausência de consulta às comunidades locais, omissões nos estudos de impacto e a adoção de tecnologias ultrapassadas que causam danos ambientais e sociais profundos.
“A Sigma escolheu o caminho mais barato e destrutivo, transformando o Vale do Jequitinhonha em um território vítima do consumismo no exterior. Enquanto empresas locais operam com eficiência e menor impacto, ela está devastando áreas sensíveis, ignorando soluções técnicas viáveis”, afirma Klemens Laschefski, professor do departamento de geologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da UFMG, em nota técnica encaminhada à imprensa.

A população de comunidades locais, como Piauí Poço Dantas e Ponte do Piauí, relata um cotidiano insustentável desde o início da operação da Sigma, em 2022 (Foto: Victor Fagundes/Ascom Sede-MG)
Método inadequado
A crítica se baseia na escolha da mineração a céu aberto (open pit), método que gera 94% de rejeito e apenas 6% de minério aproveitável. Para especialistas, outro método, já utilizado na região, o sublevel stoping (mineração subterrânea), poderia reduzir em até 30 vezes a degradação da terra, mas foi ignorado pela empresa.
Marcelo Barbosa, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), reforça que a Sigma, apesar do discurso de inovação, adota práticas arcaicas.
“Por um lado, a empresa se apresenta como uma green tech — empresas que, teoricamente, utilizam ‘tecnologia verde’ –. Por outro, na prática, utiliza o que há de mais ultrapassado em tecnologia de exploração de lítio, priorizando lucro e velocidade, e não considerando os impactos gerados”, explica.
Impactos da mineradora
A população de comunidades locais, como Piauí Poço Dantas e Ponte do Piauí, relata um cotidiano insustentável desde o início da operação da Sigma, em 2022. Barulho constante de caminhões, rachaduras nas casas, poeira e doenças respiratórias são alguns dos efeitos sentidos por cerca de 70 famílias diretamente impactadas, segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
“Estamos falando de violações sistemáticas de direitos constitucionais: o direito ao sono, à saúde, à água limpa e à dignidade”, aponta Rômulo Barbosa, professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
“O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Sigma negligencia até a hidrogeologia local, colocando em risco aquíferos essenciais para o semiárido mineiro”, completou, em nota técnica.
‘Gestão do social’
Segundo Marcelo Barbosa, a empresa tem adotado uma estratégia de “gestão do social”, oferecendo projetos mitigatórios pontuais como forma de silenciar críticas.
“São migalhas perto do lucro que ela obtém. A Sigma tenta construir uma imagem positiva nas comunidades para justificar os impactos e seguir ampliando suas operações”, denuncia.
A nota técnica também acusa a empresa de fracionar propositalmente o licenciamento ambiental em vários processos separados, estratégia que dificulta uma análise integrada dos impactos. Para Marcos Zucarelli, pesquisador do Gesta/UFMG, isso configura um “greenwashing burocrático”, ou seja, a promoção de uma ideia falsa sobre a atuação da empresa.
“As solicitações reiteradas de ampliação ferem a legislação e mascaram a dimensão real do projeto”, afirmou no documento.
Comunidades ‘encurraladas’
Outra denúncia grave refere-se à ausência da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e à fragilidade dos dados apresentados no EIA.
“A empresa apresentou 14 slides reciclados de outros projetos sobre o meio físico e biótico, e apenas um sobre o meio socioeconômico, sem qualquer menção a riscos às habitações ou às culturas locais”, destacou no documento, Francisco Calafate-Faria, da London South Bank University.
Durante as audiências públicas realizadas em abril, além das manifestações do Ministério Público, diversas organizações populares e moradores denunciaram o clima de repressão às críticas.
“As comunidades estão sendo encurraladas, forçadas a sair de seus territórios sob uma violência encoberta pela legalidade”, denunciou na nota, Vanessa Juliana, pesquisadora do Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro.
Marcelo Barbosa também criticou a condução das audiências.
“A empresa mobilizou funcionários e beneficiários de seus projetos sociais para ocuparem as audiências e transformá-las em palanque institucional. A discussão sobre os impactos reais foi abafada”, relatou.
Resistência
Apesar de todo o cenário de violações e silenciamento, o militante do MAM afirma que a resistência segue ativa no território.
“Araçuaí não é um território submisso. A população tem mostrado capacidade de enfrentamento e organização, como nas mobilizações em defesa da Chapada do Lagoão. O debate não é ser contra o lítio, mas que ele esteja a serviço do povo e não de meia dúzia de acionistas que deixam um rastro de miséria e levam embora nossas riquezas.”
A nota técnica recomenda a paralisação imediata das atividades da Sigma nas comunidades afetadas, a revogação das licenças concedidas, a reformulação do processo de licenciamento com base em critérios técnicos e participação popular, além da adoção de tecnologias menos impactantes.
“Não podemos permitir que o Vale do Jequitinhonha se torne uma fronteira de negligência, onde o extrativismo se disfarça de sustentabilidade. A transição energética justa não pode repetir a violência colonial”, resume o pesquisador Guilherme Queiroz, da Unimontes.
O outro lado
Procurada pelo Brasil de Fato MG para comentar sobre as denúncias, a Sigma Lithium afirmou que realizou audiências públicas nos dias 9 e 10 de abril em Itinga e Araçuaí, cidades onde atua no Vale do Jequitinhonha (MG), “com o objetivo de apresentar à população seu Plano de Integração de Sustentabilidade, Desenvolvimento Comunitário e Infraestrutura”. Além disso, a mineradora afirmou que, entre os participantes da audiência, o apoio à atuação da empresa foi “inequívoco”.
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