ICL Notícias
País

Polícia Militar atua em assentamento no norte do RJ e ‘ficha’ famílias do MST

Trabalhadores rurais, estabelecidos há quase 20 anos na região, agora convivem com policiais, viaturas e até helicópteros
17/04/2024 | 14h08

Às margens da BR-101, em Campos dos Goytacazes, o assentamento Josué de Castro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), reconhecido oficialmente desde 2007, passa por uma ação da Polícia Militar desde o dia 6 de abril.

Os policiais fazem bloqueios em vários pontos da BR-101 todas as noites. Durante o dia, circulam em viaturas e também sobrevoam a área de helicóptero. Ontem, havia dez viaturas cercando o terreno onde vivem 35 famílias de agricultores assentados legalmente.

“As famílias estão pedindo ajuda, a pressão é enorme. Quando cheguei, no sábado, havia 12 viaturas com dois policiais em cada uma delas. Tinha até um helicóptero da polícia”, surpreende-se Eró Silva, dirigente do MST no Rio de Janeiro. “Quanto custa uma operação dessas? E qual é o objetivo disso tudo?”

O ICL Notícias apurou que a pressão vem de latifundiários que atuam na região, especialmente um deles, da Fazenda dos Fernandes, que esteve ontem de manhã no assentamento com policiais militares de Campos.

Os agricultores tentam agora fazer uma “reocupação” de uma área que já lhes pertence há 17 anos, pois esses grandes fazendeiros, sobretudo donos de usinas de cana-de-açúcar, estão formando uma espécie de milícia para atuar contra os direitos dos trabalhadores rurais assentados.

Além da presença ostensiva da polícia, os fazendeiros estão forçando a saída dos agricultores colocando gado para pastar na terra deles, em uma área social da comunidade. O reforço de helicópteros não chega a ser novidade, pois a polícia tem agido assim desde o ano passado.

“Chegaram com viaturas, helicóptero e não saíram mais. Eles fazem incursões pelas estradas vicinais do assentamento. Uma companheira que mora sozinha teve a polícia acampada na casa dela por duas noites seguidas. Como se fossemos criminosos, bandidos, como se quiséssemos invadir terras produtivas desses fazendeiros. Já temos nossa terra. É um absurdo”, diz Eró.

No dia 6, quando a presença ostensiva da polícia teve início, estava acontecendo o projeto “Defensoria em Ação”.

Imagem aérea do assentamento Josué de Castro, em Campos, onde agricultores do MST sofrem pressão de fazendeiros e da polícia local

Imagem aérea do assentamento Josué de Castro, onde agricultores do MST sofrem pressão de fazendeiros e da polícia local

Polícia cria unidade para defender fazendeiros

O Ministério Público Federal solicitou informações à Polícia Militar, querendo saber o que está acontecendo. A resposta foi que a operação tem como meta “manter a ordem” e “coibir futuras invasões” — o que não se justifica, pois não existe nenhuma movimentação de trabalhadores sem terra no local, justamente pelo fato de o assentamento já estar consolidado e reconhecido desde 2007.

“Tudo está sendo articulado com os fazendeiros locais. A polícia criou há pouco tempo uma estrutura chamada Patrulha Rural. Estamos vendo que isso foi criado para nos atacar”, afirma Eró Silva, que está na região desde sábado na defesa do assentamento.

Moradores de assentamento são fotografados sem explicação

“Nada disso faz sentido. Os latifundiários possuem muitas terras degradadas. Arrendam essas terras para usinas. Ao redor do acampamento há muitas áreas degradadas que nunca quisemos ocupar. Os moradores estão sem entender nada, vivem aqui há quase 20 anos. A sensação é de medo, não de proteção. A polícia ronda o assentamento. No sábado, dia em que fizemos uma ação social, os policiais fotografaram todas as pessoas, sem explicar para as famílias o motivo”, protesta Eró.

No dia 10 de abril, uma reunião no Sindicato de Produtores Rurais de Campos dos Goytacazes decidiu que irá proibir qualquer tipo de luta pela terra. “A polícia está aqui somente a serviço dos fazendeiros”, diz a dirigente do MST.

No dia seguinte (11), o Ministério Público Federal pediu providências à Secretaria de Segurança Pública e à Secretaria de Polícia Militar no Rio de Janeiro sobre a atuação da polícia no assentamento de Campos, administrado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O MPF pediu informações sobre medidas policiais que teriam ocorrido de forma desproporcional durante uma ação no Assentamento Dandara dos Palmares, em 6 de abril, em Campos dos Goytacazes.

Procurada, a Polícia Militar disse que “equipes da corporação e da Polícia Civil desencadearam uma operação conjunta na região do Morro do Coco, no Município de Campos dos Goytacazes-RJ. A ação tem como objetivo central garantir a segurança e a ordem na região diante da possibilidade de invasões ilegais a propriedades locais. Participaram da operação equipes do 8º BPM (Campos dos Goytacazes) e da 146ª DP, munidas de dados estratégicos compartilhados que norteiam a estratégia de atuação. O Grupamento Aeromóvel (GAM) da SEPM também foi acionado para dar apoio aéreo às ações. O comando do 8º BPM e o delegado titular da 146ª DP conduzem diretamente a operação”.

Segundo a assessoria de imprensa da PM, “o policiamento na área foi mantido com o mesmo objetivo do início da operação, como também para assegurar o cumprimento do ‘Interdito Proibitório’ expedido pela 5ª Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes”.

 

Leia também

Ofensiva contra MST: oposição dificulta movimentos populares no campo

No Abril Vermelho, jornada do MST reforça importância da reforma agrária no combate à fome

João Pedro Stédile, do MST, quer mudanças estruturais em 2024

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail