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Portugal abre caminho para o Chega: a onda de direita é inevitável?

Não estamos, propriamente, diante de um "novo ciclo" da extrema-direita, mas sim imersos num longo ciclo de descrédito na política
11/03/2024 | 06h10

Por Rodrigo Vianna

Portugal também virou à direita no último domingo. Não chegou a ser uma derrota acachapante para a esquerda, já que o Partido Socialista — que em 2022 obtivera maioria absoluta, e governava o país até ser alvejado por denúncias de corrupção pouco consistentes — teve praticamente a mesma votação da Aliança Democrática, que reúne a direita tradicional portuguesa. A grande novidade foi o resultado do Chega, partido de extrema-direita que triplicou a massa de votos e ficou em terceiro lugar, com um discurso xenófobo e autoritário.

A dúvida é se o Chega formará o governo ao lado da direita tradicional, ou se os socialistas permitirão que a Aliança Democrática componha um governo minoritário e frágil, sem a presença dos extremistas comandados por André Ventura.

Se somarmos o resultado lusitano à recente vitória de Javier Milei na Argentina e ao favoritismo de Trump nos EUA, seríamos tentados a ver no horizonte uma retomada da onda extremista. No Brasil, os ecos do 25 de fevereiro bolsonarista e as pesquisas de opinião a indicar dificuldades para o governo parecem trazer a seguinte questão: Lula, em 2022, teria sido um breve suspiro, e estaríamos agora diante do inexorável fortalecimento da extrema-direita?

Minha impressão é que não estamos, propriamente, diante de um “novo ciclo” da extrema-direita. Mas, sim, imersos num longo ciclo de descrédito na política e de crise de governança no Ocidente. O capitalismo ocidental ainda não se recuperou da crise de 2008, que deixou como legados desesperança, desemprego, conflitos migratórios e o avanço de um discurso autoritário que promete soluções mágicas (e falsas) para os impasses sociais.

Nesse cenário, os governos eleitos (sejam de direita ou de esquerda) não conseguem atender às expectativas da população e rapidamente perdem apoio. Na eleição seguinte, a oposição avança. A sociedade parece dominada pela lógica da impaciência: não há disposição para se aguardar a maturação de qualquer projeto.

Vejamos:

  • Na Colômbia e no Chile, a direita se desgastou e abriu caminho para as vitórias de Gustavo Petro e Gabriel Boric (mas se novas eleições ocorressem hoje nos dois países, talvez o sinal fosse invertido).
  • Na Argentina, Mauricio Macri e seu programa ultraliberal fracassaram, perdendo o poder para o peronista Alberto Fernandez, que em seguida fez um governo inoperante e foi derrotado pelo extremista de direita Javier Milei (esse último também se desgasta rapidamente).
  • Nos EUA, Donald Trump não entregou os resultados que propunha com o “MAGA” (make America great again), e foi derrotado por Biden… que agora também está desgastado.

Enfim, o que vemos são ciclos curtos, com sociedades rachadas e economias sem perspectiva de crescimento a médio prazo. Lula é uma árvore no meio dessa floresta.

A extrema-direita, no poder, não tem sido capaz de se consolidar. Tampouco, a direita tradicional ou a centro-esquerda. No Uruguai, por exemplo, governa agora Lacalle Pou, da direita liberal, mas as pesquisas apontam para a vitória da Frente Ampla de esquerda na próxima eleição.

O problema é que, a cada rodada dessa luta, em ciclos curtos, quem se desgasta é a ideia mesmo de Democracia… E isso parece fortalecer uma extrema-direita que se apresenta como “antissistema”.

Uma exceção surpreendente, no meio dessas oscilações, é o México. Lopez Obrador deve eleger uma sucessora de centro-esquerda, apesar de dificuldades com a crise de segurança pública no país. O governo mexicano, com um programa reformista moderado, mantém a força.

Na Espanha, o PSOE de centro-esquerda sobreviveu por um fio no poder, explorando as contradições nacionalistas na Catalunha e no País Basco. Isso mostra que há alguma margem de manobra, e que não está escrito nas estrelas que o avanço da direita será inexorável.

No Brasil, também há margem e acúmulo de forças para resistir. Uma parte do “centro” e da direita tradicional percebeu o risco de ser engolido pelo bolsonarismo. Lula ganhou por um triz, em 2022, com apoio da frente ampla. O problema é que o programa desse “centro” puxa o governo para um ritmo lento e pouco popular.

Essa é a contradição que enreda Lula: o governo parou em pé, após o 8 de Janeiro, com o apoio do centro. Mas o centro puxa o governo Lula para baixo. O que fazer?

A curto prazo, o presidente tentará manobrar, explorando essas contradições. Mas a conta pode não fechar para 2026, se não houver uma marca popular, para além da estabilidade da economia e da retomada dos programas sociais.

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