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Precarização do trabalho e da proteção social favorecem extrema direita, diz pesquisador

Thomás Zicman de Barros acompanhou de perto as eleições do Parlamento Europeu e escreveu livro sobre populismo
10/06/2024 | 07h02

Por Chico Alves

Dedicado ao estudo do populismo e da teoria democrática, especialmente focado nas relações entre América Latina e Europa, Thomás Zicman de Barros, cientista político e pesquisador associado ao CEVIPOF (Centro de Pesquisas Políticas) da Sciences Po Paris, acompanhou de perto as eleições do Parlamento Europeu. Vivendo há dez anos na capital francesa, ele não se surpreende com o resultado.

“A extrema direita cresceu, como as sondagens esperavam, mas não é um grupo majoritário no Parlamento Europeu”, diz ele.

Coautor do livro “Do que falamos quando falamos de populismo”, junto com Miguel Lago, ele analisa nessa entrevista ao ICL Notícias os motivos que levaram ao avanço dos extremistas e as consequências do pleito de ontem.

Fala também sobre a estratégia de Emmanuel Macron, que dissolveu a Assembleia Nacional e convocou um novo pleito — o que ele considera um cálculo arriscado.

“É pequena a margem para que ele obtenha uma maioria”, acredita o professor.

Thomás Zicman de Barros

ICL Notícias — Qual a medida do avanço eleitoral da extrema direita na Europa? O que isso muda na prática?

Thomás Zicman de Barros — A extrema direita cresceu, como as sondagens esperavam, mas não é um grupo majoritário no Parlamento Europeu. O bloco centrista e de esquerda (notadamente os verdes) perderam assentos marginalmente. Ademais, a extrema direita não conseguiu ainda formar um bloco parlamentar unificado no Parlamento Europeu, então sua presença cresce de forma ainda desorganizada. O que ocorre agora é que se torna ainda mais difícil a composição de maiorias no parlamento, e é incerta a recondução da comissária Ursula Von der Leyen.

Quais as motivações desse resultado? Desencanto com a democracia?

É preciso lembrar que as eleições europeias são historicamente (1) de baixo comparecimento e (2) espaço para um voto de protesto. A extrema direita ganha espaço a cada eleição porque vemos transformações sociais no continente, com reformas que enfraquecem os sistemas de proteção social e precarizam o trabalho. E ela apresenta um discurso racista que coloca a culpa desse processo em imigrantes e afins.

Soma-se a isso um esforço de normalização da extrema direita. Não apenas ela tenta parecer mais palatável, mas partidos do centro mainstream se movem à extrema direita para tentar buscar seus eleitores, normalizando suas pautas.

Qual dos países teve resultado mais surpreendente?

Curiosamente os resultados mais surpreendentes foram onde a extrema direita prometia ir muito bem, mas chegou com menos força do que o previsto. Eles chegaram em segundo lugar nos Países Baixos, onde prometiam liderar, e na Hungria o partido de Orbán ficou sete pontos abaixo do indicado nas pesquisas.

O que acha da estratégia de Emmanuel Macron, de dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições?

A decisão de Macron foi a grande surpresa da noite, como uma consequência local de uma eleição internacional. Macron estava sem maioria clara no parlamento desde a sua reeleição. Ele avançou com pautas pouco populares, que levavam a questionamentos da sua legitimidade. A eleição europeia aparece como uma reação a isso.

Ocorre que é pequena a margem para que ele obtenha uma maioria. O cálculo de Macron passa (1) por apelar para o medo da extrema direita e (2) tentar forçar uma coalizão de centro-esquerda e centro-direita. Seu chanceler e ex-líder do partido, Séphane Séjourné, disse que eles não pretendem desafiar deputados de “partidos de valores republicanos” que busquem a reeleição. É uma forma de mostrar simpatia com a direita tradicional e com socialistas e ecologistas.

Sobretudo, é uma forma de tentar quebrar a união de esquerda que o prejudicou muito em 2022. Com a esquerda fragmentada e a sua ala moderada apoiando implicitamente Macron, ele poderia se colocar como líder de um bloco anti-extrema direita, atacando a esquerda radical e o lepenismo. Me parece um cálculo arriscado. É preciso ver como a esquerda vai reagir.

Recondução de Ursula Von der Leyen tornou-se incerta

Como coautor do livro “Do que falamos quando falamos de populismo”, o sr acredita que esta foi a eleição dos populistas na Europa, como classificou Macron?

Como mostro no livro, o termo “populismo” tem vários problemas, e é usado muitas vezes como eufemismo para a extrema direita. Só que populismo é mais do que isso: há uma ampla tradição populista de esquerda, democratizante.

Essa foi uma eleição em que a extrema direita ganhou tração. Prefiro dizer dessa forma do que falar de populismo, que não nos deixa nomear o problema corretamente, nem entender quais são possíveis soluções. Falar em populismo implica que a alternativa democrática seriam os anti-populistas, que na verdade são culpa do problema e também normalizam a extrema direita.

Há chance dos valores democráticos como o conhecemos serem restaurados?

Democracia é sobretudo um chamado à igualdade. Esses são os valores democráticos. A extrema direita é um sintoma que oferece respostas erradas para um modelo social cada vez mais desigual. É possível fazer frente a ela, mas apenas se formos à raiz do problema, que é a precarização e a dissolução de formas de sociabilidade solidária.

Qual a principal lição que a política brasileira pode tirar das eleições europeias?

A principal lição é que a extrema direita cresce ao redor do mundo, sobretudo em um ambiente no qual a direita tradicional e a esquerda se mostram incapazes de apresentar projetos alternativos de transformação social, num mundo de precarização crescente.

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