ICL Notícias

Por Bia Abramo

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, não tem dúvida: a perseguição dos Estados Unidos a cientistas e pesquisadores que pensam fora da cartilha conservadora terá impacto na produção científica global. O professor e ex-ministro da Educação adverte: “Um país que rompe com tudo isso, evidentemente, está dando um tiro no pé.

Os sinais têm sido claros. Na semana passada, um pesquisador francês teve entrada recusada nos EUA por ter expressado uma “opinião pessoal” sobre a política norte-americana em relação à pesquisa científica. Na sexta-feira (21), foi a vez do brasileiro Rodrigo Nogueira, especialista em Inteligência Artificial, que teve o seu visto negado para entrar nos Estados Unidos onde daria uma palestra na Universidade Harvard no dia 18 de abril.

O ICL Notícias conversou com Janine Ribeiro para entender que entraves esse tipo de atitude do governo de Donald Trump podem trazer à produção científica brasileira — e global. Ainda que os casos ainda sejam pontuais, são preocupantes, na avaliação do presidente da SBPC.

EUA

A transição energética é uma das áreas de pesquisa que tem sido desestimuladas pelo governo Trump (Foto: Divulgação)

ICL Notícias — Que tipo de prejuízo esse clima de perseguição, terror e cerceamento pode trazer para a ciência brasileira?

Renato Janine Ribeiro — Isso traz muito prejuízo à ciência brasileira na medida em que os Estados Unidos são um país muito poderoso na área científica, muito forte. A cooperação com eles é importante. E o que está acontecendo? Já tivemos casos cientistas que não puderam entrar em território norte-americano porque, por exemplo, trabalham aquecimento climático. Isso entrou nas coisas que o Trump não quer nem ouvir falar. Então, isso está impedindo o nosso contato. Mas prejuízo principal é mesmo para a ciência em geral e, sobretudo, para a produção científica nos próprios Estados Unidos.

E isso terá impacto na produção científica global?

Se a gente levar em conta que o desenvolvimento econômico é cada vez e cada dia mais focado na ciência, na importância da ciência, então é claro que um país que rompe com questões essenciais da ciência atual, como o aquecimento climático, a poluição, a transição energética, o que inclui o carro elétrico… Um país que rompe com tudo isso, evidentemente, está dando um tiro no pé.

É o que os Estados Unidos estão fazendo. Então, essa questão está ficando muito delicada e o prejuízo para os norte-americanos será grande.

Tem uma coisa paradoxal que é o fato de que o principal apoiador do Trump, o principal parceiro do Trump agora é justamente o Elon Musk, que desenvolveu o seu principal negócio como o carro elétrico [Tesla]. E é justamente esse um dos focos da raiva, do ódio do presidente Trump. O que a gente pode ver é que a China está investindo pesado na ciência para o desenvolvimento e os Estados Unidos estão desestimulando a ciência. A China está na frente do Trump, que está eliminando vários setores da ciência que são muito importantes. Isso vai ter um custo grande para os Estados Unidos.

Uma das razões para a academia americana ser tão prolífica e produtiva é quantidade de imigrantes de toda a parte do mundo que estão nas universidades de ponta. Como as políticas anti-imigratórias podem afetar a produção científica dos EUA?

Realmente as políticas de migração foram muito fortes para os Estados Unidos se desenvolverem. Eles ganharam muito com a expulsão de cientistas judeus da Alemanha nazista quase um século atrás e agora a situação vira pelo avesso. A comparação é evidente com o que aconteceu na Alemanha como país que exportou, que expulsou cientistas e com os Estados Unidos como país que os acolheu, ainda acolhe e, com isso, cresceu muito cientificamente.

Vários têm defendido no Brasil que a gente se torne uma terra de acolhimento para os cientistas americanos, que não tenham mais lugar lá. Claro que não basta o Brasil receber cientistas para ter um desenvolvimento comparável aos Estados Unidos na época da Segunda Guerra Mundial. Depende de muito mais coisa. Mas é complicado.

‘Universidade nos EUA se beneficiou da imigração’

A academia é, tradicionalmente, um lugar de resistência e diversidade. Desde que tomou posse, Trump está atacando a chamada “cultura woke”, as ações por diversidade, etc. Será que veremos, ao longo dos anos Trump, uma fuga de cérebros dos EUA? E qual seria a alternativa? A China?

Pelo visto, vários cérebros terão que deixar os Estados Unidos. E não necessariamente por perseguição pessoal, mas porque o governo vai desinvestir em áreas de ponta da pesquisa científica como as que já mencionei: a questão da transição energética a biodiversidade, o uso de produtos da biodiversidade para a saúde, inclusive para vacinas. Aparentemente, os Estados Unidos vão perder posição nisso tudo. Eles, esses cientistas, irem para a China hoje não parece muito provável.

A China é um país que tem investido muito na ciência, mas em termos culturais está muito diferente dos Estados Unidos e não podemos esquecer que existe um conflito grande. Os Estados Unidos estão muito preocupados com o avanço da China em diversas áreas, então estão fazendo tudo possível contra a China. Isso não é uma coisa que começou com o Trump. O Biden fez muito disso nos últimos anos inclusive ameaçando um conflito de guerra por causa de Taiwan ou de Hong Kong.

De qualquer forma, o fato é que não vejo muita possibilidade de irem para a China. Eu penso que o destino principal dos cientistas americanos que não se sintam confortáveis com o Trump será não o Brasil, mas a Europa. A União Europeia está também levantando essa possibilidade.

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