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José Sócrates

Em Portugal, eleito deputado à Assembleia da República em 1987. Depois secretario de estado, ministro adjunto do primeiro-ministro e ministro do Ambiente. Primeiro-ministro de 2005 até 2011. Secretário geral do Partido socialista entre 2004 e 2011. Licenciado em engenharia civil; MBA pelo ISCTE em Lisboa, mestre em Ciência Política por Sciences Po em Paris.

Que belo momento na Europa

Em última análise, é ao povo que compete defender a democracia e aí está a resposta
08/07/2024 | 17h18

O ponto político é este: em duas potências europeias (ambas do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e ambas potências nucleares) a esquerda ganhou as eleições. Na quinta-feira os trabalhistas venceram as eleições no Reino Unido por uma esmagadora maioria e estão de volta ao governo depois de quase quinze anos na oposição. Na França, nesta noite de domingo e contra todas as previsões, a Nova Frente Popular ganha as eleições e coloca o partido de extrema direita em terceiro lugar. A noite foi uma desgraça para o Rassemblement National: não governa nem conta para a governação. Deixou de ser notícia.

Quanto às eleições inglesas, não há muito a dizer a não ser que, sendo o desfecho previsível, a imprensa tratou imediatamente de relativizar o resultado das eleições afirmando que esta vitória se deveu mais aos erros dos conservadores do que ao entusiasmo com a liderança do Partido Trabalhista. Quem assim pensa perdeu o essencial desta eleição: o êxito da nova liderança trabalhista foi justamente a graça do anti carisma — um líder bem formado, seguro de si e pouco dado a improvisos políticos. A política inglesa já teve espetáculo a mais. Desta vez os ingleses escolheram a sobriedade.

E depois, sem prejuízo de melhor análise, julgo que não é abusivo interpretar os resultados como uma primeira avaliação popular à saída da Inglaterra da União Europeia. A revolução do Brexit parece ter acabado como acabam muitas das revoluções — devorando os seus líderes que ficaram, quase todos, fora do Parlamento. Depois de anos de arrogância e auto-convencimento, a derrota dar-lhes-á certamente motivos para recuperarem a humildade democrática que tanto lhes faltou nestes anos. Foi um gosto ouvir a elevação democrática do líder derrotado: “hoje o poder vai mudar de mãos de forma pacifica e ordenada, com boa vontade dos dois lados”. Que saudades desta cultura política.

Mas a grande noticia europeia é a França. Nesta eleição o povo francês mostrou a sua fidelidade aos valores republicanos. Nesta eleição o povo francês mostrou a sua lealdade ao projeto europeu. Nesta eleição o povo francês mostrou o seu apego aos valores do iluminismo. República-Europa-Luzes. Esta é a França que eu admiro.

É claro que poderão dizer que a escolha do povo foi mais clara sobre quem não queria no governo (a extrema direita) do que quem queria que efetivamente governasse. A esquerda ganha sem maioria parlamentar absoluta e o partido presidencial fica em segundo lugar. Alguma espécie de compromisso vai ser necessário, bem sei, mas nada que a democracia e o espírito de compromisso não resolvam. Todavia, o essencial foi feito — a extrema direita foi remetida para o terceiro lugar no Parlamento, a mobilização popular foi expressiva e os novos arranjos políticos defenderam a República dessa ameaça velada que pesava sobre a França e sobre a Europa. Macron foi o único político europeu que não se conformou com o avanço da extrema direita nas eleições europeias e que decidiu enfrentá-lo com coragem política. Em última análise, é ao povo que compete defender a democracia e aí está a resposta — esta noite a soberba da extrema direita acabou e o espírito democrático venceu. A França pode agora retomar com confiança o seu papel de liderança no projeto europeu: “se viver significa existir aos olhos de quem amamos”, como escreveu Kundera, a Europa viveu esta semana um belo momento.

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