Por Leonardo Fernandes — Brasil de Fato
Em reunião do Conselho Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), realizada na tarde desta quinta-feira (18), no Palácio do Planalto, movimentos populares e entidades de agroecologia questionaram a prioridade do governo em relação à produção de alimentos saudáveis.
As críticas ocorrem após mais um adiamento do anúncio do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que tinha lançamento marcado para esta quinta. A cerimônia foi suspensa devido à negativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em aceitar a incorporação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) no escopo do Planapo.
Paulo Petersen, coordenador-executivo da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) e integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), reclamou da postura intransigente do Mapa.
“A gente estava com um plano pronto para ser lançado e o Ministério da Agricultura disse que não assinava aquele plano. Mas isso, depois de ter conversado dentro de vários espaços democráticos em que esse programa foi construído, inclusive com técnicos do Mapa”, afirmou, demonstrando indignação com o impasse. “Esse posicionamento do Ministério da Agricultura é incompreensível”, lamentou.
Cássio Trovatto, coordenador-geral de Transição Agroecológica do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) destacou o ineditismo da postura radical do Mapa em relação ao Pronara, o que teria provocado espanto nos membros do Câmara Interministerial sobre Agricultura e Produção Orgânica (CIAPO), que reúne 14 ministérios e outros nove órgãos do governo.
“Todos ficaram assustados com a situação. Assustados, primeiro, porque nós estamos vivendo uma situação inédita. Os outros dois planos anteriores tinham a iniciativa de instituir o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos. Dessa vez, nós não estamos conseguindo lançar o Planapo porque há uma recusa antecipada de um ministério com relação a essa iniciativa”, destacou.
Prioridade no discurso, mas não na prática
Paulo Petersen questionou a prioridade do governo em relação à agenda da agroecologia. “Esse episódio é revelador de algo mais amplo. Ele é revelador do fato de que uma política de agroecologia foi uma grande conquista, e ela dialoga com prioridades do governo brasileiro, mas nós não vemos correspondência entre essa prioridade e a força que está se atribuindo a uma política nacional de agroecologia em seus espaços”, avaliou.
“Existe uma contradição entre a retórica da priorização dessas agendas, e, por outro lado, a fragilidade desses espaços que tratam dessas agendas de forma democrática com a sociedade”, ponderou, destacando ainda o esvaziamento do Conselho de Agroecologia por parte de representantes do governo.
O representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) Jairã Silva expressou a decepção com o entrave imposto pelo Ministério da Agricultura, e cobrou uma mudança de postura das autoridades.
“Como que o país que quer organizar um G20, uma COP, se tornar a principal liderança do mundo nessa agenda do combate à fome, do controle da emergência climática, vai dialogar com os demais países, se é o país que se tornou um quintal químico das empresas que produzem veneno?”, questionou, relatando ainda que em sua comunidade há casos graves de contaminação da população pelo uso irregular de agrotóxicos por produtores rurais da região.
Transição agroecológica ameaçada
Fran Paula, representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, defendeu a importância do Pronara para o avanço da transição agroecológica no Brasil. “Ele [o Pronara] representa para a sociedade um marco importante e um posicionamento também do Estado em relação à sua responsabilidade e ao seu compromisso com alimentação saudável”, afirmou.
Ela ainda se disse surpresa com a intervenção do Mapa em um espaço dedicado à promoção da produção orgânica e agroecológica. “O Ministério da Agricultura é um dos principais aliados do setor do agronegócio no Brasil. Então isso reflete também os interesses desse setor e das multinacionais que produzem agrotóxicos. Mas o que a gente não esperava era que no âmbito da construção de uma política nacional de agroecologia e produção orgânica, a gente [tivesse que] lidar com essa barreira e com esse movimento do Mapa de se colocar contrário a aprovação de um programa para reduzir agrotóxicos”, ressaltou.
No mesmo sentido, Laércio Meireles, da Rede Ecovida de Agroecologia foi enfático ao afirmar que na construção do Pronara e da Planapo “não há espaço” para forças contrárias à transição agroecológica no CNAPO. “Nós estamos entre companheiros. E companheiros que querem promover a agroecologia. Não cabe aqui quem quer, digamos, colocar areia na engrenagem, quem está aqui só para falar assim: ‘vamos ver se a gente impede que eles avancem'”, disse, referindo-se aos representantes do Mapa no conselho.
Encaminhamentos
A representante da Articulação Nacional de Agroecologia na Cnapo, Flávia Londres, reportou aos demais presentes na reunião os encaminhamentos que deveriam ser cumpridos com objetivo de seguir em diálogo pelo lançamento do Planapo com a inclusão do Pronara.
Entre eles, a continuidade dos trabalhos da Cnapo e a criação de uma subcomissão especial para debater o tema. As entidades definiram ainda um prazo de até a segunda quinzena de agosto para o lançamento do Planapo e a realização de um seminário interministerial sobre agrotóxicos, que deve ocorrer durante uma reunião extraordinária da CNAPO, ainda a ser convocada.
“Não faz sentido a gente debater um plano nacional de agroecologia que não enfrente questão da redução dos agrotóxicos”, destacou. “A gente vai seguir trabalhando pelo lançamento do Planapo e pelo lançamento do Pronara”, afirmou.
Por sua parte, a diretora de Inovação para a Produção Familiar e Transição Agroecológica do MDA, Vivian Libório, informou que será convocada uma reunião extraordinária da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica para discutir o tema internamente no governo e tentar chegar a um entendimento entre os ministérios.
“Lançar um Planapo sem atender à demanda da sociedade seria um grande equívoco. Então, nosso ponto de partida precisa ser a demanda concreta. A gente não acredita em política pública sem esse olhar em torno da sociedade”, declarou.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério da Agricultura, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para o posicionamento.
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