Até o momento em que este texto terminou, tudo estava em suspenso e ele já nasce velho. O julgamento de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, os assassinos confessos de Marielle Franco e Anderson Gomes segue pela quinta-feira (31), mas o que não envelhece nunca é a briga do Brasil contra a frieza dos que ceifam vidas preciosas como se capinassem grama. Não fica jamais datada a luta por um país para recuperar a confiança na justiça e que não ache normal tanta dor.
Sete homens brancos foram sorteados para julgar um dos crimes políticos mais impactantes da história brasileira recente. Ver os dois matadores condenados por pessoas cujo perfil fenotípico é o deles próprios, é um último ato de ironia neste teatro nada edificante.
O depoimento do assassino Lessa (e ele sempre será chamado assim), foi especialmente chocante. A frieza com que detalhou os passos até o momento da morte, como se estivesse falando uma trivialidade, algo corriqueiro e sem novidades, arrepiou e fez pensar. Marielle e Anderson foram apenas mais duas vítimas fatais produzidas pelos corpos encomendados pelas inúmeras questões mal digeridas do Brasil: Terras, poder, terras, dinheiro, terras, ideologias, terras, terras…
A questão fundiária, ao que tudo indica a motivação do crime, é o enorme nó nacional. E como ele estrangula, e como tomba pessoas ao solo… Os campos do Brasil são todos semeados com essas sementes-gente indígena, ativistas, jornalistas, religiosos… qualquer um que se interponha no caminho por terras, poder, terras, dinheiro, terras, terras…
Este personagem, o assassino Lessa, é alguém estranho e assustador. Exímio atirador, montador de fuzis e outros armamentos pesados, como ele mesmo disse “focado”, como ele mesmo disse “cego pelo dinheiro”. Afirmou que poderiam dizer que a missão era matar o Papa que ele iria, pois ficou “cego”. Ele também afirmou que sabia do risco de atingir pessoas que não eram o seu objetivo como se estivesse relatando um jogo de futebol monótono que acabou sem gols. O “risco”, neste caso, era o pai de uma criancinha com deficiência, um trabalhador, um marido, um homem também “focado”, mas em dar condições de vida à sua família e tratar o melhor que pudesse do seu único filho.
Por mais de seis anos assistimos Anielle, Luyara, dona Marinete, seu Toinho, Mônica, Agatha e tanta gente que tinha afeto por Marielle e Anderson sangrando em praça pública, alvo de traições abjetas, de escárnio e deboche por parte de uma parcela da população que enrijeceu a alma e o coração, mas fez do cérebro mole esponja para absorver todo o ódio. Lembro do dia em que Anielle relatou a cusparada que levou no rosto, com a filha no colo, em meio a um shopping na zona norte do Rio.
Finalmente chegou o momento. Diferente dos sete homens do filme dos anos 1960, os jurados deste tribunal não tentarão salvar uma cidade de um algoz, mas um país inteiro de submergir ainda mais na indignidade e na impunidade que são as verdadeiras assassinas.
Marielle e Anderson, presentes!
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