Por Fábio Pannunzio
Há algumas castas de brasileiros para as quais a vida é um passeio. Elas são compostas por um pequeno, mas dispendioso, grupo de servidores públicos dos três Poderes, viúvas e filhas de militares, promotores e juízes. São grupos que recebem, sem qualquer esforço, benefícios muito acima daqueles concedidos ao cidadão comum.
Os privilegiados têm conseguido rechaçar todas as iniciativas para eliminar os chamados supersalários, que ultrapassam o teto constitucional de R$ 46.366. Estima-se que, atualmente, cerca de 25 mil pessoas se encontrem nessa situação confortável.
O problema é que esses salários exorbitantes custam caro ao contribuinte brasileiro. Levantamentos recentes, baseados na PNAD Contínua, estimam que os marajás drenam cerca de R$ 5 bilhões por ano. Se a vida é doce para quem nasceu em berço esplêndido, a conta é salgada para quem sustenta essa elite.
Um dos bolsões de privilégios mais resilientes é o das viúvas e filhas de militares que ingressaram nas Forças Armadas até 2001. As filhas solteiras têm direito eterno a essa maravilha por terem nascido em berço verde-oliva. E isso também explica por que elas se casam tão pouco.
No ano passado, a União desembolsou R$ 25,13 bilhões apenas com o pagamento de pensões para descendentes de militares. Como o Brasil tem 38,4 milhões de contribuintes, cada pagador de impostos teve que “contribuir” com R$ 654,00 para o conforto das viúvas e filhas solteiras de militares. Este ano, o valor aumentará cerca de 10%, muito acima da inflação, pois o governo prevê gastar R$ 27,7 bilhões com pensões.
Com esse dinheiro seria possível pagar dois meses e meio de benefícios para todos os 54,5 milhões de cidadãos inscritos no Bolsa Família, construir quase 40 quilômetros de linhas do Metrô de São Paulo ou edificar moradias para 147 mil famílias por ano pelo programa Minha Casa, Minha Vida.

União desembolsou R$ 25,13 bilhões apenas com o pagamento de pensões para mulheres descendentes de militares
Governo FHC acabou com pensões vitalícias a viúvas e filhas de militares, mas muitas ainda recebem
Não é à toa que os números chamam a atenção dos governantes, que, no entanto, não conseguem botar fim aos privilégios. Diversas tentativas já foram feitas, e algumas mudanças ocorreram — o problema é que o ritmo dessas alterações não corresponde à indignação permanente da população.
No fim do segundo governo FHC, as pensões vitalícias pagas a viúvas e filhas (formalmente) solteiras de militares deixaram de existir para quem ingressasse na carreira militar a partir de então.
No entanto, a legislação e a Justiça reconheceram o direito adquirido de quem já havia conquistado a sinecura. Até o início da década passada, pensionistas da previdência militar ainda recebiam salários superiores aos do presidente da República e dos ministros do STF. Hoje, aplica-se um redutor para enquadrar os vencimentos ao valor máximo previsto em lei.
Atualmente, 216 mulheres se enquadram nessa situação, sendo todas filhas solteiras e viúvas de militares. Embora os vencimentos sejam reduzidos para respeitar o teto constitucional, algumas gratificações são calculadas com base no valor bruto das pensões. Isso fez com que o Natal fosse farto e luxuoso para a clientela especialíssima da generosa previdência dos militares.
De acordo com dados públicos disponíveis no Portal da Transparência, uma senhora chamada Gecy Brilhante da Fontoura Rangel recebeu R$ 107.842,43. Ela é beneficiária de uma pensão herdada do pai, um general que se aposentou como marechal e faleceu há 56 anos. Em dezembro, o valor bruto dessa pensão era de R$ 78.805,20.
Sobre ele foi aplicado o redutor para enquadrá-lo no limite do teto constitucional. No entanto, a gratificação natalina de dezembro de 2024 foi calculada com base no valor integral da pensão, totalizando R$ 39.402,60. Assim, os vencimentos de Dona Gecy atingiram a cifra de seis dígitos.

Senador Paulo Paim (PT-RS)
“Não há o que fazer”
A batalha do governo contra esses privilégios será árdua. A espantosa resiliência dos supersalários parece impossível de ser vencida. Essa sensação desoladora é compartilhada por políticos de diferentes espectros ideológicos interessados em acabar com a mordomia.
O senador petista Paulo Paim, crítico histórico dessas distorções, aponta um paradoxo evidente na maneira como direitos adquiridos são tratados, dependendo de quem está no foco do problema.
“Na reforma da Previdência do governo Temer, contribuintes que estavam prestes a se aposentar tiveram que se conformar com regras de transição que, na prática, ignoraram direitos adquiridos”, afirma o parlamentar gaúcho. Paim acredita que o problema só deixará de existir quando as pensionistas não estiverem mais vivas.
Ele defende que essa é uma bandeira que só será vencida com forte mobilização popular. “Caso contrário, não há o que fazer!”, vaticina.
Outro senador, Carlos Viana, do Podemos, compartilha a mesma sensação de desânimo. “Não há o que fazer”, lamenta o parlamentar mineiro. Em 2022, ele chegou a encaminhar um projeto de lei sugerido por um eleitor ao Palácio do Planalto para tentar incentivar o governo a agir. “Qualquer proposta para acabar com isso tem que partir do Poder Executivo. É ele quem tem a prerrogativa legal”, explica o senador, que, no entanto, terminou frustrado.
O ministro Fernando Haddad elegeu o tema como prioridade entre os problemas a serem resolvidos e já solicitou a colaboração dos presidentes das duas Casas Legislativas. Acabar com os supersalários virou uma questão de honra para o titular da Fazenda. Não é apenas uma questão de racionalidade econômica, mas também uma questão moral, com reflexos na esfera eleitoral.
Talvez tenha surgido no horizonte a oportunidade perfeita para mudar esse quadro. Certamente, não será fácil, visto que a pressão dos privilegiados é enorme. Entre os lobistas que mais empedernidos estarão juízes, procuradores, promotores de justiça e ministros das cortes superiores. Gente poderosa que, historicamente, tem conseguido manter tudo como está, desde que seja em seu benefício.
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