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40% dos cursos médicos de especialização são de ensino à distância, aponta estudo da USP

Pela legislação, médico com Pós-graduação não pode se apresentar como especialista; profissionais recorrem à Justiça
06/09/2024 | 13h19

Por Cláudia Collucci

(Folhapress) — Cerca de 40% dos cursos médicos de especialização do país funcionam na modalidade de ensino à distância (EaD), o que seria incompatível para uma boa formação em áreas da medicina que demandam conteúdo prático em ambiente presencial.

Os dados são de um estudo da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) em parceria com a AMB (Associação Médica Brasileira) e foram extraídos do projeto “Demografia Médica no Brasil 2025”.

Presenciais ou a distância, esses cursos médicos de Pós-graduação Lato Sensu têm sido alvos de disputas judiciais porque a legislação impede que médicos que o fazem se apresentem como especialistas.

As regras atuais determinam que o título de médico especialista só pode ser obtido após conclusão de programas de residência médica, credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica ou por meio das sociedades de especialidades filiadas à AMB.

A residência médica varia de dois a cinco anos, de acordo com a especialidade. Completada essa etapa, o médico pode se habilitar a prestar o exame para obter o título de especialista.

O trabalho identificou 2.148 cursos de pós-graduação lato sensu em medicina, ofertados por 373 instituições. Mais de 90% deles são pagos, a maioria (82,5%) em instituições privadas. As públicas são responsáveis por 17,5% do total de cursos pagos.

A maior parte deles (60%) está concentrada em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Endocrinologia, Dermatologia, Psiquiatria e Radiologia são as especialidades com mais cursos. A duração média é de 13 meses. Os de formatos EaD são mais curtos (9,7 meses) em relação aos presenciais (15,4 meses) e semipresenciais (13,9 meses).

Segundo o estudo, o preço médio dessas pós-graduações é de R$ 15.782,36, sendo que os de modalidade EaD são mais baratos: custam, em média, R$ 5.696,54. As especialidades cirúrgicas apresentaram os maiores valores, R$ 27.239,99, em média. Cursos ofertados nas capitais custam o dobro dos cursos localizados nas demais cidades: R$ 20.080,95 contra R$ 9.328,36, em média.

“Houve um crescimento muito grande desse mercado de especialização médica. São cursos mal regulamentados, que não passam por fiscalização, são de livre oferta. A legislação apenas fala que eles precisa ter, no mínimo, 360 horas”, explica Mario Scheffer, professor do departamento de medicina preventiva da USP e coordenador do estudo.

Embora sejam obrigatórios o credenciamento da instituição de ensino e o registro de informações gerais junto ao MEC (Ministério da Educação), a oferta desses cursos independe de autorização ou reconhecimento de órgãos do governo.

Segundo Scheffer, em geral, esses cursos são comercializados por um mesmo conglomerado que possui escolas médicas de graduação, cursos preparatórios de residência médica, plataformas digitais, telemedicina e outros serviços. É baixa, por exemplo, a oferta de cursos gratuitos ou que tenham relação explícita com políticas, programas e metas do SUS.

(Foto: Marcelo casal Jr./Agência Brasil)

“Há cursos mantidos por instituições renomadas ou aceitos pelas sociedades de especialidades nas pontuações de provas de títulos. Mas muitos outros são ofertados por instituições sem experiência e capacidade na área do curso. Aí tem joio e tem trigo, mas tem muito joio”, afirma.

Hoje há uma demanda muito grande por especialistas no SUS, com pacientes esperando meses por consultas. De acordo com o estudo Demografia Médica 2024, há desigualdades regionais, com grande concentração de profissionais nas capitais e nos serviços privados.

O estudo mostrou, por exemplo, que o número de anestesistas no Maranhão é cinco vezes menor do que no Rio de Janeiro. O mesmo ocorre com a taxa de cirurgiões. No Pará, a oferta desses profissionais é seis vezes menor que no Distrito Federal.

Acesso a médicos especialistas

Em abril, o Ministério da Saúde lançou o programa de mais acesso a especialistas, com previsão de R$ 1 bilhão em investimentos até o fim do ano. A meta do ministério é que o paciente consiga realizar o conjunto de consultas e exames entre 30 e 60 dias.

Para Cesar Eduardo Fernandes, presidente da AMB, melhorar o acesso a médicos especializados é muito importante, mas é preciso que esses profissionais sejam bem qualificados, o que não tem acontecido com o grande número de formandos de muitas das novas faculdades de medicina.

“Não se faz especialista em curso de final de semana, muito menos em ensino à distância. Você precisa ter um aprendizado prático sólido, em que você adquira as competências, as habilidades e as atitudes permitidas para que você, enfim, possa ser registrado como um especialista”, afirma.

Segundo ele, a residência médica brasileira tem exigências baseadas em fundamentos muito bem consolidados da pedagogia médica internacional. Atualmente, apenas um terço dos candidatos consegue obter o título de especialista.

Na sua opinião, é preciso que os formuladores de políticas públicas de saúde façam uma reprogramação das necessidades de especialidades no país e das vagas de residência, criando estímulos que atraiam mais profissionais para as áreas prioritárias.

“A gente sabe que faltam muitos anestesistas, por exemplo. O governo poderia incentivar oferecendo uma carreira de longo prazo, condições de trabalho e remunerações mais adequadas. O mesmo ocorre com os médicos de família”, diz ele.

Na opinião de Mario Scheffer, o estudo pode contribuir com o debate sobre a necessidade de acreditação ou certificação de cursos de pós-graduação lato sensu, o que requereria rever as atribuições do MEC e do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

 

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