O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, nesta quarta-feira (13), por maioria de 5 a 2, que as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha devem perdurar enquanto houver risco para a vítima, sem a necessidade de um prazo pré-determinado. A decisão foi tomada em um julgamento que poderia impactar diretamente a proteção oferecida às mulheres em situação de violência doméstica no Brasil.
A questão surgiu após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) aceitar parcialmente o recurso de um agressor contra as medidas protetivas, estabelecendo um prazo de 90 dias, ao final do qual a situação seria reavaliada. O Ministério Público recorreu ao STJ, argumentando que a fixação de um prazo específico enfraquece a proteção às vítimas, expostas a riscos que podem não se resolver em um período tão curto.
O julgamento abordou a possibilidade de fixar um prazo para as medidas protetivas de urgência, atualmente válidas, enquanto houver risco à integridade da vítima. A sessão foi acompanhada com grande atenção pelas mulheres do sistema de justiça e organizações da sociedade civil, considerando que a decisão poderia alterar o disposto na Lei Maria da Penha, que define que essas medidas devem durar enquanto houver risco à vítima.
O voto vencedor, do ministro Rogério Schietti Cruz aponta que as medidas protetivas devem vigorar enquanto houver risco, sem prazo pré-definido ou novo pedido da vítima, e que sua revisão deve ser justificada e precedida de contraditório. O voto foi apoiado pelos magistrados Daniela Teixeira, e Sebastião Reis Júnior, que sugeriu ainda que a vítima seja notificada sobre alterações na medida. Em oposição, os ministros Messod Azulay Neto e Joel Ilan Paciornik defenderam os prazos, mas Schietti esclareceu que a continuidade das medidas é baseada no risco, não na culpa do acusado.
Marina Ganzarolli, representante do Me Too Brasil, entidade que acompanhou o caso e chegou a pedir a entrada como Amicus Curie no processo, celebra a decisão como uma “vitória contra o retrocesso”, destacando a garantia da compreensão da medida protetiva em sua natureza jurídica, conforme foi idealizada na Lei Maria da Penha, alinhada ao marco de proteção integral às mulheres contra a violência doméstica.
“Essa decisão reafirma a intenção da lei de proteger integralmente, e não de forma limitada ao âmbito criminal, o que poderia implicar na imposição de prazos que desconsideram a continuidade do perigo. A medida protetiva deve existir enquanto houver ameaça à vida da mulher. Fixar um prazo limitaria o direito das mulheres a essa proteção e desvirtuaria o propósito original pensado pelos legisladores na Lei Maria da Penha”, disse.
Em seu voto, a ministra Daniela Teixeira destacou a importância da atuação e articulação da sociedade em defesa da Lei Maria da Penha. Além do Me Too, mulheres do sistema de justiça e organizações de defesa de gênero, a exemplo da Associação Popular Maria Felipa, o Fórum Nacional Permanente de Diálogos, que reúne órgãos governamentais e ONGs ligadas à proteção da mulher, e o Instituto da Mulher Negra — GELEDES participaram de articulação em defesa das medidas protetivas.
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Maria da Penha, a inspiradora da lei
Violência contra a mulher
Em 2023, o país registrou 3.930 assassinatos de mulheres, dos quais 37,3% foram classificados como feminicídios, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além disso, 8.372 tentativas de homicídio contra mulheres foram reportadas, incluindo 2.797 tentativas de feminicídio. A pesquisa do Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, revelou que 30% das brasileiras já sofreram violência doméstica ou familiar, especialmente entre as mulheres de menor renda.
A Lei Maria da Penha, que reconhece a complexidade da violência doméstica e familiar, prevê medidas híbridas, tanto cíveis quanto criminais, para proteger a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher. A manutenção da decisão pelo STJ assegura que essas medidas, essenciais para interromper o ciclo de violência, continuem sem prazo fixo, conforme previsto na Lei.
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