Por Rogério Pagnan
(Folhapress) — O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, prepara um projeto de lei que prevê a implantação de novas regras para aposentadoria compulsória na Polícia Militar e, se aprovado, deve mandar imediatamente para a reserva cerca de 40% dos coronéis — ou 25 dos 63 existentes.
A medida é vista por integrantes da PM e especialistas de segurança como uma nova ofensiva contra o grupo de coronéis que resiste ao avanço da politização nos principais postos da instituição militar que, atualmente, tem cerca de 80 mil homens e mulheres.
Procurada, a Secretaria da Segurança confirmou a veracidade do documento ao qual a Folha teve acesso, mas diz que se trata de uma versão antiga e que, por ora, não há nenhuma mudança definida. A pasta não enviou nenhuma versão mais atualizada do texto.
A versão obtida pela reportagem foi assinada digitalmente por Derrite às 8h18 da última quinta (21). Ele subscreve a mensagem de encaminhamento do texto ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), para eventual apresentação da proposta à Assembleia Legislativa.
Integrantes da cúpula da segurança pública ouvidos pela Folha também confirmaram a autenticidade do documento e dizem que o projeto de Derrite caminha “a passos largos” dentro da gestão Tarcísio. O texto também circulou em diversos grupos de policiais, assim como ocorreu com a tabela de reajuste salarial em 2023, cujo teor havia sido negado inicialmente pelo governo.
Militares afirmam à reportagem que já aguardavam medida do gênero desde fevereiro, quando o secretário movimentou 34 coronéis da corporação e exonerou o número 2 da PM, o coronel José Alexander de Albuquerque Freixo, considerado um dos mais respeitados oficiais da PM paulista.
Derrite: revolta de oficiais
Na ocasião, o secretário foi informado de que os oficiais ficaram revoltados e pediram passagem para a reserva, como, em tese, deveria ocorrer com a indicação de um oficial mais recruta para o posto de subcomandante — no caso, o coronel José Augusto Coutinho, aspirante da turma de 1994.
A maioria dos desafetos é da turma de 1993 (primeira e segunda turmas).
Ao continuarem na ativa, ainda que em férias ou licenças, os coronéis conseguiram ao menos atrasar o suposto plano de Derrite de promover para a cúpula da instituição nomes ligados ideologicamente a ele. A turma de aspirante de 1996, que está sendo promovida agora, teria tal alinhamento.
Até agora, apenas um dos coronéis considerados do grupo de resistência foi para reserva, porque não tinha dias acumulados para conseguir se afastar e não ser obrigado a assumir os cargos designados pelo secretário.
Um sinal de que o principal alvo do projeto sejam os coronéis de 1993 está em trechos do documento que indica a transferência para a reserva de oficiais que tiverem ao menos dois anos no posto e tenham sido declarados aspirantes em data anterior ao comandante-geral ou subcomandante.
“Excetuando-se os ocupantes dos cargos de chefe da Casa Militar do governador, comandante-geral da Polícia Militar, subcomandante PM, comandante do Corpo de Bombeiros e subcomandante do Corpo de Bombeiros”, diz o anteprojeto.
Atualmente, o oficial é obrigado a ir para a reserva, na chamada expulsória, quando atinge 62 anos (fato raro em SP) ou quando completa cinco anos no posto de coronel, exceção feita ao comandante-geral, ao subcomandante e ao chefe da Casa Militar dentro da mesma gestão de governo. Para os tenentes-coronéis, os limites de idade e tempo no posto são os mesmos.
Conforme tabela anexada ao projeto, em caso de aprovação, só em maio de 2024 também irão para a reserva obrigatória, além dos 25 coronéis, um total de 182 tenentes-coronéis, ou 74,9% dos 243 existentes.
Para o advogado Marco Antônio Innocenti, especialista em direito administrativo, a proposta estudada pelo governo contraria entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) que veda aspectos discricionários para ingresso e permanência da carreira.
“É exatamente o caso aí. É uma coisa arbitrária que está acontecendo, não é uma coisa que tem um fundamento previdenciário, que tenha alguma lógica administrativa”, afirma o advogado.
Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, a discussão sobre o tempo de ascensão de carreira na Polícia Militar paulista é, de fato, muito lenta em comparação a outras PMs do país, principalmente à de Santa Catarina. O projeto estruturado não tem, porém, elementos suficientes para resolver essa questão.
“A discussão sobre qual a melhor distribuição de tempo, de cargos e postos não é ruim por si só. Mas quando não faz uma discussão com o modelo de gestão, de organização da Polícia Militar, no fundo parece mais uma conveniência política e não um procedimento para melhorar a prestação de serviço.”
Para ele, se a preocupação do governo fosse essa, teriam utilizado no projeto, por exemplo, a Lei Orgânica das Polícias Militares, aprovada recentemente mas não citada no texto do projeto.
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, diz ver a proposta como parte do processo de mudança de perfil dos gestores da PM, explicitada pela movimentação dos 34 coronéis em fevereiro.
“Esse projeto de lei é a pedra fundamental para que essas mudanças sejam perenes. É uma das mudanças mais profundas que eu vejo na PM, talvez desde a Favela Naval [março de 1997]. Parece-me muito grave, porque ela não é precedida de estudos, de impacto da atuação e resultados do trabalho da Polícia Militar”, afirma.
Ainda segundo ela, essas mudanças podem transformar definitivamente o perfil da PM paulista, podendo significar um retrocesso nas conquistas feitas ao longo de anos.
“A gente sabe que a atual gestão tem imprimido uma outra lógica de atuação da PM, que não foca o patrulheiro, o trabalho preventivo, que é o grosso do que a PM faz, mas foca uma lógica de operação com tropas especiais, de combater o crime a qualquer preço, de enfrentar o inimigo, que é o que estamos vendo na Baixada Santista”, diz.
Secretaria diz estudar mudanças
Em nota, a gestão Tarcísio afirma que estuda mudanças para se adequar à legislação federal.
“A Lei federal 13.954/19 estabeleceu novas diretrizes relativas ao tempo de serviço e às condições para o recebimento de direitos na inatividade militar. Diante dessa mudança, a Secretaria da Segurança Pública avalia as adaptações necessárias para atualizar e adequar a legislação estadual às normas federais.”
Sobre o documento recebido pela Folha, o governo diz que o debate ainda não está encerrado. “Eventuais aprimoramentos no fluxo da carreira policial também são estudados, porém, não há qualquer definição sobre o tema tampouco previsão imediata para qualquer alteração”, diz a nota.
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