Chico Alves
Jornalista investigativa, Cecília Olliveira se dedica há muitos anos à cobertura de fatos ligados ao tráfico de drogas e armas e à violência no Rio. De tanto tratar do tema, ela fundou o Instituto Fogo Cruzado, do qual atualmente é diretora, com o o objetivo de usar tecnologia para produzir estatísticas sobre a violência armada. Com essa experiência, Cecília analisa nessa entrevista o contexto que levou à explosão de violência que a milícia ordenou ontem no Rio, depois que a polícia matou um de seus líderes.
Da geopolítica das milícias fluminenses à ineficácia das ações da polícia do governador Claudio Castro (PL), cada vez mais submetido aos deputados da Assembleia Legislativa, ela ajuda a entender o que levou a situação tão crítica.
Cecília também é cofundadora do Intercept Brasil e diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – ABRAJI.
ICL Notícias – Pode explicar em que contexto de disputa ocorreu ontem a morte de um dos líderes milicianos, que detenou o ataque aos ônibus no Rio?
Cecília Olliveira – O que está acontecendo no Rio não pode ser visto com surpresa. Desde 2021, com a morte do Ecko (o miliciano Wellington da Silva Braga, morto pela polícia), o Rio está sendo disputado palmo a palmo. Zinho, o “herdeiro natural”, irmão de Ecko e Tandera, ex-comparsa, disputam o espólio da milícia.
Hoje a polícia matou também o sobrinho de Ecko. A milícia de Tandera está então “2 passos” a frente da família Ecko no domínio pela zona oeste – o que é importante ser observado.
Matheus da Silva Resende, conhecido como Faustão, foi morto em uma operação da Polícia Civil em Três Pontes, no bairro de Paciência, zona oeste do Rio.
Faustão era herdeiro da maior milícia do Rio de Janeiro. Zinho, seu tio, é o miliciano mais procurado do Rio. Seus outros tios, Ecko e Carlinhos Três Pontes, também foram mortos em operações policiais.
A Liga da Justiça, milícia formada inicialmente por policiais expulsos e aposentados, se transformou com Carlinhos Três Pontes, que nunca foi policial. Ele começou a chamar traficantes para compor a milícia, e expandiu a relação com o tráfico. Carlinhos foi morto numa operação em 2017.
A Liga rachou, mas a maior fatia ficou com Ecko. Durante anos, Ecko comandou o período de maior expansão da milícia.
Faustão, sobrinho morto nesta segunda (23), era considerado o segundo na hierarquia, especialmente na região de Paciência, berço da família.
Há quantos anos você acompanha a dinâmica das milícias no Rio? Como poderia dar a dimensão do crescimento desses grupos?
Acompanho essa situação há muitos anos. E o que se vê é uma piora ano após ano – com um momento de maquiagem pelas UPPs. A área da Região Metropolitana do Rio controlada por grupos armados cresceu 131% e 49,9% da área territorial do Grande Rio está sob domínio das milícias – superou o tráfico.
As milícias controlam 74,2% das áreas ocupadas por grupos armados na capital. 29,8% da cidade hoje é dominada por algum grupo. Três em cada quatro áreas controladas por criminosos no município estão sob o domínio da milícia.
Isso se dá em meio a um negacionismo extremo – como é tratada a politica de segurança não só no Rio. Em 2008, houve a CPI das milicias – centenas de pessoas identificadas e presas. O problema foi exposto. E veja bem: na década seguinte esse problema enorme não foi contemplado nos planos de segurança. Com toda aquela exposição as milicias sairam dos holofotes, mas cresceram muito nas sombras. Quando se viu, era 2018 e Marielle Franco estava sendo executada no centro da Cidade. Hoje em dia todo mundo sabe ao menos o nome de um miliciano.
Diante do tamanho desse poderio, o governador e a polícia do RJ não deveriam estar preparados para um revide da milícia após a morte de Faustão?
Deveriam estar preparados. Mas Cláudio Castro é um governador ilustrativo, não tem nenhuma influencia sobre seus secretários ou sobre a segurança no estado, que hoje é comandada por (Rodrigo) Bacellar, deputado, presidente da Assembléia Legislativa. A base do governo rachou.
Castro não conseguiu segurar o secretário de Polícia Civil no cargo por mais de três semanas. Entrou um influencer indicado por Bacellar. Este grupo que está dominando as decisões da segurança recebeu a alcunha de “Novo Cangaço” na Alerj. O proximo alvo é a secretaria da PM
Somado a isso, não há plano de segurança no Rio – a secretaria de segurança foi extinta por Witzel. O Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública, do MP, foi extinto em 2021. O Rio de Janeiro está largado à própria sorte.
Qual o.peso do governo federal nessa equação, o que poderia fazer para ajudar realmente a resolver o problema?
Os deputados da base aliada de Castro ficaram irritados com ele quando ele não conseguiu segurar a indicação do Leonardo Almada à superintendência da Polícia Federal do Rio – o que demonstrou fraqueza para a base aliada, que acabou de rachar com ele…
Existe uma indisposição das forças estaduais com as “interferências” do governo federal no Rio. Antes, quando havia uma secretário de Segurança, isso era mais controlável. Agora não.
Espero que Cappelli – que está toda semana no Rio – saiba que a Segurança Pública no estado não vai se resolver com jantares na Firjan (Federação das Indústrias). A Segurança Pública está sendo determinada na Alerj.
Já tivemos Força Nacional, já tivemos Exército e intervenção federal. Estamos aqui no mesmo lugar. Estas ações se mostraram ineficazes e cosméticas. Aliviam temporariamente alguma situação pontual – e passam.
O governo federal tem o dever de tirar o SUSP (Sistema de Segurança Pública) do papel e estabelecer um plano nacional de segurança. Isso não existe. Um país como o Brasil não ter sequer um indice nacional de homicidios é um acinte.
Sabemos que o trafico e as açoes das milicias não são um problema local do Rio – os grupos aqui presentes agem inclusive em outros estados. É preciso haver uma coordenação nacional para trabalhar isso.
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