Por Karla Gamba
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) voltaram a cogitar a possibilidade de julgar, já no segundo semestre de 2024, uma ação que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
Essa possibilidade — que, no momento, não é consensual — sinaliza uma mudança na direção do que vinha sendo costurado nos bastidores da Corte nos últimos meses e está relacionada ao projeto que ficou conhecido como “PL do estuprador”, que pretende dificultar o aborto nos casos já previstos em lei (estupro, risco de vida da gestante e fetos sem cérebro).
De maneira geral, havia uma avaliação comum entre os magistrados de que casos considerados “polêmicos” não deveriam mais ser pautados neste ano.
A mudança de direção começou a se manifestar de forma mais concreta nas últimas semanas, sobretudo após o presidente do Tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, pautar o retorno do julgamento sobre a descriminalização do uso pessoal de maconha. Alguns colegas apelaram ao presidente para que o tema não fosse discutido agora, mas Barroso preferiu manter a discussão e o julgamento foi concluído na quarta-feira (26/6).
Em março, a coluna noticiou o movimento de ministros, assessores e interlocutores importantes da Corte no sentido de convencer o presidente Luís Roberto Barroso a deixar de lado, pelo menos até o fim do ano, julgamentos como esse do aborto. Vários fatores estavam sendo levados em consideração, entre eles, a circulação de muita desinformação sobre o assunto; e o cenário de impopularidade do Tribunal perante a opinião pública, junto ao ano eleitoral, que poderia “inflamar” setores da sociedade que reivindicam o fim do STF ou impeachment de ministros. À época, ministros ouvidos pela coluna relataram que Barroso concordou com os argumentos.
Decisões recentes
Agora, interlocutores mais próximos do gabinete da presidência do Supremo e outras fontes do Tribunal relataram à coluna que Barroso não é voz uníssona nessa mudança de rumo e apontaram decisões recentes de outros ministros, entre eles Alexandre de Moraes e Flávio Dino, como fortes indícios disso.
Recentemente, Moraes suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a assistolia fetal, um tipo de procedimento utilizado para induzir a interrupção da gravidez em casos que já são autorizados pela legislação brasileira. Na última sexta, Moraes também suspendeu processos movidos pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) contra médicos que vinham realizando assistolia conforme prevê a lei, e fixou um prazo para que o Conselho e a prefeitura justificassem o motivo de terem negado a realização desses procedimentos, descumprindo decisões judiciais. Entre os casos, estavam os de mulheres que engravidaram em decorrência de violência sexual.
Outro decisão vista nos bastidores da Corte como favorável à discussão do tema nos próximos meses foi a do ministro Flávio Dino, que incluiu na pauta do plenário virtual, na primeira semana de agosto, um recurso em que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) pede a anulação do voto da ministra Rosa Weber. Antes de se aposentar, a ministra Rosa, que era a relatora da ação, votou pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
Assessores próximos do presidente da Corte reforçam ainda que a discussão do PL do Estupro no Congresso Nacional preocupou ministros. O PL chegou a ter a urgência na tramitação aprovada na Câmara, mas a repercussão negativa e manifestações populares impediram que a proposta fosse levada à votação no plenário. Dias atrás, Barroso chegou a comentar publicamente a “confusão” que o debate provoca e, em tom de crítica a pontos que estavam previstos no projeto apresentado na Câmara, afirmou que “ser contra o aborto não significa prender mulher”.
No momento, a decisão de colocar ou não o processo em julgamento no plenário do Supremo cabe, exclusivamente, ao ministro Luís Roberto Barroso. Isso não só porque Barroso é o atual presidente da Corte, mas também porque o magistrado foi quem pediu vista (mais tempo para analisar) o processo.
Duas teses estão em discussão no STF: uma já mais avançada, que era relatada pela ministra aposentada Rosa Weber, na qual se decide a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação; e outra apresentada no ano passado, que pede que a punição de abortos praticados por terceiros seja equiparada ao crime de homicídio qualificado.
Atualmente, a legislação brasileira autoriza que o aborto seja realizado em caso de estupro, anencefalia (alteração na formação do cérebro do feto), ou se a gravidez representa risco de vida à mulher gestante.
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