Por Cristiane Sampaio — Brasil de Fato
A votação da proposta que regulamenta o uso da Inteligência Artificial (IA) no Brasil foi adiada no Senado. O texto está em debate em uma comissão especial da casa, mas enfrenta oposição por parte de alguns setores, entre eles a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e as plataformas digitais, como Google e Meta, a empresa detentora do Facebook, do Instagram e do WhatsApp. A votação estava prevista para terça-feira (9).
O adiamento foi anunciada pelo presidente do colegiado, Carlos Viana (Podemos-MG). “Nós não vamos votar até que a gente tenha esclarecido ponto a ponto de tudo isso”, disse o parlamentar, ao afirmar ainda que a prorrogação se deu para atender um pleito de parte dos senadores, e não exatamente de setores críticos à proposta.
Presidente da Frente Parlamentar de Ciência, Inovação e Pesquisa, o senador Izalci (PL-DF) disse que, da forma como está redigido, o parecer em debate tende a “inibir a inovação”. Ele citou relatório da CNI que cita risco de “dificuldades” criadas ao setor e defendeu que seja dado “um tempo” para se discutir melhor o tema após o recesso legislativo, que começa no próximo dia 18 e termina no início de agosto.
Regras sobre uso da inteligência artificial
A proposta em debate no Senado é o Projeto de Lei 2338/2023, de autoria do presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que fixa regras gerais e de abrangência nacional para o “desenvolvimento, a implementação e uso responsável de sistemas de inteligência artificial (IA)”.
O PL tem como relator o senador Eduardo Gomes (PL-TO). Caso receba aval da comissão especial em que é discutido, o texto será encaminhado ao plenário. A proposta também precisa passar por análise da Câmara dos Deputados.
O pedido de adiamento da votação, endossado por parlamentares bolsonaristas como Marcos Rogério (PL-RO) e Marcos Pontes (PL-SP), foi comentado por Carlos Viana, que reagiu às críticas de que o PL irá promover a censura.
“Temos a responsabilidade de entregar um projeto que vai entregar ao país a possibilidade de defender os direitos individuais, de defendermos a democracia e, principalmente, de caminharmos juntos com as nações mais desenvolvidas porque todas elas estão criando regulação para esse setor. Nós não podemos fugir dessa responsabilidade”, afirmou.
Senador diz que não há pressa
Viana destacou que a proposta envolve certa “complexidade” e interesses de diferentes setores. “Tenho falado isto com o senador Eduardo Gomes: não há pressa em votar, tanto que nós fizemos 12 audiências públicas. Todos os setores participaram, do governo ao Judiciário e aos setores econômicos. São inúmeras, milhares de colaborações que nós estamos colocando desde o início”, disse.
“Agora, existem no Parlamento hoje aqueles que querem a discussão, a mídia para ganhar dinheiro, e para se aproveitar da desinformação da população. Está lotado de gente que faz isso em rede social, que levanta o argumento de ‘censura’, mas porque ganham em cima disso. O Senado não é a casa para esse tipo de palco, pra este tipo de picadeiro.”
“Agora, existem no Parlamento hoje aqueles que querem a discussão, a mídia para ganhar dinheiro, e para se aproveitar da desinformação da população. Está lotado de gente que faz isso em rede social, que levanta o argumento de ‘censura’, mas porque ganham em cima disso. O Senado não é a casa para esse tipo de palco, pra este tipo de picadeiro.”
O presidente indicou ainda que o colegiado irá trabalhar para garantir que o projeto siga adiante na casa. “Há uma diferença entre o que é popular e o que é populista. Popular é o assunto que interessa a todos. Populista é o que explora o medo, o sentimento das pessoas e a desinformação. Muitos dos que estão se levantando para criticar o PL são populistas”, afirma.
“Estão se utilizando daquilo que as pessoas não sabem justamente para manterem os likes e até pra ganharem dinheiro com isso. Vamos dar os prazos aos senadores. Vamos trazer tudo que for detalhe pra gente tomar uma decisão que faça avançar porque, se a gente criar aqui um PL muito polêmico, ele também não avança nem no plenário.”
Sociedade civil se opõe ao adiamento
Presente na comissão para assistir a sessão desta terça, a jornalista e militante Ramênia Gallas lamentou o novo adiamento da votação da proposta, que tramita na casa desde maio do ano passado. A profissional acompanha as discussões em torno do projeto como representante do coletivo Intervozes e pela Coalizão Direitos na Rede, conjunto de mais de 50 organizações que lidam com o tema dos direitos digitais.
“Esse novo adiamento atrapalha o processo, e a gente acha isso muito ruim, porque a gente sabe que tem alguns problemas nesse PL, mas a gente entende que isso pode ser discutido de forma mais ampla no plenário. O que já pode ser refinado desse projeto o relator já tinha refinado e debatido”, diz Ramênia Gallas.
“Há um embarreiramento muito grande das plataformas em relação a qualquer tipo de regulação. É algo danoso porque a gente percebe um movimento que está tendo muita força dentro do parlamento, especialmente por parte das plataformas de inteligência artificial”, afirma Ramênia Gallas do coletivo Intervozes
Na segunda (8), a Coalizão e cerca de 30 entidades veicularam uma carta pública em que pedem a votação e a aprovação do PL 2338/2023. Ao longo de nove páginas, o documento destrincha uma série de aspectos. Em primeiro plano, o grupo argumenta que, a IA pode “proporcionar inúmeros benefícios à sociedade, nomeadamente na promoção dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU”, mas carece de normas para a sua utilização porque também traz riscos potenciais.
“A IA, de um lado, já facilita algumas atividades e, de outro, também gera danos e violações concretos, ao reforçar práticas discriminatórias, excluir grupos historicamente marginalizados do acesso a bens e serviços essenciais, apoiar a desinformação, minar processos democráticos, incrementar a vigilância, exacerbar as alterações climáticas, acelerar o epistemicídio de indígenas, línguas e culturas locais, e intensificar a insegurança no emprego”.
“Para garantir que os sistemas de IA promovam inovação baseada em direitos humanos, na ética e na responsabilidade, é fundamental estabelecer regras mínimas para salvaguardar os direitos dos indivíduos afetados, as obrigações dos agentes de IA, as medidas de governança e a definição de um quadro regulamentar de supervisão e transparência.”
O segmento rebate ainda o argumento de que o PL pode prejudicar o desenvolvimento e a busca pelas práticas de inovação no país. “Pelo contrário, uma regulamentação eficaz que proteja os direitos é uma condição indispensável para o florescimento de produtos e serviços de IA responsáveis que melhorem o potencial humano e o Estado de direito democrático”, finaliza o documento.
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