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Por Beatriz Drague Ramos e Pedro Stropasolas — Brasil de Fato

Correr dos agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) com os pertences na mão já faz parte da rotina de Edivânia Maria da Silva. Entre alguns períodos curtos vivendo em ocupações, a mulher de pouco mais de 50 anos conta que, dos últimos 30, passou a maior parte do tempo na rua.

Há pouco tempo ela perdeu uma filha de três anos, diagnosticada com um linfoma no intestino. Enquanto estava com a criança no hospital, ela recebeu a notícia de que um incêndio havia atingido a ocupação em que vivia, em um edifício na região da Santa Efigênia, o que a fez retornar a vida nas ruas da capital.

Mãe de outros sete filhos, ela conta que hoje todos estão “espalhados” pela cidade, morando em ocupações. Atualmente, ela tenta ter uma opção de renda vendendo balas e água pelo centro de São Paulo, mas denuncia a truculência dos fiscais e da GCM no recolhimento de suas mercadorias. “A gente não tem nada e quando tem, levam. A gente vai ter o quê? Se a gente tem um documento, se a gente tem uma roupa levam, então a gente vai sobreviver de quê?”, questiona.

Edivânia é uma das cidadãs atendidas pela subprefeitura da Sé, comandada pelo ex-comandante-geral da PM, Coronel Camilo, que abrange oito distritos do centro de São Paulo — Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República, Santa Cecília e Sé.

A região é palco da sensação de “insegurança” dos paulistanos, por um lado e, por outro, local de conflitos entre a GCM, trabalhadores e pessoas em situação de vulnerabilidade social. O cenário, de acordo com moradores da região, vem se intensificando nos últimos anos com a militarização das guardas.

O subdistrito da Sé — que está dentro da subprefeitura de mesmo nome — apresenta o maior índice de agressões por intervenção policial entre os 96 distritos da cidade de São Paulo, de acordo com o último Mapa da Desigualdade da Cidade de São Paulo, divulgado em 2023. Em seguida, estão os distritos de Santa Cecília, Bom Retiro, Brás e Barra Funda, respectivamente.

Com exceção da Barra Funda, todos os distritos citados acima fazem parte da subprefeitura da Sé ou da Mooca, esta também chefiada por um militar, o coronel Marcus Vinícius Valério, oficial da Reserva Polícia Militar do Estado de São Paulo. As duas são as únicas comandadas por militares dentre as 32 subprefeituras.

Além da administração militar nos postos de comando das subprefeituras, são marcas da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) a militarização da GCM e a intensificação da chamada Operação Delegada. Nessa ação, PMs trabalham na cidade durante as folgas para coibir o comércio irregular e são pagos pelo município.

“Eles batem nos idosos e espancam as pessoas quando a gente não entrega tudo o que eles querem. A gente fica morando na rua, desempregado. Muitos querem vender água, bala, muitos querem sobreviver, como viver nessa vida?”, indaga novamente Edivânia ao se referir às dificuldades de comercializar produtos básicos na rua.

É perto da estação da Consolação e da Armênia que saem “levando tudo”, diz Eliene Santos da Silva. Ela não está mais em situação de rua e vive no Bom Retiro. Hoje trabalha no Programa Operação Trabalho PopRua, um programa da Prefeitura de São Paulo que oferta oportunidades de emprego para a população em situação de rua da capital paulista.

Eliene combina essa atividade com a venda de produtos na Marginal Tietê e conta que a repressão é constante. “Eles não querem saber se a pessoa está ali dormindo, se está frio, eles pegam, botam no caminhão e saem levando as mercadorias. Não respeitam a gente, puxam a arma. Se você não quiser dar o carrinho, eles puxam a arma. ‘Se correr, vou atirar’, eles dizem. É muito sofrido para a gente”, desabafa.

“Para haver ação humanitária, precisa que os coronéis deixem o seu coronelado”

As ações truculentas se acentuaram nos últimos anos com o ingresso de militares no comando das subprefeituras da Sé e da Mooca, aponta Robson César Correia de Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo. Ele organiza a entrega de 3,6 mil refeições diariamente na Unidade de Acolhimento Amor à Vida, espaço inaugurado com apoio da Prefeitura de São Paulo e que disponibiliza também 300 camas para as pessoas que vivem em situação de rua na região central da capital paulista.

Apesar de reconhecer a abertura de diálogo com a atual gestão, que resultou na abertura do espaço na Rua General Carneiro, ele critica veemente as ações violentas do ‘rapa’ ao recolher pertences. “Quando tiram cobertor em uma baixa temperatura, é dizer: ‘morra, porque para nós você não é nada'”, pontua a liderança.

Ele revela que o ‘rapa’ não vem respeitando o decreto Nº 59.246, de 28 de fevereiro de 2020, publicado pela Secretaria Municipal das Subprefeituras. A norma dispõe sobre os procedimentos e o tratamento dado à população em situação de rua durante as ações de zeladoria urbana.

“O decreto diz que primeiro tem que haver um diálogo, tem que se avisar o horário e o dia que ela vai passar. Isso não ocorre. Que tem que entregar o lacre também não ocorre. Às vezes tomam um carrinho de mercado dizendo que é produto de um furto. Quando eles falam isso aí, eles estão cometendo uma grande infração contra a lei, porque para haver um furto, tem que haver um BO [Boletim de Ocorrência] sobre aquele produto. Quando não há um BO sobre um carrinho de mercado, ele acusa a pessoa de ter roubado, seja um carrinho, seja um celular, seja o que for, e não existe nenhum registro contra isso, é calúnia contra esse cidadão”, explica.

Na visão dele, as ações truculentas vão em sentido contrário à ideia de uma polícia comunitária. “Acham que para ser observado, para ser respeitado, tem que se impor. Não temos uma polícia pacificadora, não temos uma polícia protetora, apesar de como diz na viatura da GCM: protetora, aliada e amiga.

Mas aí eu faço a pergunta. De quem? Se ajudam a levar as coisas da população, estão sendo coniventes com o descumprimento de um decreto. Então há essa questão militarista, as ações vão ser militaristas e não humanitárias. Para haver ação humanitária, precisa que os coronéis deixem o seu coronelado de lado e assumam o seu papel de cidadãos.”

Guaracy Mingardi, que é ex-policial civil e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que não é incomum a presença de militares nas subprefeituras paulistanas, o que pode acarretar em um desvio de função de um subprefeito.

“Você escolher um coronel para colocar em uma subprefeitura, porque ele cuida de segurança, não é a função da subprefeitura, essa é talvez a menor das funções da subprefeitura. A subprefeitura tem cuidar da cidade, tem cuidar da população dali, melhorar o nível de vida da população. Cuidar de buraco ver onde falta a luz, é o contato direto com a população. Na subprefeitura, você teria que ter gente ajudando a fazer o trabalho da polícia comunitária”, explica Mingardi.

O especialista fala sobre qual deveria ser o papel da guarda municipal na sua atuação local, e por que os agentes deveriam fazer o policiamento comunitário. Esse trabalho hoje é feito pela PM na região do Brás dentro da Operação Delegada.

“A Prefeitura vai definir tanto o policiamento de uma área como o que vai mexer na urbanização, então, juntando essas duas coisas, você pode melhorar, por isso é importante ter a Guarda Municipal, que tem um caminho direto para falar com a Prefeitura. O policiamento comunitário implica em falar com as pessoas, saber o que está acontecendo, ouvir as reclamações e passar adiante para resolver aquilo”, completa.

Operação Delegada e ambulantes do Brás

O corre-corre de trabalhadores ambulantes que comercializam produtos no Largo da Concórdia, no Brás, localizado no centro expandido, é cada vez menor. Isso porque o local que abrigava dezenas de barracas agora dá lugar ao vazio e ao trânsito de policiais militares, que fazem rondas periódicas na praça, assim como pedestres que saem ou entram em um dos acessos da estação Brás.

Ao mesmo tempo em que quase não há mais comércio ambulante no local, a violência contra os trabalhadores que procuram novos pontos de venda no mesmo bairro não para de aumentar, segundo relatos obtidos pela reportagem, que esteve no local em novembro de 2023 e em agosto deste ano.

“Policial aqui não tem regra, ele usa a regra da conveniência dele, puxa a arma, botam os trabalhadores deitados e botam o pé em cima do pescoço dos trabalhadores, jogam spray de pimenta só em você filmar a operação. Eles dão pancada na cabeça do trabalhador. Tomam mercadoria, colocam dentro das viaturas, sem lacres, sem nada, é um horror”, diz o vendedor ambulante José Pedro dos Santos Neto.

Segundo o prefeito Ricardo Nunes, são investidos R$ 1 milhão de reais por dia na chamada Operação Delegada. “Realmente na Operação Delegada nós tínhamos 400 policiais militares. Hoje são 2,4 mil policiais militares atuando na cidade de São Paulo. Nosso investimento é de R$ 1 milhão de reais por dia nessa operação. Além de ter ampliado também 2 mil guardas civis metropolitanos”, disse o prefeito durante debate transmitido pelo jornal Estadão.

O valor gasto na Operação Delegada em cinco meses é o equivalente a todo o orçamento previsto para a Subprefeitura da Sé em 2024. Segundo dados da gestão municipal, o montante previsto para o órgão é de R$ 126,78 milhões, enquanto foram investidos ao menos R$ 150 milhões com a operação.

“Camelô não é ladrão, e sim profissão” foi o mote do protesto dos ambulantes nesta terça-feira (3) na região do Brás. (Foto: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos)

Questionar o alto custo da operação foi um dos motivos que levaram os trabalhadores ambulantes da região do Brás a ocupar o Largo da Concórdia nesta terça feira (3). Com o lema “Camelô não é ladrão, e sim profissão”, eles denunciaram a repressão levada a cabo por policiais militares na região central.

“É muita grana por dia, 30 milhões por mês para ficar atrás de ambulante, atrás de pessoa que está ali para ganhar o pão. Quando a gente passa na rua, os ambulantes, que não tem o documento, falam: ‘me ajuda’. A polícia vem, retira, eles jogam no lixo, quebram. Então fica um desespero danado”, afirma José Gomes da Silva, presidente do Sindicato dos Permissionários (Sinpesp).

José Nilo Anunciação, ambulante e presidente da União Nacional dos Deficientes Físicos, diz ter dificuldades no diálogo com o subprefeito da Sé. “Digamos que o subprefeito da regional Sé, por exemplo, que é o capitão Coronel Camilo, ele não recebe a gente. Fizemos várias tentativas, ele manda o subordinado dele, e acaba não resolvendo nada. Eu acho que existe até um certo deboche quando a gente participa de reunião. O aumento [da violência] veio mais dessa gestão do militarismo. Depois que eles assumiram, a coisa ficou bem mais difícil. As ações deles são muito duras, inclusive com as pessoas que mais necessitam da sociedade.”

Em paralelo a isso, a falta de formalização do trabalho dos ambulantes, que já não conseguem mais adquirir o chamado Termo de Permissão de Uso (TPU), e as dificuldades de acesso no programa Tô Legal, destinado à regularização de vendedores ambulantes na capital. vêm criando um cenário de desespero e de ilegalidades na região, diz José Pedro.

“Os trabalhadores estão chegando no limite e quando os trabalhadores chegam nesse limite, que falta o pão de cada dia em casa, ninguém pode saber o que pode acontecer. Aqui mesmo no Brás, na feira da madrugada, tem algumas ruas em que podem trabalhar, onde estão trabalhando é porque estão pagando propina e outras que se negam, não trabalham”, pontua o trabalhador.

Na mesma linha, a vendedora ambulante Lhayss Rodrigues de Sousa, diz que a prática de propina para autorizar a venda dos produtos dos ambulantes na região do Brás é corriqueira. “Eles querem oprimir a gente para pagar propina, para ganhar de alguma forma e quando a gente vai em reuniões com a Prefeitura, com a subprefeitura, fica bem claro que eles não querem uma negociação para deixar a gente trabalhar, ou formalizar uma lei, ou política pública que possa entender o do lado e se formalizar isso.”

A revitalização do centro e a atuação da Prefeitura estão conectadas, diz José Pedro. “É uma lógica de poder, de limpeza de um povo trabalhador que vive, que quer ter acesso mínimo ao centro, seja para ganhar o seu pão de cada dia, seja para morar, seja para participar.”

O que diz a Prefeitura e a Secretaria de Segurança Pública de SP

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo questionando se há alguma investigação aberta acerca da conduta de policiais militares que agiram com truculencia contra ambulantes no centro de São Paulo

A reportagem questionou também a SSP sobre quem é responsável por fiscalizar o trabalho dos PMs da Operação Delegada e se seria permitido retirar as mercadorias dos trabalhadores ambulantes sem a presença de fiscais da prefeitura de São Paulo.

A SSP retornou pedindo detalhes sobre os fatos perguntados, informando que não era possível apurar com precisão a partir de “dados genéricos”.

A reportagem, então, encaminhou quatro vídeos enviados por trabalhadores ambulantes mostrando excessos cometidas pelos PMs em abordagens no centro de São Paulo, mas a SSP-SP não retornou. O espaço segue aberto.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informa que atua para que as regras naquela região sejam cumpridas, conforme prevê a legislação.

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) informou também que a Guarda Civil Metropolitana não possui relação com a “Operação Acolhida”, citada pela reportagem.

 

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