Contrariando todos os prognósticos de agentes do mercado financeiro, a economia brasileira tem tido bom desempenho até aqui, com PIB (Produto Interno Bruto) crescendo, desemprego em baixa e renda estável. Mas, na avaliação de Luis Nassif, jornalista especializado em economia e comentarista do ICL Notícias, “a taxa de juros [Selic] está desorganizando toda a economia”.
Atualmente em 11,25% ao ano, o patamar da taxa básica de juros coloca o Brasil na terceira posição como a maior taxa de juro real do mundo (quando é descontada a inflação), conforme monitoramento da consultoria MoneyYou.
O percentual elevado, segundo Nassif, estrangula a capacidade de investimento das indústrias e o poder de compra do brasileiro, que volta a se endividar com o custo do crédito mais elevado.
“Quando você joga uma taxa Selic nesse nível, uma taxa futura extremamente elevada, você tem dois comportamentos das empresas: a empresa que tem dinheiro em caixa fala ‘pô, vou aplicar no meu negócio aqui que eu não vou ter um retorno’; a outra vai para títulos públicos. Então, a oferta fica paralisada e a capacidade do consumidor com a volta do endividamento fica incapacitada”, explicou o jornalista na edição de ontem (25) do programa ICL Mercado e Investimentos, comandado pelos economistas Deborah Magagna e André Campedelli.
Esse cenário não permite ao brasileiro vislumbrar o futuro, ainda que a economia, no presente, esteja indo razoavelmente bem. “O estado de espírito da população é muito influenciado pela expectativa. Hoje, [ela] avalia que está um pouco melhor do que no passado, mas não sabe como vai ser no futuro”, disse.
Muito do resultado econômico colhido hoje, na avaliação dele, está relacionado com a PEC da Transição (Proposta de Emenda da Constituição), que abriu um espaço de R$ 145 bilhões acima do teto de gastos (atual arcabouço fiscal, regra que limita o crescimento de despesas), permitindo que o governo Lula 3 iniciasse com um mínimo de governabilidade.
“O orçamento especial aprovado bem no início do governo permitiu um aumento dos gastos públicos, uma melhora da economia, um PIB que surpreendeu todo mundo, uma melhora do emprego, da indústria e do serviço”, pontuou.
Mas, a despeito dos bons números da economia, há muitas questões dentro do cenário político que interferem na visão da população sobre o governo.
Para Nassif, carece ao governo Lula 3 uma marca próprio, a exemplo do que aconteceu em 2007, 2008, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando ele conseguiu enfrentar a crise econômica global de 2008 com bastante propriedade.
“Não tem uma marca do governo, você tem um ministério muito fraco, sem criatividade, sem inovação. E tem uma imprensa que joga pesado, tem um mercado que cria um conjunto de armadilhas. E tem a taxa Selic. Quando se faz um cenário para o próximo ano, você tem um conjunto de incógnitas aparecendo que preocupam muito”, observou.
Fator Trump preocupa, diz Nassif
O principal fator de instabilidade para o próximo ano é a vitória do republicano Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos, inclusive para a balança comercial brasileira. O país norte-americano é o segundo maior parceiro brasileiro na troca de bens.
“Há dois movimentos do Trump que vão atrair dólares para lá. Um é a promessa dele de dar isenção fiscal, redução de tributos para as empresas; o outro são as tarifas em cima de importados que vai ter reflexos sobre a inflação americana e, também, vão levar a um aumento de taxa de juros”, disse.
Os movimentos de Trump devem provocar mudanças no cenário geopolítico local, tornando difícil prever o que pode ocorrer com o Brasil.
“À medida que os Estados Unidos coloquem tarifas muito elevadas para a China, pode desviar a produção para outros países, como no caso do Brasil, ou pode haver algum acordo para a China adquirir bens agrícolas dos Estados Unidos, prejudicando as exportações brasileiras. Então, digamos, os fatores que permitem à Faria Lima fazer o seu jogo estão muito presentes no ar”, completou.
Em relação ao pacote de corte de gastos que deve ser anunciado ainda esta semana pelo governo, Nassif avaliou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando quer atender à pressão do mercado financeiro, “acaba desagregando a base de apoio do Lula sem conquistar a direita”.
Porém, lembrou que o ministro sempre alertou para a apropriação do Orçamento por parte das elites econômicas. “Tenho a impressão que esses cortes virão com a tentativa de cortar também privilégios de setores econômicos. O grande problema é que, quando bate no Congresso, o Congresso segura”, frisou.
Enfrentando a direita
Embora considere o Orçamento um instrumento fundamental na definição de uma estratégia de governo, Nassif acredita que Lula poderia lançar mão de outros instrumentos de governabilidade, especialmente para enfrentar o avanço da extrema direita e sua narrativa do empreendedor individual.
“Um presidente tem outras outras formas de poder. A palavra é um poder relevante. O discurso é um poder relevante. A capacidade de articular políticas públicas em cima dos atores públicos é relevante. O Brasil tem um baita de um potencial que são aquelas estruturas de alcance nacional, como os movimentos sociais, o sistema S [Sesi, Senai, Sesc etc.], as associações comerciais de cooperativismo, a estrutura da Caixa Econômica, dos Correios, do Banco do Brasil. Tudo isso permitiria a criação de políticas muito produtivas para fazer contraponto a essa maluquice do empreendedorismo individual da direita. A saída para os setores progressistas é o empreendedorismo coletivo, como faz o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]”, comparou.
Assista à entrevista completa no vídeo abaixo:
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