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Mulheres pressionam, e vereadora desiste de projeto em homenagem a fetos no Recife

Aprovado com facilidade em 1º turno, proposta repercutiu mal e, em uma semana, já não reunia mais condições de aprovação
18/12/2024 | 05h00

Por Vinícius Sobreira

No dia 9 de dezembro, a Câmara de vereadores do Recife (PE) aprovou, em 1º turno, um projeto de lei que pretendia colocar no calendário oficial da cidade o “Dia Municipal do Nascituro”. Na ocasião, sem a presença da autora, a vereadora Michele Collins (PP), a proposta foi aprovada com 18 votos favoráveis e apenas dois contrários, além de uma abstenção e 18 ausências.

O cenário apontava para a aprovação da proposta também no segundo turno de votação. Mas, em uma semana, as negociações tomaram outro rumo e levaram a parlamentar conservadora a retirar o PL de pauta por falta de maioria simples para aprovar a proposta.

Legalmente, o projeto ainda pode voltar à pauta no futuro. Mas há um acordo entre os vereadores do Recife de não colocar em votação projetos de legislaturas anteriores. Sendo assim, é possível que a pauta esteja enterrada, pelo menos até outro vereador propor algo similar.

Com as galerias da Câmara lotadas de mulheres, cantando palavras de ordem como “aborto legal é justiça social” e “criança não é mãe, estuprador não é pai”, a retirada de pauta foi bastante comemorada pelas presentes.

Quando o PL 299/2022 foi anunciado para votação, a autora Michele Collins pediu para discursar. “Esse projeto é bem simples, só tem quatro artigos. Não é obrigatório que a Prefeitura promova a comemoração deste dia. Somente se houver disponibilidade financeira, orçamentária e administrativa”, disse ela. “Eu nunca vi, em 12 anos aqui nesta casa, alguém ir contra o ‘dia de alguma coisa’. Eu não estou entendendo por que existe, nesta Casa, um movimento contrário”, reclamou.

A vereadora Missionária Michele Collins (PP) cumpriu o seu 3º mandato no Recife e não tentou a reeleição, mas conseguiu eleger o seu filho Alef Collins (PP) (Foto: Carlos Lima/Câmara do Recife)

Collins também compartilhou que, minutos antes, fora abordada pelo vereador Rinaldo Junior (PSB). “Ele chegou aqui, olhou na minha cara e disse que veio aqui para derrubar o meu projeto. Ele veio aqui para articular politicamente, usando o nome do prefeito João Campos. Ele disse que o projeto era difícil para o prefeito. Eu entendo que isso não foi um comando de João Campos, porque ele é a favor da vida”, discursou.

Durante o discurso, as mulheres nas galerias se levantaram e ficaram de costas, o que irritou a vereadora. “Se as mães de vocês tivesse abortado, nenhuma de vocês estaria aqui. A esquerda que está nesta Casa, junto com partidos como o PT, PCdoB, PSOL, querem matar as crianças no ventre da mãe”, bradou.

Ela apelou aos colegas para votarem a favor do seu projeto, constrangeu alguns que já haviam votado favoravelmente no 1º turno e lembrou que estava se despedindo do mandato — o que foi comemorado nas galerias. “Mas, para a glória de Deus, o Alef Collins já está sentado ali, a cadeira está garantida”, rebateu a vereadora em referência ao seu filho, eleito para a próxima legislatura. Nada adiantou. No fim do seu discurso, Michele Collins pediu ao presidente da sessão que retirasse o projeto da pauta.

O projeto ainda poderia ser apreciado nesta terça-feira (17), durante a última sessão plenária da Câmara do Recife em 2024. Mas, sem os votos necessários, Collins abriu mão de colocá-lo em votação.

Articulação para barrar o projeto

Desde o último dia 9, movimentos e grupos feministas iniciaram articulações com os partidos e com a gestão municipal, visando barrar o projeto. A Secretaria de Mulheres do PT conseguiu o compromisso dos três vereadores do partido — Liana Cirne, Osmar Ricardo e Jairo Britto — para votarem contra o projeto. Na primeira votação, nenhum deles votou contra.

Também foram envolvidos o presidente da Câmara de Vereadores, Romerinho Jatobá (PSB); os líderes da bancada do PSB, que possui 15 dos 39 parlamentares da Casa; a Secretaria de Mulheres da gestão municipal; além da própria influência da gestão João Campos (PSB) sobre outros vereadores da base governista. Até a evangélica Ana Lúcia (Republicanos), liderança da Igreja Universal, fez discurso contrário ao projeto.

Na terça-feira (10), dia seguinte à aprovação em 1º turno, com repercussão negativa nas redes sociais, a mesa diretora da Câmara cedeu a presidência da sessão para o vereador Ivan Moraes (PSOL), um dos dois que votaram contrariamente ao projeto no dia anterior. Durante a leitura da Ordem do Dia, utilizando os atributos da presidência da sessão, Moraes decidiu retirar o PL 299/2022, ficando a apreciação para esta segunda (16).

As mulheres levaram cartazes e faixas em defesa do direito ao aborto legal e seguro (Foto: Assessoria do vereador Ivan Moraes Filho)

O “Dia do Nascituro”

O Projeto de Lei nº 299/2022 visa instituir no calendário oficial do Recife o dia 8 de outubro como “Dia Municipal do Nascituro”. Se aprovado em 2º turno, seguirá para sanção do prefeito João Campos, tornando-se lei. O texto sugere que a prefeitura, através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, invista recursos públicos em atividades alusivas à data. “Nascituro” é como o campo conservador passou a chamar os fetos e embriões.

Alguns políticos têm defendido que fetos e embriões sejam reconhecidos como “sujeitos de direitos”. Isso, segundo movimentos feministas, serviria de base para a argumentação de que todo e qualquer aborto deve ser criminalizado, retirando das mulheres o direito ao aborto legal e seguro nos casos hoje cobertos pela lei: gestações decorrentes de um estupro; gestações com risco de morte para a mulher; e gestações em que o feto não formou cérebro (anencéfalo) e, portanto, não conseguirá sobreviver fora do corpo da mulher.

Pautas do tipo têm surgido também na Câmara Federal, buscando a criminalização do aborto em quaisquer situações, revelando a intenção de setores da direita em retroceder nos direitos das mulheres decidirem sobre seus próprios corpos e suas próprias vidas.

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