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Saiu a pesquisa sobre a eleição em São Paulo com Guilherme Boulos em primeiro lugar, Pablo Marçal em segundo e o atual Prefeito em terceiro. Difícil de acreditar. Vinte por cento da população da cidade votaria hoje (ou diz que votaria, o que, apesar de tudo, é diferente) em alguém cujo discurso de campanha se resume à maledicência e ao insulto. Na semana passada, por exemplo, resolveu criticar o ensino da Teoria de Evolução nas escolas, ao mesmo tempo que afirmava num debate que a candidata Tabata Amaral estuda as suas propostas porque não tem marido e que, assim sendo, fica livre dos afazeres domésticos que um cônjuge sempre exige. Que dizer?

Primeira questão: será este um episódio de curta duração? Será este candidato um cavalo do Paraguai, como os especialistas de pesquisas costumam chamar aos que partem na frente e terminam em último? Ou será que o eleitorado descobriu um novo protagonista que diz as coisas com que se identifica? De forma breve: será a sondagem pura diversão do eleitor ou o eleitorado anda mesmo à procura de um novo Bolsonaro?

Se quisermos levar a sério o resultado da pesquisa temos de ir mais longe na análise. Temos de dizer mais. Alguma coisa está certamente por explicar quando fenômenos deste tipo prosperam. Pela minha parte, o conceito que imediatamente me vem ao espírito é o niilismo. E o niilismo político e social tem por costume irradiar em duas direções — a primeira é o ímpeto de tudo arrasar e não deixar pedra sobre pedra; a outra é a da destruição das categorias de verdadeiro e falso, o que impede qualquer discussão racional sobre a realidade. E como verdade e a mentira caminham juntos com o mal e o bem, os dois pares se confundem (num mundo de pós-verdade sempre podemos dizer que o mal não existe). Na verdade, o niilismo sempre foi a resposta clássica ao vazio de valores e a porta que abre caminho ao abismo moral. Quando já nada é certo ou seguro, resta a violência e a terra queimada: o mundo não precisa da política.

Não deixa de ser divertido ver o aparelho bolsonarista aflito com o seguidor desobediente que decidiu fazer espertezas. Mas ponhamos de parte o divertimento, que o assunto é sério. A pergunta que deve ser feita é a seguinte: quando é que a direita democrática rompe com estes personagens? Quando é que deixa de conviver com o radicalismo e com a indecência? Bem vistas as coisas, o vazio de valores de que esta pesquisa nos dá conta não aflige a política brasileira, mas a direita brasileira.

Todos sabemos que este vazio político, esta propensão para o absurdo, este caminho para fora do terreno da dignidade política, começou em 2018 e, ao que parece, não terminou ainda. Tal como nos Estados Unidos, só terminará quando perderem outra vez. Talvez nessa altura aprendam que não se pode ganhar eleições sem programa, sem ideias — e sem educação. Talvez aprendam que não se disfarça a frivolidade política com brutalidade e provocações. Tudo isso é um engano.

O monstro que a direita criou (ou que ajudou a criar) continuará a assombrá-la e, enquanto não perceber que o eleitorado moderado e de centro nunca a acompanhará nessa descida aos infernos, não será capaz de ganhar uma eleição. Esta sondagem é triste para o Brasil, é certo, mas é essencialmente desesperante para direita que sofre ainda o reflexo de uma crise de espírito que começou em Bolsonaro e que está longe de estar resolvida.

 

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