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Juliana Dal Piva

Formada pela UFSC com mestrado no CPDOC da FGV-Rio. Foi repórter especial do jornal O Globo e colunista do portal UOL. É apresentadora do podcast "A vida secreta do Jair" e autora do livro "O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro", da editora Zahar, finalista do prêmio Jabuti de 2023.

‘Abin paralela’ produziu arquivo ‘pavão’ com telefones que atacaram Demori e Wyllys

Números foram acessados por software espião nove dias antes de perfil fazer primeiros ataques
31/07/2024 | 12h29

Juliana Dal Piva e Igor Mello

Agentes que atuaram na “Abin paralela” fizeram consultas no sistema First Mile, no dia 7 de junho de 2019, com três números de telefones que depois foram utilizados para forjar conversas entre o jornalista do ICL Leandro Demori e os ex-deputados federais Jean Wyllys e David Miranda. As falsas mensagens, utilizadas para atacar os três, foram depois postadas a partir de um perfil no Twitter nomeado de “Pavão Misterioso”. É o que mostra uma investigação feita pela coluna com base em informações colhidas pela PF durante a Operação Última Milha.

A fraude foi usada para tentar descredibilizar o editor responsável pelas reportagens da Vaza Jato e contou com apoio do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ). A Polícia Federal investiga o papel do filho “02”, do ex-presidente Jair Bolsonaro, junto ao esquema criminoso que funcionou dentro da agência entre 2019 e 2022.

As pesquisas no First Mile foram feitas dois dias antes da publicação da primeira reportagem da Vaza Jato e nove dias antes do perfil no Twitter vir a público — o que afasta a tese de que os agentes fizeram as consultas após a repercussão das alegações falsas.

Documento da ‘Abin paralela’ registrou datas

As consultas ilegais no software espião foram feitas em 7 de junho de 2019. Os números falsamente atribuídos a Leandro Demori, Jean Wyllys e, por fim, David Miranda foram pesquisados, respectivamente, às 13h52, 13h58 e 14h06. Um mês depois, em 6 de julho, as imagens foram reunidas em um arquivo chamado “pavão”.

No caso de Demori, por exemplo, o número que se seguia ao nome dele é o “5561998754740”, que foi publicamente postado pelo perfil pavão.

Perfil divulgou número atribuído a Demori monitorado pela Abin paralela

Perfil divulgou número atribuído a Demori monitorado pela Abin paralela

Depois da reunião das imagens no arquivo “pavão”, o documento foi guardado em um diretório da rede da Abin sob responsabilidade do setor de Coordenação de Operações de Inteligência de Sinais e Imagens.

Na época das pesquisas, em junho, o chefe do setor era Fabrício Cardoso de Paiva.  Ele foi um dos alvos da primeira fase da Operação Última Milha da PF que apura a conduta ilegal da agência durante o governo de Jair Bolsonaro.

Ex-assessor de Tarcísio

Pouco depois das consultas, ele foi nomeado para trabalhar com o então ministro Tarcísio de Freitas no Ministério da Infraestrutura, a partir de 24 de junho de 2019, conforme registro no diário oficial da União. Segundo Paiva, ele era coordenador-geral de Pesquisas e Informações Estratégicas da Subsecretaria de Conformidade e Integridade do Ministério da Infraestrutura. Mais tarde, Paiva atuou na segurança de campanha de Tarcísio.

Quando Paiva deixou a Abin para ir para o ministério, ele foi substituído por Luiz Gustavo da Silva Mota, um dos gestores do sistema de espionagem FirstMile, segundo a PF. Mota foi afastado de suas funções desde a primeira fase de investigações do caso, em outubro de 2023.

A coluna não conseguiu contato com Paiva ou Mota. O espaço segue em aberto para manifestações.

O material foi apreendido pela PF e indica que os integrantes da Abin paralela tinham ciência dos planos para a criação do perfil Pavão Misterioso antes que ele viesse a público. A conta foi usada para difundir a narrativa falsa de que o site The Intercept Brasil, responsável por iniciar as revelações da Vaza Jato, contratou um hacker russo para invadir telefones de autoridades, entre elas o ex-procurador da República Deltan Dallagnol.

A Vaza Jato teve sua primeira reportagem publicada em 9 de junho de 2019. Segundo o arquivo apreendido pela PF, as consultas no First Mile aos números falsamente atribuídos a Demori, Willys e Miranda — que era marido do jornalista americano Glenn Greenwald, responsável por receber os arquivos que deram origem à Vaza Jato — foram feitas dois dias antes da publicação, em 7 de junho de 2019.

Já as primeiras postagens do perfil Pavão Misterioso só foram ao ar uma semana depois das primeiras reportagens, em 16 de junho daquele ano.

Pavão misterioso forjou conversas contra Demori, Jean Wyllys e David Miranda

Pavão misterioso forjou conversas contra Demori, Jean Wyllys e David Miranda

Chip com CPF de Demori foi comprado para número descrito por “Abin Paralela’

Ao ser surpreendido pelos ataques, o jornalista Leandro Demori tentou saber junto à operadora de telefonia em qual nome estava registrado o número de telefone publicado pelo perfil “pavão”.

No site da Vivo, Demori consultou seu CPF e descobriu que um chip tinha sido comprado usando ilegalmente sua identificação e o e-mail para recuperação de senha levava a um endereço eletrônico que ele desconhecia. Depois disso, ele tentou medidas extrajudiciais para obter a informação, mas não teve sucesso. A Vivo nunca retornou os pedidos de informação do jornalista.

Difundido por perfis da extrema direita –entre eles os de parlamentares bolsonaristas — o perfil Pavão Misterioso inicialmente forjou um comprovante de transação com criptomoedas para sustentar a narrativa falsa de que Greenwald teria contratado um hacker russo para invadir os telefones de Dallagnol e do ex-juiz Sérgio Moro, aquela altura ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro.

Na ocasião, reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” ouviu especialistas em criptoativos, que apontaram uma série de indícios de falsificações grosseiras no suposto extrato de pagamento.

A ofensiva tinha como objetivo desconstruir as denúncias de parcialidade de Moro, Dallagnol e outros procuradores da Força-Tarefa da Operação Lava Jato na condução de processos contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava preso em Curitiba desde abril de 2018.

Em uma segunda leva de ataques, no dia 6 de julho, o perfil Pavão Misterioso usou os telefones listados no documento da Abin um mês antes para forjar uma conversa entre Demori, Willys e Miranda com mensagens comprometedoras sobre jornalistas do site “O Antagonista”. Os telefones usados para forjar a conversa eram os mesmos monitorados pela Abin um mês antes.

Monitoramento de Jean Wyllys

O grupo também fez monitoramentos ao ex-deputado Jean Wyllys depois das consultas. Na pasta, existia ainda um arquivo produzido em uma página branca, ou seja, também feito extraoficialmente indicando um monitoramento do ex-deputado.

Na página, existia pequeno texto indicando que Wyllys estava vivendo nos EUA e indicava como fonte de informação uma entrevista feita pela jornalista Cynara Menezes com o ex-parlamentar e que foi publicada no blog Socialista Morena em 2 de outubro de 2019.

Na sequência, foi registrado o então endereço de trabalho de Wyllys no Hutchins Center for African and African American Research incluindo até uma imagem que geolocalizou o local onde Wyllys estava lecionando.

A coluna informou Wyllys sobre o monitoramento e os ataques. Ele disse que a “intenção deles era forjar algo de concreto contra mim que me levasse à prisão e me humilhasse publicamente. A morte de Marielle não era o bastante, sobretudo porque eu cuspi na cara do fascista em 2016. Os danos que eles nos causaram foram imensos. Apesar de casado com um homem poderoso e rico como Glenn, David não resistiu. Sucumbiu. E eu estou aqui, na resistência”, afirmou o ex-deputado. “O exílio, embora tenha sido duro, foi a decisão mais acertada para sobreviver a esses crimes”, finalizou.

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