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Alta do PIB faz inflação subir, como propaga imprensa? Deborah Magagna responde

Segundo a economista, veículos de comunicação e mercado financeiro usam medo da inflação para defender juros mais altos
05/09/2024 | 17h44

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Produto Interno Bruto (PIB) teve crescimento de 1,4% no segundo trimestre deste ano se comparado ao primeiro trimestre. Na comparação com o segundo trimestre de 2023, o crescimento foi de 3,3%, puxado pelo desempenho da indústria.

O resultado superou as expectativas do mercado, mas, em vez de ser comemorado, foi noticiado na imprensa com ressalvas. Muitas análises se negaram a atribuir à política econômica do governo o mérito pela melhora.

Outros comentários, com um tom mais “técnico” revelaram o receio de que a alta do PIB no segundo trimestre acabe por fazer a inflação subir, com consequente alta na taxa de juros.

O portal ICL Notícias conversou com a economista Deborah Magagna, apresentadora do programa ICL Mercado e Investimentos, para esclarecer se essa abordagem da imprensa faz sentido. Veja a seguir:

Indústria puxou a alta

O que os veículos de mídia estão falando, o que o mercado financeiro está falando é que 3% projetado para o fim do ano com a revisão depois do PIB trimestral vir acima do esperado poderia causar inflação. Mas eu acho que mais do que ver quanto o PIB cresceu, a gente precisa entender como ele cresceu. Como é a composição desse PIB? Que componentes puxaram o PIB pra cima ou não? Aí eu acho que tem um ponto importante nesse trimestre especificamente que a gente não via há muito tempo: o protagonismo da indústria.

Esse protagonismo da indústria aparece inclusive acima do setor de serviços. Porque quando a gente pensa em economia urbana, o primeiro setor que vem a cabeça no protagonismo na composição do PIB é o setor de serviços. Mas aqui a gente está falando de indústria. É indústria com aumento de investimento. Então a gente está falando realmente da ampliação de capacidade produtiva.  Pensando na indústria e nesse aumento de capacidade produtiva que viria muito dos bens de capital — são bens que produzem outros bens — muito disso é importado. O que está lá na outra linha quando a gente olha o PIB são as importações crescendo bastante no trimestre também.  A gente tem visto a balança comercial apontando para essa importação desses bens de capital. Então é realmente aqui um aumento de capacidade produtiva. Uma capacidade produtiva que estava parada.

Expectativas positivas para o futuro

Quando a gente pensa em indústria, especificamente, o setor estava andando de lado, não tinha protagonismo, não era o ponto forte de leituras do PIB. E isso está acontecendo agora, muito puxado por expectativas positivas para o futuro. Afinal, ninguém vai aumentar a capacidade produtiva pensando que não vai ter consumo no futuro. Primeiro precisam ser desovados os estoques, para depois a gente ter essa produção e esses estoques serem repostos.

A gente tem esse protagonismo interessante. E não é da indústria extrativa. Porque quando a gente pensa em indústria aqui no Brasil a gente também pensa em indústria extrativa,  minério e petróleo. Se fôssemos colocar aí os principais agentes disso, a gente estaria falando de Petrobras e Vale. E não foi isso que puxou o PIB pra cima. É uma composição muito diferente, que mostra também muito essa sensibilidade aos preços de importação.

Economista Deborah Magagna

Pressão na taxa de câmbio

E aí o que pode travar esse crescimento? Eu nem diria que é a demanda, o crescimento acima do potencial, nada disso. O que vem aparecendo no índice dos gerentes de compra nesse mês, em uma pesquisa feita com vários dos serviços e da indústria, o fator ali de indefinição é a taxa de câmbio.

A taxa de câmbio está sendo pressionada por conta de questões também ligadas à taxa de juros no Brasil. Então, eu acho que a ideia é olhar para como esse PIB foi formado, e eu não vejo esse PIB crescendo acima ou com uma demanda muito forte, porque a gente tinha uma demanda reprimida dos anos anteriores. É só olhar como estavam os setores nos anos anteriores. E também tinha ali uma produção muito parada.

Então aqui eu vejo até uma retomada desse fôlego, que estava perdido. E esse fôlego está sendo retomado justamente por expectativas de que as pessoas vão continuar consumindo, que a gente vai continuar tendo uma valorização de salário que vai permitir que as pessoas consumam serviços e bens também.

Construção de narrativa ajuda especulação

Todos esses pontos têm que ser pensados. Mais que isso, é preciso pensar também no interesse que se tem em tentar construir esse tipo de narrativa. Porque eu sempre brinco que essa narrativa é construída tijolinho a tijolinho Então, tem toda aquela questão cambial que, isso sim, pode pressionar os preços aqui no Brasil, só que também ela pode ser alvo de especulação. Se você tem ali uma especulação por meio do câmbio e esse câmbio tem uma possibilidade de pressionar a inflação, o mercado vai começar a usar isso como justificativa para que se aumente a taxa de juros. Porque entra mais capital aqui e você tem essa redução do mercado cambial. Só que a gente tem que lembrar que o mercado cambial sofre especulação, nunca tirar isso de mente.

E aí tem outros pontos. O mercado financeiro já está pressionando com taxas de juros futuras altas há algum tempo, tem toda essa questão de dizer “ah, a economia está muito aquecida, então tem que desaquecer a economia” e isso é feito por meio da taxa de juros. São vários pontos sendo construídos juntos que eu vejo como uma pressão de aumento de taxa de juros. Com desemprego baixo e a renda real subindo, o salário poderia pressionar? Sim, ele poderia. Mas a gente tem que lembrar também que os salários ficam andando de lado muito tempo. Só agora o brasileiro está conseguindo retomar algum poder de compra.

Medo da inflação é usado para especular

Então, eu vejo mais uma construção dessa ideia, com o objetivo de mexer mesmo com o imaginário do brasileiro que tem medo de inflação. Então, quando você fala em inflação fora do controle as pessoas se assustam. Os veículos de comunicação usam isso e o mercado financeiro usa isso pra tentar fazer as pessoas comprarem a ideia de juros mais altos.

Mas, no geral, as expectativas são positivas. Inclusive desacelerações pontuais que a gente tem visto nesse mês de agosto, vêm muito com base tanto nessa possibilidade de alta de juros como no câmbio, mas com perspectivas de que vão melhorar, porque as pessoas vão continuar consumindo. Mas jogar isso no lombo do trabalhador é mais conveniente para o mercado financeiro e para os veículos de uns veículos hegemônicos de comunicação porque aí a narrativa fica mais fácil de construir e ela é comprada mais facilmente também.

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