Por Mateus Coutinho — Brasil de Fato
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça é o relator de um processo movido pela Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro. A entidade é uma das federadas que estão sob o guarda-chuva da Conib, a Confederação Israelita do Brasil, que custeou, em conjunto com a ONG israelense StandWithUs, uma viagem de Mendonça para Israel em janeiro deste ano.
O processo, que pede que advogados judeus respeitem o Yom Kipur, é a única ação pública envolvendo interesses destas entidades judaicas no Supremo Tribunal Federal que está sob a responsabilidade de André Mendonça. Como relator, cabe a ele tomar as decisões sobre o andamento do processo e liberá-lo para ser julgado pelo tribunal.
Além deste caso, a Conib figura como amicus curiae (expressão usada para designar entidades que participam de julgamentos para expor seus argumentos para o tribunal, sem serem parte do processo) em uma ação no STF que discute a responsabilidade das redes sociais por conteúdos postados em seus canais.
A reportagem do Brasil de Fato questionou o ministro, via assessoria de imprensa, se ele não via conflito em atuar no processo da Federação Israelita do Rio no dia 8 de fevereiro e, após a insistência da reportagem, a assessoria do STF informou na tarde desta terça-feira (20) que não iria comentar o assunto. A reportagem também tentou contato por telefone e por mensagem de WhatsApp com o chefe de gabinete de André Mendonça, mas ele não atendeu às ligações e nem respondeu às mensagens. O espaço está aberto para manifestação do ministro.
Os ministros do STF podem se declarar suspeitos ou mesmo impedidos de julgar um caso. Nesses casos, o processo é encaminhado para outro ministro. Além disso, o regimento interno do STF prevê que podem ser apresentados ao presidente do tribunal pedidos para declarar algum ministro impedido ou suspeito de atuar em determinado caso. Na prática, porém, os ministros da corte tradicionalmente não retiram os colegas de um processo sem que ele tenha reconhecido que não pode julgar o caso.
CONIB BANCOU VIAGEM
A Conib é a instituição de representação e coordenação da comunidade judaica no Brasil, a segunda maior da América Latina. Segundo o site da própria entidade, sob seu guarda-chuva estão 14 federações estaduais, incluindo a Federação Israelita do Estado do Rio, titular do processo que está nas mãos de André Mendonça.
No fim de janeiro, o ministro do STF e outros seis magistrados de instâncias inferiores viajaram a Israel com tudo pago pela Conib e pela StandWithUs, ONG de defesa da comunidade judaica e combate ao antissemitismo. A viagem foi revelada pelo jornal O Globo e o próprio ministro postou em suas redes sociais que viajou para o país.
“Hoje choramos o Holocausto. Os atos da Segunda Guerra foram a banalização do mal. Aqui, em Israel, vi terroristas que mataram pelo prazer de matar; vi o êxtase com o mal. Inacreditável, inaceitável, injustificável e indefensável”, publicou o ministro em seu perfil oficial do X/ Twitter no dia 27 de janeiro.
DIA DO PERDÃO
No processo relatado por Mendonça, a Federação Israelita do Rio pede que seja reconhecido o direito de advogados judaicos do Estado de não participarem de audiências da Justiça no dia do Yom Kipur, considerada a data mais sagrada do calendário judaico, conhecida como “dia do perdão”.
Uma recomendação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro editada em 2006 orientava aos juízes do estado que acolhessem solicitações de adiamento de audiência feitas antes do feriado judaico por algum advogado judeu com base na data. Anos mais tarde, em 2010, o Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável pela fiscalização do Poder Judiciário em todo o país, decidiu anular a recomendação por entender que seria necessária uma lei para regulamentar esse feriado.
Diante da posição do CNJ, a federação acionou o Supremo Tribunal Federal em 2011 pedindo que a decisão fosse derrubada. O pedido foi acatado liminarmente (quando um ministro antecipa uma decisão antes de o caso ser julgado pelo tribunal) pelo então relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello.
A Advocacia-Geral da União representou o CNJ neste caso e recorreu da decisão do ministro ainda em 2011, defendendo que fosse mantido o entendimento do Conselho Nacional de Justiça. O pedido, porém, não foi julgado. A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, apresentou um parecer em 2014 defendendo que o recurso da Federação Israelita do Rio fosse negado e que fosse mantida a decisão do CNJ.
Desde então, o caso não foi pautado para julgamento do mérito no Supremo Tribunal Federal e, após a aposentadoria de Marco Aurélio, o processo foi redistribuído para o ministro André Mendonça logo que ele tomou posse, em dezembro de 2021. Desde então o processo está parado no gabinete do ministro. Na prática, enquanto ele não for julgado, vale a decisão de Marco Aurélio Mello que derrubou a medida do CNJ.
A reportagem questionou a PGR e a AGU se iriam solicitar o impedimento ou suspeição do ministro. A PGR informou por meio de nota que “sobre o pedido de impedimento não é possível um posicionamento no momento”. A AGU não se manifestou sobre eventual pedido de suspeição ou impedimento.
O Brasil de Fato também entrou em contato com a Conib e a Federação Israelita do Rio, que não enviaram resposta. O espaço segue aberto para manifestações das entidades.
Nomeado para o STF por Bolsonaro, André Mendonça é o único ministro do Tribunal que tem se posicionado publicamente sobre a guerra em Gaza. No último domingo (18), ele chegou a se manifestar contra a posição do governo brasileiro durante um culto religioso que participou em São Paulo.
Na ocasião, ele contou sobre sua viagem a Israel e externou seu posicionamento contrário ao adotado pela diplomacia brasileira. “Nós tivemos, primeiro ou segundo dia que chegamos a Israel, um almoço com um embaixador brasileiro lá em Israel. Eu fiz uma colocação: ‘Embaixador, a nossa diplomacia é marcada por uma busca de equilíbrio e imparcialidade. O senhor não acha que talvez se nós caminharmos mais nesse sentido, em vez de endossarmos uma petição da África do Sul acusando de Israel de genocídio, seria um melhor caminho para nós sermos um agente de paz?’ Ele me respondeu, ‘o mundo de hoje não há espaço para o cinza. Ou é preto ou é branco, e o país tomou a sua posição’”, disse o ministro em culto na Igreja Presbiteriana de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista.
“Em resposta, eu tomei minha posição. Eu defendo a devolução de todos os sequestrados. E acho que o erro maior é apoiar um grupo terrorista que mata crianças, jovens e idosos gratuitamente. Eu e você, como cristãos, somos chamados a tomar posição em tudo na vida”, seguiu André Mendonça.
No mesmo dia, o presidente Lula comparou a atuação militar de Israel na Faixa de Gaza à perseguição de Hitler aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. A fala, feita durante uma coletiva para jornalistas na Etiópia, causou imediata reação de autoridades israelenses, que passaram a considerar Lula uma persona non grata.
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