O Carnaval no Brasil é muito mais do que uma festa, é uma forma de expressão da nossa cultura e um movimento econômico que repercute por décadas. Ano após ano, “pular carnaval” movimenta bilhões de reais, cria milhares de empregos e atrai turistas de todo o mundo. No entanto, por trás do brilho das fantasias, dos copos de bebida e do ritmo do samba, fica a pergunta: quem realmente lucra com o carnaval?
A história da folia até o Carnaval 2025
O Carnaval de hoje em dia no Brasil tem uma origem antiga e começa na Roma Antiga com eventos como as Saturnálias e as Lupercálias, que celebravam a fertilidade e o início da primavera.
Porém, com a ascensão do Cristianismo, essas celebrações pagãs foram adaptadas e incorporadas ao calendário religioso – o Carnaval, então, passou a marcar o período que antecede a Quaresma, servindo como uma espécie de “pré-festa” antes dos 40 dias de jejum e penitência. O nome que conhecemos hoje como “Carnaval” tem origem no latim e significa “carne vale” ou “adeus à carne”, simbolizando a última oportunidade de prazeres antes do período de abstinência.
O Carnaval chegou ao Brasil no século 17, com a colonização portuguesa, mas foi só no século 19 que a festa começou a ganhar influências das culturas africana e indígena, algo muito próximo do que temos hoje. Na década de 20, o samba se tornou o ritmo oficial do Carnaval, sendo mais uma herança afro-brasileira a se tornar referência nacional e ser o grande responsável pelo sucesso da folia nos dias atuais.
Os desfiles das escolas de samba, que começaram a ganhar forma na década de 1930, transformaram o Carnaval brasileiro em um verdadeiro espetáculo. Durante as festividades no país, podemos destacar cidades como Rio de Janeiro e Salvador que se tornaram ícones mundiais do Carnaval. No Rio, o Sambódromo é o palco principal dos desfiles das escolas de samba, que atraem milhões de foliões anualmente. Em Salvador, os trios elétricos e blocos de rua proporcionam uma experiência única, ao som de muito samba e alegria.
Desfile de carros pela Avenida Beira-Mar na década de 1920. Foto: Reprodução
O impacto econômico do Carnaval
De acordo com a prefeitura do Rio de Janeiro, o Carnaval carioca de 2024 gerou cerca de R$ 5 bilhões apenas na cidade, consolidando-se como um dos eventos mais lucrativos do calendário municipal. São Paulo não ficou muito atrás e também apresentou resultados impressionantes: o Carnaval paulista teve uma movimentação financeira de R$ 2,9 bilhões, sendo que grande parte desse valor veio do Carnaval de Rua. Mas quem se beneficiou com o lucro do Carnaval?
Grandes marcas e empresas de mídia também encontram no Carnaval uma oportunidade única para ampliar seus lucros. Você já deve ter percebido que não tem como andar pelo desfile ou ir em bloquinhos sem esbarrar com um stand de cerveja, distribuição de bonés e brindes ou até estruturas completas de shows patrocinados e privados.
Acontece que esses patrocínios milionários para blocos, desfiles e transmissões televisivas garantem visibilidade e retorno financeiro apenas para suas respectivas corporações. Enquanto isso, a população que constrói a festa (costureiras, artesãos, músicos, dançarinos e trabalhadores da infraestrutura), muitas vezes enfrenta condições precárias como salários baixos, jornadas exaustivas e a falta de proteção trabalhista.

De acordo com a Prefeitura, o Carnaval de BH em 2025 promete atrair 6 milhões de pessoas, o equivalente a três vezes a população local. Imagem: Divulgação.
Costureiras no Carnaval
O Carnaval é sinônimo de festa, mas também representa uma importante fonte de renda para muitos profissionais independentes. As costureiras, em especial, veem seus negócios decolarem nos meses que antecedem a folia, impulsionados pela alta demanda por fantasias personalizadas e acessórios carnavalescos, por exemplo.
Uma pesquisa realizada pelo Cuponomia, portal que seleciona cupons para uso online, identificou que, em janeiro de 2024, as buscas pelo termo “fantasia de carnaval” apresentaram um aumento de 143% nos portais de comércio online.
No mesmo ano, um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estimou que as festas de carnaval seriam responsáveis pela criação de 70 mil postos de trabalho temporários no país. Entre as principais vagas abertas no período, se enquadram motoristas, seguranças e costureiras.
Essa alta demanda demonstra o potencial do mercado de fantasias, mesmo para pequenos negócios. No entanto, ao contrário das grandes marcas que patrocinam os desfiles das escolas de samba, essas costureiras trabalham sob demanda, adaptando-se às preferências dos clientes e aproveitando a sazonalidade da festa para impulsionar seus negócios.

Costureiras em comércio de tecidos em Pernambuco. Imagem: TV Globo
Ambulantes no Carnaval
Vender bebidas, roupas, acessórios e tantas outras mercadorias para os foliões durante o Carnaval representa uma oportunidade significativa de renda extra para muitos trabalhadores informais em diversas regiões do Brasil. Em Belo Horizonte, uma pesquisa da prefeitura indicou que, em média, os ambulantes investiram R$ 2.328,07 e esperavam faturar R$ 6.279,44, resultando em um lucro aproximado de R$ 3.951,37 durante o período carnavalesco.
Sobre tendências de consumo durante o Carnaval, a mesma pesquisa trouxe alguns dados no que diz respeito ao comportamento do consumidor durante a folia: durante os blocos de rua e desfiles de Escolas de Samba, 65,0% dos foliões afirmaram que compraram suas bebidas com ambulantes, enquanto 44,5% optaram por levar de casa e 13,3% preferiram consumir em bares e restaurantes. Quando o assunto é alimentação, os foliões frequentemente recorrem a ambulantes (70,4%), bares e lanchonetes (87,8%) ou Food Trucks (81,4%).
Já em Salvador, reconhecida como um dos principais destinos para o Carnaval, uma pesquisa da Tribuna da Bahia identificou que, em média, ambulantes estavam faturando cerca de R$ 200 por dia – quase um salário mínimo ao fim dos quase 6 dias (ou mais) de festa.
Apesar do Carnaval proporcionar uma fonte significativa de renda extra para os ambulantes, como esses ganhos que ajudam a complementar o orçamento do mês, os trabalhadores informais ainda enfrentam diversas vulnerabilidades.
Hoje em dia, muitas prefeituras exigem que os ambulantes se cadastrem para exercer suas atividades de forma regulamentada, mas isso não garante os mesmos direitos assegurados aos trabalhadores formais.
Assim, muitos ambulantes atuam sem qualquer tipo de proteção trabalhista, o que os deixa desamparados em caso de acidentes, necessidade de licença ou simplesmente a vulnerabilidade de ter quaisquer problemas de saúde. Embora o Carnaval ofereça oportunidades de renda, é essencial buscar iniciativas que garantam mais segurança, direitos, regulamentações justas e condições dignas de trabalho para quem faz a festa acontecer.

Ambulante e clientes no Carnaval de 2024. Foto: Léo Lara/Divulgação PBH
O Carnaval brasileiro é, sem dúvida, uma das maiores e mais importantes festas populares do mundo, simbolizando mais do que uma festa, uma verdadeira celebração da diversidade cultural do país. Sua evolução ao longo dos séculos reflete as profundas transformações da sociedade brasileira, desde suas origens nas antigas celebrações portuguesas e africanas até se consolidar como uma das maiores festas públicas do país, com mais de 1 semana de duração entre pré e pós Carnaval.
Porém, o Carnaval não é apenas um espetáculo bonito de se ver, é também um reflexo das disparidades sociais e da centralização de riquezas em grandes corporações, deixando muitos trabalhadores à margem da sociedade em termos econômicos e sociais.
Como os ambulantes e vendedores de rua vão competir com a infraestrutura de grandes empresas privadas? A corrida pela venda já começa em desvantagem, ainda mais se levarmos em consideração o abismo entre o lucro de uma corporação e o lucro de um vendedor de rua.
É nítido que os desfiles e os blocos de rua estão diretamente conectados à força da mídia e dos patrocinadores, tornando o evento uma plataforma para marcas e empresas que buscam visibilidade. No entanto, sabemos que o grande lucro gerado pelo Carnaval está longe de ser compartilhado por todos os seus colaboradores.
Mais de um século se passou desde o começo do Carnaval como uma festa anual e não podemos deixar de dizer que chegou a hora de, finalmente, comemorarmos um Carnaval mais igualitário para todos.