Você pode não saber, mas utiliza a inteligência artificial em muitos momentos da sua vida. Sim, essa tecnologia vai além dos filmes de ficção científica em que uma IA prevê quando crimes vão acontecer ou tramam um atentado contra o presidente dos Estados Unidos. Na verdade, a Inteligência Artificial está longe de ser isso que foi criado pelo cinema.
A Inteligência Artificial é uma área da Ciência da Computação que desenvolve softwares para realizar tarefas que precisam da inteligência humana mas de forma autônoma – ou programas de computador que podem “pensar” e “agir” como nós humanos a partir do que aprendem com dados e da conclusão desses afazeres.
Na sua vida cotidiana, do seu filtro de spam no e-mail ao GPS, existe inteligência artificial, e precisamos concordar que ela é muito útil. Quem se imagina indo pela primeira vez a um lugar usando os livros de Guia de Ruas ao invés de um aplicativo móvel de mapas? Ou ter uma caixa de entrada abarrotada de e-mails desinteressantes, pois o filtro de spam não foi inventado ainda?
Sim, essas duas ferramentas, até que banais, foram infinitamente melhoradas com a adoção da inteligência artificial. E não são as únicas situações da nossa rotina em que essa tecnologia está presente. A IA, como é chamada por muitos, tem sido adotada tão larga e profundamente em diversas ferramentas que muitos dizem que ela tem se infiltrado nas nossas vidas – e que estamos completamente dependentes dela e da tecnologia.
A inteligência artificial na educação: o futuro da inteligência humana?
Como tantas outras tecnologias, a Inteligência Artificial tem potencial para revolucionar a educação com sua oferta de ferramentas personalizadas para todo o processo educacional, mas também há desafios e pontos sensíveis a serem observados.
A automatização é uma ferramenta que pode agilizar e facilitar diversos aspectos da educação. Quando aplicada na perspectiva do aluno, ajuda a controlar o ritmo das aulas e dos conteúdos de acordo com o progresso de cada um. Para professores e outros profissionais, ela é uma ferramenta de automaticação de tarefas repetitivas, permitindo que tenham mais tempo para dedicar aos afazeres mais complexos e aos próprios alunos. E essa é apenas uma das possíveis aplicações da inteligência artificial na área da educação.
A análise pessimista, no entanto, aponta que o uso da inteligência artificial pode prejudicar o aprendizado, pois não substitui as trocas e a relação aluno-professor, além de causar a dependência da tecnologia, fazendo com que os estudantes deixem de estudar por conta própria, na chamada “preguiça cognitiva”. Isso sem esquecer o fato de que muitas das ferramentas de IA podem fornecer informações imprecisas ou erradas, prejudicando o processo de aprendizagem.
Barreiras sociais, como a falta de acesso à tecnologia e à conexão com a internet também são colocadas como obstáculos e desafios. Isso sem falar na desigualdade, um fator tão comum quanto sério quando se trata do Brasil.
No que diz respeito à inteligência artificial, é necessário garantir acesso à tecnologia, mas a democratização da infraestrutura digital (computadores, conexão de boa qualidade, profissionais capacitados para ensinar) ainda não ocorreu em todos os cenários educacionais, públicos ou privados, em grandes centros urbanos ou cidades em localizações remotas.
Processos seletivos com a aplicação de Inteligência Artificial
Outra “novidade” da Inteligência Artificial na nossa rotina é o seu uso em etapas de processos seletivos. Diversas plataformas do mercado já se posicionam como mais eficientes e rápidas por adotarem IA na triagem de currículos, por exemplo, o que facilitaria as fases iniciais de qualquer seleção de emprego, aliviando a carga de trabalho dos profissionais de RH.
No entanto, não faltam relatos de candidatos sobre o rigor ou questionando os critérios da tecnologia na hora de desclassificar profissionais para uma vaga de trabalho. A busca pela frase “Eu venci a Gupy” no Google gera mais de 14 mil resultados – e grande parte deles são histórias de pessoas que conseguiram se recolocar ou trocar de emprego por outros meios, já que, mesmo qualificados, foram descartados de seleções feitas através dessa plataforma.
Entre as críticas, inclusive de pessoas das áreas técnicas, está o fato de o algoritmo das plataformas ser extremamente exigente e inflexível quanto às palavras que descrevem a experiência dos candidatos – o que não necessariamente representa a falta de habilidade ou capacidade para desempenhar determinadas funções.
Ironicamente, habilidades relacionadas ao uso da Inteligência Artificial estão entre as mais procuradas em candidatos no mercado de trabalho.
O futuro previsto pela IA
Não é de hoje que tememos, como humanidade, os rumos que nosso futuro terá ao adotarmos tanta tecnologia – algumas, inclusive, capazes de determinar que não somos mais necessários ou que, na realidade, somos prejudiciais ao planeta.
Do clássico de ficção científica “2001 – Uma Odisseia no espaço”, lançado em 1967, ao filme de ação “Controle Absoluto”, a sétima arte já cogitou a possibilidade de sermos tidos como descartáveis por uma inteligência artificial e o caos que isso poderia desencadear. No seriado televisivo “The 100”, inspirado na série literária de mesmo nome, a inteligência artificial foi responsável pelo apocalipse nuclear da Terra, relegando a humanidade à vida no espaço.
Na vida real, vemos ao mesmo tempo o potencial da IA para construir um futuro mais próspero e nos conduzir ao verdadeiro apocalipse informacional. Ao mesmo tempo em que pode combater a desigualdade social, propor soluções para a crise climática ou garantir o acesso universal à educação, a tecnologia tem capacidade para eliminar dezenas de funções no mercado de trabalho, perpetuar preconceitos e proliferar a desinformação.
Como toda tecnologia, a inteligência artificial pode ser uma ferramenta construtiva ou destruidora de realidades. E isso significa que, mais do que nunca, precisamos de um debate sério e profundo entre poder público, sociedade e iniciativa privada para garantir que essa construção seja ética e transparente.
O que já temos de problemas causados pela IA?
As deepfakes, vídeos utilizando bancos de imagens e conteúdos publicados na internet que simulam uma pessoa falando ou fazendo algo que, na verdade, nunca aconteceu, são uma preocupação crescente no Brasil e no mundo.
Com a popularização da tecnologia, o avanço da inteligência artificial e a melhora na capacidade de processamento de imagens, está cada vez mais fácil substituir vozes e rostos de pessoas em vídeos, e os resultados estão ficando gradativamente melhores – o que faz com que fique mais difícil de reconhecer, pelos elementos visuais ou de som, se o vídeo é verdade ou foi fabricado digitalmente.
Celebridades e outras pessoas públicas têm sido usadas como propagandistas de produtos tidos como milagrosos em vídeos nas redes sociais, mesmo quando nunca nem ouviram falar deste item. Comunidades virtuais de homens têm criado, com o uso da Inteligência Artificial, imagens pornográficas falsas a partir de fotos simples ou de selfies em pouco tempo, simplesmente pelo prazer de destruir a vida de uma pessoa.
No Congresso, há cerca de 50 projetos sobre a regulamentação da inteligência artificial. Entre o lobby das grandes empresas de tecnologia para regras mais permissíveis e a morosidade dos parlamentares em debater e votar os textos que regulam o tema e até mesmo enquadram crimes relacionados à IA em leis mais severas, como a Lei Maria da Penha, o assunto continua relegado a segundo plano.
A inteligência artificial, o voto e a democracia
Por sua imensa capacidade de processamento de dados, a inteligência artificial foi capaz de produzir conteúdo que conseguisse manipular opiniões e direcionar as escolhas de cidadãos nas urnas. Isso ficou evidenciado após o escândalo da Cambridge Analytica e continua sendo uma preocupação, quase 10 anos depois.
Nas eleições brasileiras, o TSE já determinou que o uso das deepfakes está proibido pelas campanhas partidárias para propagar conteúdos falsos. A partir de 2024, as regulações do processo eleitoral são:
- A proibição das deepfakes;
- A obrigação do aviso sobre o uso de IA em qualquer material de propaganda eleitoral;
- A restrição do emprego de robôs para intermediar contato com o eleitor. Basicamente, a campanha não pode simular o diálogo com candidato ou qualquer outra pessoa;
- A responsabilização das big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.
A lei, infelizmente, diz respeito apenas ao conteúdo produzido pelas campanhas oficiais. Caso algum apoiador de determinado candidato ou candidata decidir fazê-lo por conta própria, não há nada descrito na decisão do TSE prevendo punição para o candidato.
Na prática, o cenário se mantém o mesmo de outras eleições, onde já pudemos perceber o impacto das fake news.
O futuro da humanidade é incerto, mas terá IA
A inteligência artificial é uma tecnologia que está, inegavelmente, em constante evolução. Seu uso já nos trouxe diversos benefícios – da automação de tarefas repetitivas à predição de diagnósticos com maior eficiência – não existe mais um ponto de retorno em que possamos eliminá-la de nossas vidas.
Nem por isso devemos estar menos atentos ou preocupados com os desafios apresentados por ela, incluindo a concentração do poder (obtido por meio da coleta de dados) e a perda de empregos e de privacidade. Isso sem falar das questões de privacidade…
A construção de um futuro com uma IA ética, responsável e benéfica a todos é possível, sim, mas exige um debate constante e a combinação de políticas públicas e ações entre poder público, iniciativa privada e sociedade.
Cabe a nós, como cidadãos e usuários preocupados, acompanhar de perto o andamento dos debates e os lançamentos da tecnologia para garantir que teremos um instrumento para erradicar a pobreza e a desigualdade, e não acentuá-la. Como bem canta Caetano Veloso na música “Os Argonautas”, “é preciso estar atento e forte”.
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