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Paulo Freire, o homem que ensinava e queria transformar o mundo

Falar sobre quem foi Paulo Freire é entender a educação como ferramenta de capacitação, e não uma forma de doutrinação. Você conhece o seu legado?
17/09/2024 | 16h55

Paulo Freire (1921-1997) foi um educador e filósofo brasileiro, com um nome que transcende fronteiras e continua ecoando nos corredores e registros da história da educação. Nascido em Recife, Pernambuco, no “Ano da Pendura”, como pontuou o antropólogo e historiador Darcy Ribeiro, Paulo Freire experimentou a pobreza e a fome quando pequeno, com a crise de 1929 e, depois, trabalhou para combater as desigualdades do Brasil por meio da educação.

O método de Paulo Freire para a educação revolucionou a maneira como vemos a escola, a alfabetização e as diferentes realidades do Brasil, esse país tão diverso. Com sua crítica à educação tradicional, criou diretrizes pensadas para desenvolver a consciência crítica e a participação ativa de todos os indivíduos na sociedade, libertando-os da opressão e da alienação.

Hoje, quase três décadas depois de sua morte, o nome de Paulo Freire continua a ser um sinônimo de transformação social e esperança de uma sociedade mais justa. Patrono da Educação nacional, possui mais de 40 títulos honoris causa, conferidos por universidades do Brasil e do mundo, além de ser um dos pensadores brasileiros mais citados em todo o mundo – e cuja obra já foi traduzida para mais de 30 idiomas.

O método Paulo Freire e a revolução na educação

Paulo Freire formou-se em Direito, mas trabalhou como professor de Português e Filosofia em escolas secundárias públicas no estado de Pernambuco. Lá, se deparou com a realidade da desigualdade social e da falta de acesso à educação de qualidade no interior do país. Essa experiência marcou o professor e inspirou nele o desejo de revolucionar a educação para garantir um Brasil mais igual e justo.

Em 1961, desenvolveu um método de alfabetização de adultos que utilizava a realidade do aluno como ponto de partida para o aprendizado. Seu conjunto de técnicas utilizava palavras e temas do cotidiano dos alunos para ensinar a ler e escrever, estimulando a reflexão crítica sobre a realidade social. Esse método foi amplamente utilizado no Brasil e em outros países e contribuiu significativamente para a alfabetização de milhões de pessoas, principalmente jovens e adultos, trabalhadores rurais.

Com a metodologia freireana, era possível ensinar a ler e escrever em apenas 40 horas e sem o uso de cartilhas, utilizando a realidade dos alunos como ponto de partida para o aprendizado. A partir da primeira experiência prática, quando 300 cortadores de cana aprenderam a ler e escrever em 45 dias em Angicos (RN) em 1963, seu sonho de revolucionar o país por meio da educação parecia prestes a se concretizar.

Os círculos de cultura são parte do método de Paulo Freire para conectar a educação à realidade dos alunos, principalmente trabalhadores rurais. Crédito: Vicente de Abreu/ Creative Commons

No Brasil da década de 1960, cerca de 40% da população não sabia ler ou escrever. E, justamente por isso, o governo do recém-eleito Jânio Quadros propôs a criação do Plano Nacional de Alfabetização, multiplicando essas experiências para reduzir as taxas de analfabetismo no país, divulgando para o país quem foi Paulo Freire. Mas, com o golpe militar de 1964, os esforços foram pausados, ele foi preso por 70 dias acusado de traição – partindo para o exílio logo depois.

Paulo Freire e a valorização dos diferentes saberes

A “curiosidade epistemológica” é uma expressão que, a partir da vivência de Paulo Freire, representa a transformação do senso comum nos saberes científicos, sendo que os dois são importantes na perspectiva do educando.

Seu método levava em conta não apenas o contexto em que os alunos viviam, mas que a alfabetização também requer uma troca entre professor e alunos, onde os dois compartilham conhecimento. Esse diálogo é um dos pilares do método freireano.

O ensino compartilhado de Paulo Freire diz que não deve haver uma postura autoritária por parte do professor nem uma postura apenas receptiva dos alunos. A postura democrática significa envolver o aluno para que ele participe do próprio processo de alfabetização e aprendizagem.

Essa construção coletiva do conhecimento resultaria em uma educação que libertasse o indivíduo da alienação e da opressão – fruto das desigualdades brasileiras. Com isso, estimula-se a consciência crítica que vai gerar a participação social para transformar a realidade e temos a ideia da educação libertadora de Paulo Freire.

Em sua obra mais famosa, “Pedagogia do Oprimido”, Freire faz duras críticas à educação tradicional, que ele chama de ‘educação bancária’, e convoca todos a construírem uma ação empoderadora dos oprimidos, para libertá-los das opressões. A libertação proposta por Paulo Freire não diz respeito a uma revolução socialista, como mal interpretado por críticos do educador e muitos políticos da extrema-direita, mas uma luta por mais direitos e justiça.

O Centenário de Paulo Freire, celebrado durante o governo Bolsonaro, foi marcado por ataques ao legado de um dos mais importantes intelectuais brasileiros. Crédito: Amazon

Como boa parte do seu trabalho se deu junto a população mais carente, Freire sempre foi – e seu método continua sendo – defensor da educação popular, acessível a todos sem discriminar classe social ou condição econômica. Principalmente porque deveria ser instrumento de transformação social.

O legado de Paulo Freire na educação brasileira

Para responder quem foi Paulo Freire e por que ele foi importante para a educação brasileira podemos analisar alguns componentes do sistema educacional brasileiro:

  • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), criada em 1996 – um ano antes da morte de Paulo Freire e que regulamenta todo o sistema educacional brasileiro. Ao valorizar a diversidade, trabalhar pela educação popular e pela participação dos alunos no processo de aprendizagem, vemos princípios da pedagogia de Paulo Freire.
  • O Programa Nacional de Alfabetização de Jovens e Adultos (PNAJA). Criado em 1997, o programa usa como base o método de alfabetização de adultos desenvolvido por Paulo Freire e que tem contribuído significativamente para a redução do analfabetismo no Brasil. Atualmente 93% da população foi alfabetizada, segundo dados do IBGE.
  • A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017, estabelece conteúdos padrões para a educação básica em todo o país. Dessa forma, a qualidade da educação está garantida no Brasil, e também é possível observar princípios da pedagogia de Paulo Freire, pois ela valoriza a diversidade cultural, tem como objetivo educar para a cidadania e desenvolver a autonomia dos alunos.

Os avanços da educação brasileira com Paulo Freire

Apesar da campanha de difamação que o educador vem sofrendo desde a ditadura cívico-militar – e novamente durante o governo Bolsonaro – a educação brasileira melhorou significativamente nas últimas décadas. A questão é que garantir uma educação de qualidade e gratuita no país exige investimentos.

O orçamento da educação vem sofrendo cortes a cada ano, por gestões consecutivas, o que também interfere na elaboração e execução de políticas públicas sólidas e na valorização dos professores – cada vez mais sobrecarregados e pior remunerados.

No entanto, temos sim muitos avanços na educação desde que Paulo Freire iniciou sua revolução:

  • A taxa de alfabetização no Brasil tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas. Saímos de 83% em 1991 para 93% em 2022 – considerando pessoas com mais de 15 anos que sabiam ler e escrever.
  • O número de alunos matriculados na educação básica tem crescido nas últimas décadas. Dos 28,7 milhões de alunos matriculados em 1991, o Brasil saltou para 48,4 milhões de alunos em 2022. Para fins de comparação, a população do país foi de 153 milhões para 215 milhões de pessoas.
  • A taxa de aprovação na educação básica também tem apresentado uma tendência de crescimento. Em 1991, a taxa de aprovação no ensino fundamental era de 40%. Em 2022, a taxa de aprovação atingiu 94,2%.

Célebres frases de Paulo Freire

Como educador e revolucionário, Paulo Freire sempre foi muito sincero e transparente em falas e entrevistas. Por isso, selecionamos algumas que ganharam destaque durante sua vida e depois de sua morte.

  • “A educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. As pessoas transformam o mundo.”
  • “A educação não é o instrumento para a criação de uma sociedade justa, mas é a única via para criá-la.”
  • “A classe dominante não pode formar a classe dominada”.
  • “O que está dando certo no mundo ocidental não é o capitalismo, é a moldura democrática em que está o capitalismo.”
  • “A educação bancária é um processo de deposição de conhecimento e não de construção coletiva do conhecimento.”
  • “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

A transformação social da educação

O legado de Paulo Freire continua a ser relevante no mundo contemporâneo, em um momento em que a educação enfrenta desafios crescentes, a sociedade busca caminhos para a superação da desigualdade social e  tanto a reputação quanto os resultados de seu trabalho sofrem ataques constantes da extrema-direita.

A pedagogia libertadora e pensada para a autonomia se tornaram uma fonte de inspiração para educadores e movimentos sociais em todo o mundo. A obra de Paulo Freire nos lembra que a educação é um processo permanente de construção e reconstrução, de luta e esperança.

É um processo que exige a participação ativa de todos os atores envolvidos – educadores, alunos, famílias e comunidade – para que se torne um instrumento de transformação social e de libertação. É uma plataforma de capacitação, não uma forma de pasteurização da população, e por isso, não deve ser transformada em mercadoria.

Em um mundo marcado por desigualdades e injustiças, o legado de Paulo Freire nos convida a pensar a educação como letramento, um instrumento de transformação social e de construção de um futuro mais justo e igualitário. Sua obra é uma luz que ilumina o caminho para a construção de uma sociedade em que a educação seja um direito de todos e um instrumento de libertação para todos.

Paulo Freire é um dos maiores intelectuais brasileiros. Conheça um pouco de sua trajetória, seu legado e porquê ele frequentemente é alvo de campanhas de difamação no episódio “Paulo Freire, o homem que ensinava” do nosso documentário “Máquina de Moer Reputações”.

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