Por Heloisa Villela
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, disse nesta quinta-feira (6) que não vai permitir que policiais do estado usem câmeras corporais. Enquanto ele estiver no cargo, o estado que dirige não vai aderir ao programa anunciado recentemente pelo Ministério da Justiça.
Caiado defendeu a posição durante o seminário Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, realizado em Brasília. O painel de debates termina hoje e é promovido pelo Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) e o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
“No meu estado, não vai ter câmera corporal nos policiais”, disse o governador goiano, logo depois do Secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Luiz Sarrubo, afirmar, na mesma mesa de debate, estar confiante de que a maioria dos estados vai aderir ao programa das câmeras. “Há uma sinalização inclusive do governo de São Paulo”, comentou Sarrubo.
Caiado prometeu colocar câmeras nas celas das penitenciárias de Goiás e nos presos que cumprem pena em regime semiaberto, com tornozeleira.
Em um discurso de quem claramente tem pretensões de se tornar o candidato da direita a presidente, o governador disse que 59% dos brasileiros estão preocupados com a violência e com o narcotráfico, enquanto o governo federal fala em usar câmeras nos policiais, como forma de combater os traficantes. “Devo ter alguma limitação. Não consigo interpretar essa lógica”, disse Caiado.
Não foi com as câmeras que o Secretário Nacional de Segurança Pública propôs combater o narcotráfico. Ele disse que o Brasil já está trabalhando com os vizinhos das fronteiras norte e sul para enfrentar os traficantes que hoje atuam como grandes empresas transnacionais. E defendeu o fortalecimento do Sistema Unificado de Segurança Pública para dar à União a capacidade de traçar políticas nacionais.
Defesa das Câmeras
Sobre as câmeras, Sarrubo lembrou que os números mostram a eficácia do equipamento para reduzir os índices de violência e respondeu às críticas de Caiado:
“Não consigo ver como alguém pode discordar de uma câmera em um policial militar, em um agente de polícia. Discordar significa dizer: quero autorização para matar. Quero matar quem? Quero matar os menos privilegiados, os negros, os mais pobres, e notadamente os que estão na ponta do crime organizado, aqueles que na verdade são as verdadeiras vítimas do crime organizado. Essa parece ser uma política inadequada e não será a do governo federal”, afirmou.
Sarrubo deixou claro que a determinação do presidente Lula é “subir o tom” na segurança pública, mas também destacou que o Brasil precisa discutir o assunto, uma tarefa complicada quando se analisa o clima de guerra que domina o Congresso Nacional. Ainda assim, ele acha necessário levar ao Congresso o debate sobre a gravidade do problema. E travar o debate político a respeito dos diferentes projetos de enfrentamento ao crime organizado.
O ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública, Raul Jungmann, também defendeu uma política nacional de segurança, mas destacou que em nenhuma das 7 constituições que o país já teve houve a preocupação de criar um sistema nacional. E, para Jungmann, é impossível um estado da federação combater as organizações criminosas como o PCC que, segundo a revista The Economist, já é uma das maiores organizações criminosas do mundo. Ele reforçou o discurso de Sarrubo dizendo que a lei de drogas vigente hoje só serve para colocar jovens de baixa renda na cadeira.
O Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, disse que é preciso combater o crime organizado de forma implacável. “O Brasil está perdendo o controle de seu território. E essas políticas de ficar matando gente pobre, de ficar botando policiais para matar e para morrer só estão fortalecendo o crime organizado”.
Segundo Silvio Almeida, quem é a favor desse tipo de segurança pública é contra os policiais. Ele ressaltou que não existe política de segurança pública sem direitos humanos como também não se pode falar em direitos humanos sem segurança pública.
Segurança como forma de gerir a população
Silvio Almeida levou mais longe o argumento. Colocou o tema dentro do contexto político-econômico de crise do neoliberalismo, desde 2008, que acelerou o processo de deterioração da qualidade de vida e da exacerbação do egoísmo, da busca de soluções individuais para problemas coletivos.
Nesse contexto, destacou, a segurança pública se torna uma forma de gerir a população.
“Separa-se uma massa de gente que deve ser vigiada, abordada, humilhada, presa, morta e outra massa de gente que deve ser protegida. E só existe um mecanismo eficiente para fazer isso: o racismo”, disse Almeida.
Para o ministro, em um estado democrático de direito, a segurança pública precisa ser pensada como um desafio comunitário e deve ter a participação da comunidade, porque sem ela não vai funcionar. Esse foi um ponto de convergência com o discurso do ex-prefeito de Nova Iorque, Bill de Blasio, durante o Seminário Internacional de Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia. O americano destacou a importância da interação das patrulhas de bairro com a comunidade. Uma interação que gera confiança e troca.
De Blasio também defendeu o programa nova-iorquino de descriminalização da maconha como forma de reduzir o encarceramento da população jovem, preta, periférica, e liberar a polícia para combater crimes sérios.
O ex-primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, seguiu na mesma linha ao falar sobre o programa português que há 25 anos manteve a maconha como droga ilícita mas deixou de tratar como crime o uso da erva. Uma política que, segundo ele, dificilmente seria aprovada hoje. Sinal dos tempos.
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