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Juliana Dal Piva

Formada pela UFSC com mestrado no CPDOC da FGV-Rio. Foi repórter especial do jornal O Globo e colunista do portal UOL. É apresentadora do podcast "A vida secreta do Jair" e autora do livro "O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro", da editora Zahar, finalista do prêmio Jabuti de 2023.

Carlos Bolsonaro ganha R$1,2 mi com venda de imóveis, mas só declara R$ 687 mil ao TSE

Filho de Jair Bolsonaro vendeu dois apartamentos que havia declarado na eleição de 2020
06/08/2024 | 05h00

Juliana Dal Piva, Igor Mello e Karla Gamba

Documentos obtidos com exclusividade pela coluna mostram que, meses antes do início da campanha eleitoral, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) vendeu dois apartamentos de sua propriedade no Rio de Janeiro por um total R$ 1,25 milhão. No entanto, na semana passada, ao declarar seus bens ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ele informou um patrimônio de apenas R$ 687 mil, pouco mais da metade do valor obtido com as transações.

Há quatro anos, em 2020, Carlos tinha declarado ao TSE um patrimônio de R$ 591,6 mil, dos quais R$ 290 mil eram referentes aos dois imóveis vendidos.

Ele ainda informou em 2020 um terceiro apartamento, avaliado em R$ 180 mil. Esse imóvel não aparece em sua declaração neste ano, mas a coluna não localizou registros de venda. Os três imóveis representavam juntos 80% do valor dos bens do vereador na última campanha.

As vendas dos imóveis foram descobertas pela coluna a partir de documentos nos cartórios do Rio de Janeiro e os dados foram cruzados com o que foi informado pelo vereador ao TSE. Procurado para explicar as transações, o vereador não retornou.

Entre os bens listados, Carlos Bolsonaro informou possuir uma aplicação em renda fixa no valor de R$ 528 mil, além de R$ 35,6 mil em ações e R$ 5 mil em bitcoin. Ele ainda registrou novamente o mesmo carro que ele já tinha em 2020 e informou ter adquirido duas motos avaliadas em R$ 41,5 mil, somadas. Ele ainda disse guardar R$ 15 mil em dinheiro vivo.

Primeira venda

A primeira transação ocorreu em setembro de 2023, quando ele vendeu um apartamento na Tijuca, zona norte do Rio, por R$ 700 mil. Carlos foi o proprietário do imóvel por 20 anos. Ele adquiriu o imóvel em 3 de junho de 2003 por um total de R$ 150 mil que ele informou, em cartório, ter quitado em dinheiro vivo.. Naquela ocasião, o imóvel valia cerca de R$ 213 mil. A venda do imóvel representou uma negociação abaixo do valor de avaliação fiscal. A prefeitura do Rio avaliou o apartamento em um total de R$ 800,5 mil para fins de cobrança de impostos.

Segunda venda

Em fevereiro de 2024, Carlos negociou outro imóvel, dessa vez em Copacabana, na zona sul do Rio, por R$ 550 mil. Ele tinha comprado esse apartamento em 2009, por um valor declarado em cartório, de R$ 70 mil.

O imóvel foi comprado por um valor muito abaixo do mercado e em condições suspeitas já que o vereador foi a um cofre pouco antes de formalizar a negociação (Veja abaixo). O apartamento, um apart-hotel, tinha sido avaliado pela prefeitura do Rio, para fins de cobrança de impostos, em  R$ 236 mil, à época.

Carlos também declarou anteriormente a aquisição de um terceiro apartamento que fica localizado na rua Leandro Martins, no centro do Rio. Na escritura, lavrada em 1 de outubro de 2012, ele informou que comprou o imóvel por R$ 180 mil. Ao checar o cartório de registro de imóveis, no entanto, a venda ainda não foi registrada formalmente.

Imóveis são alvo de investigação do MP

Os dois imóveis vendidos por Carlos Bolsonaro estão sob investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro devido a negociações suspeitas com uso de dinheiro em espécie.

O apartamento da Tijuca teve o uso de R$ 150 mil em dinheiro vivo. Já o caso do apartamento de Copacabana envolve o cofre dos irmãos Bolsonaro revelado pela coluna em julho. Carlos manteve um cofre junto com Flávio entre 2004 e 2016 e ambos costumavam acessar o cofre antes de aquisições de imóveis do clã.

Em 2009, na compra do imóvel de Copacabana, Carlos informou na escritura do imóvel que efetuou o pagamento por meio de transferência bancária. No entanto, ao analisar as contas bancárias do vereador, o MP não identificou nenhuma transferência bancária. No extrato bancário de Carlos, consta um débito no valor de R$ 60 mil, cujo lançamento foi identificado como “pagtos diversos autorizados”. Para atingir saldo suficiente para a transação, Carlos já havia recebido um depósito de R$ 10 mil, em espécie, dias antes.

No dia 20 de março, data em que o pagamento do imóvel foi feito, consta um novo crédito, dessa vez de R$ 31.687,05, identificado como “resgate poupança” — o relatório não indica de qual conta teriam vindo esses recursos, nem se ela pertencia ao vereador.

Após analisar as transações, os investigadores pediram mais informações ao Banco do Brasil e foram informados de que Carlos tinha feito um depósito em dinheiro vivo, na boca do caixa, para uma conta que consta em nome do vendedor.

O documento relata que “a título de informação, este depósito de R$ 60 mil, cuja origem se deu no saldo da conta Banco do Brasil, foi efetuado na boca do caixa às 14h40min”, duas horas e quarenta minutos depois que Carlos esteve no cofre. Não foi encontrado nenhum outro pagamento da conta de Carlos ao vendedor para totalizar os R$ 70 mil declarados em escritura de compra e venda e também na declaração de imposto de renda do vereador.

Ao mesmo tempo, os investigadores apontam que o depósito em espécie para o vendedor, no total de R$ 60 mil, foi feito em uma agência do BB que fica a 500 metros de onde Carlos mantinha o cofre — ambos os endereços são vizinhos à Câmara dos Vereadores do Rio.

A perícia do MP destaca a ida ao cofre poucas horas antes da transação: “Ademais, com base nas informações constantes no Contrato de Locação de Cofre, Carlos Bolsonaro no mesmo dia 20/03/2009 esteve na agência 0001-9 Rio (rua Lélio Gama, 105 – Centro) e acessou o seu cofre nº 225 entre os horários de 11h48min a 12h”, completa o documento. Carlos já havia mexido no cofre dois dias antes, em 18 de março.

Declaração incorreta pode configurar falsidade ideológica eleitoral

A declaração de bens e patrimônio é requisito obrigatório para o registro de candidaturas. Quando foi incluída na lei das eleições, duas preocupações principais sustentavam sua obrigatoriedade: facilitar o acompanhamento da evolução dos bens dos candidatos eleitos; e permitir que eleitores tenham conhecimento desses bens e não sejam manipulados por discursos e aparências. Porém, na prática, a aplicação dessa norma não possibilitou efetivamente a fiscalização e/ou punição de candidatos.

Volgane Carvalho professor da PUC Minas e especialista em direito eleitoral avalia que a jurisprudência consolidada impõe limites para a atuação da própria Justiça Eleitoral. Ele classificou o cenário como “frustrante”: “Hoje a pessoa faz uma declaração, que é preenchida lá no site do TSE, e coloca o que quiser. Sem grandes evidências públicas, só o Imposto de Renda, que é sigiloso, poderia confrontar essa declaração. A Justiça Eleitoral não pode pedir essa quebra de sigilo, então fica limitada, de mãos atadas”.

O candidato que declarar valor diferente do que de fato tem, pode ser enquadrado no crime de falsidade ideológica eleitoral — previsto no art. 350, do Código Eleitoral. Volgane Carvalho defende uma mudança na interpretação da lei e na jurisprudência: “A interpretação tem que mudar. Uma coisa é você dizer, declarar que tem um documento que comprova. Outra é apresentar algo que não seja só o Imposto de Renda”, afirmou o especialista, completando:

“Recentemente, a Justiça Eleitoral lidou com um caso de um candidato que alterou sua declaração entre o primeiro e segundo turno, diminuindo consideravelmente o valor que possuía em bens e patrimônio, com o intuito de se apresentar como o candidato mais pobre e humilde. Fez para manipular o eleitorado. A Justiça precisa ter mecanismos para monitorar isso e aplicar a lei”, concluiu.

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