Por Julia Chaib, Bruno Boghossian e Mariana Brasil
(Folhapress) — Líderes do Centrão se uniram a apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso e preparam uma nova proposta de revisão do foro especial. A articulação é uma resposta ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP–AL), sinalizou a aliados que pode levar adiante uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para transferir os processos de parlamentares para os TRFs (Tribunais Regionais Federais) ou para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O principal objetivo do Centrão é tirar do Supremo o poder de julgar e aplicar medidas cautelares contra políticos com mandato.
O STJ é hoje responsável por analisar, por exemplo, casos de governadores, desembargadores e integrantes de Tribunais de Contas dos estados. Os processos só chegam ao STF em caso de recurso.
Centrão contra-ataca
A ideia vem sendo discutida há algumas semanas pelo Centrão e ganhou força após a Câmara ter decidido manter a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido–RJ), preso sob suspeita de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL–RJ), em 2018.
A nova proposta seria uma alternativa à discussão anteriormente defendida pelos bolsonaristas, que pediam o fim do foro especial e a remessa de processos contra parlamentares para a primeira instância.
Já integrantes do Centrão preferem uma espécie de meio-termo. Na avaliação desse grupo, magistrados de primeira instância, que guardam conexões com diferentes grupos de poder em seus estados, seriam mais suscetíveis a interferências políticas.
Hoje, os parlamentares têm foro especial no STF — isto é, são julgados pela mais alta corte do país — por crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.
A regra foi definida pelo próprio Supremo em 2018. A definição reduziu a quantidade de processos que tramitam no tribunal. Dados de 2022 do STF mostram que o número de ações penais e inquéritos na corte caiu 80% em relação ao período vigente antes da mudança da norma.
Os ministros, no entanto, discutem uma alteração na norma para ampliar a competência de julgar os parlamentares e outras autoridades — ou seja, manter esses políticos sob sua jurisdição, mesmo quando os fatos julgados ocorreram antes do início do mandato e não têm relação com o cargo.

STF: imunidade parlamentar é alvo do Centrão. Foto: Divulgação
STF: votos
O tribunal já tem cinco votos para determinar que o foro seja mantido mesmo depois do fim do mandato parlamentar de políticos por qualquer causa –renúncia, não reeleição ou cassação.
Caso o novo entendimento do Supremo seja firmado, boa parte dos processos de parlamentares continuaria nas mãos do STF, o que aumenta o poder de pressão da corte em relação ao Legislativo, que tem encampado uma série de propostas que contrariam os magistrados.
Nos bastidores do Supremo, a avaliação é que a mudança se faz necessária para os ministros terem mais poder sobre os parlamentares. Além disso, o foro serviria para proteger os próprios magistrados de ações de opositores depois que eles se aposentarem da corte.
Prisão
A prisão do deputado Chiquinho Brazão, no final de fevereiro, reiniciou discussões no Congresso sobre o foro especial. A decisão da Câmara de mantê-lo detido deve acelerar as conversas.
A confirmação da prisão de Brazão foi aprovada por 277 a 129 votos na quarta-feira (10). Eram necessários 257 votos para confirmar a medida, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e confirmada pela Primeira Turma do STF.
Como mostrou a Folha de São Paulo, a votação no plenário da Câmara enfraquece Lira. Isso porque o grupo do presidente da Casa encabeçou articulações para derrubar a prisão do deputado, num apelo ao espírito de corpo e à autoproteção dos parlamentares.
Lira relatou em conversas reservadas ter ficado contrariado com a decisão dos pares. O deputado minimizou inclusive o resultado, alegando que 277, apenas 20 a mais que o necessário, não significam uma vitória expressiva do STF.
A rediscussão do foro especial e o interesse de reagir a decisões do Supremo estão inseridos nesse mesmo contexto.
Críticas
Os críticos — do Centrão — da ordem de prisão argumentam que a decisão dada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, e referendada pela 1ª Turma da corte desrespeita a Constituição, que permite a prisão de parlamentar no exercício do mandato apenas em flagrante e por crime inafiançável.
A justificativa dos aliados de Lira era que referendar o Supremo abriria um precedente perigoso por violar prerrogativas de parlamentares.
O líder da União Brasil, Elmar Nascimento, foi o principal articulador nesse sentido a fim de impor uma derrota ao STF e declarou publicamente que votaria contra a prisão, na terça (9).
Outros nomes próximos ao presidente da Casa não participaram da votação desta quarta para tentar evitar os votos suficientes para revogar a prisão.
O PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, também orientou sua bancada pela revogação da prisão. O resultado significou uma vitória para a base do governo Lula (PT).
Integrantes do Planalto entraram em campo nesta quarta para garantir votos a favor da manutenção da prisão.
O julgamento sobre a revisão do foro especial no Supremo está interrompido após pedido do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. O ministro foi o principal fiador da tese de 2018 que derrubou a prerrogativa de foro no STF para autoridades.
Segundo pessoas próximas, Barroso avalia que o voto do relator do caso, ministro Gilmar Mendes, não apenas retoma o benefício aos parlamentares, como amplia os poderes do Supremo. Ainda assim, a tendência do STF é alterar a regra.
Leia também
Manutenção de prisão de Brazão enfraquece Lira e afeta sucessão na Câmara
Lira ataca Padilha por articulação do ministro para manter Brazão preso
Relacionados
STF retoma julgamento sobre restrições para vasectomia e laqueadura
Flávio Dino e Nunes Marques já votaram; julgamento será retomado com voto de Zanin
STF tem maioria para tornar réus deputados do PL acusados de desvio em emendas
Supremo julga caso em que parlamentares exigiam propina de prefeito no Maranhão
Moraes envia para análise da PGR defesas de Bolsonaro, Braga Netto e outros denunciados
Ministro do STF enviou a PGR os documentos de 20 implicados na trama golpista