Por Geovana Oliveira
(Folhapress) – A nova gestão do CFM (Conselho Federal de Medicina), com médicos eleitos na quarta-feira (7), tem 18 de 27 conselheiros que são contra o aborto legal, estão filiados a um partido político ou defendem o uso de cloroquina para Covid. O medicamento é comprovadamente ineficaz para o tratamento da doença.
Há médicos que foram investigados pelo próprio conselho por apoio aos atos golpistas de 8 de janeiro. Além disso, há outros que se posicionaram contra a luta para pôr fim à violência obstétrica e a CPI da Covid ou se elegeram dentro de campanha “anti-Lula”.
As propostas das chapas escolhidas, apoiadas por parlamentares de direita ou de esquerda durante as eleições e figuras públicas como o empresário Luciano Hang, repetiram o tom político das gestões anteriores, com pouco foco na saúde pública.
Ex-presidentes do CFM manifestaram preocupação com a politização do conselho, que foi alinhado ao governo bolsonarista durante o auge da pandemia e mantém relação conflituosa com o Ministério da Saúde petista.
“O Conselho se pronuncia através das suas resoluções baseadas na ciência. Eles vão se basear em questões outras que não têm nada a ver com a ciência. Questões de gênero, de comportamento, de hábitos conservadores”, disse Waldir Paiva Mesquita, presidente do CFM de 1994 a 1999, em entrevista ao Painel publicada nesta semana.
O CFM é responsável por fiscalizar a atividade médica e colaborar com o governo para formular políticas e programas. Também deve definir a conduta dos profissionais no atendimento à população como fez com o parecer orientando o uso da cloroquina para Covid e com a resolução que dificultava o aborto legal após 22 semanas de gestação.
CFM: médicos eleitos
Dos 27 médicos eleitos, ao menos 14 se posicionaram a favor do uso da cloroquina durante a pandemia. Entretanto, o conselheiro Alcindo Cerci Neto, escolhido pelo Paraná, integrou estudo que mostrou a ineficácia do remédio para a doença e alertou para seus efeitos colaterais.
No Rio de Janeiro, foi eleito o ginecologista Raphael Câmara Medeiros Parente, relator da norma do CFM que proibia médicos de realizarem a assistolia fetal em casos de aborto decorrente de estupro, autorizados no país. O procedimento é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para interromper gravidezes avançadas.
A resolução foi suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em maio último, mas serviu de base para o PL Antiaborto por Estupro, alvo de forte rejeição popular.
Parente foi parabenizado pelo vereador Rogério Amorim durante sessão da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Além do ginecologista, ao menos oito dos conselheiros eleitos afirmam que são “a favor da vida” e contra o aborto após 22 semanas.
Há uma forte atuação do CFM no campo dos direitos reprodutivos. Os médicos amazonenses elegeram o ginecologista e obstetra Ademar Carlos Augusto, que em outubro de 2018 assinou parecer emitido pela entidade se posicionando de forma contrária à luta contra a violência obstétrica. Segundo ele, “a expressão –violência obstétrica– é uma agressão contra a medicina e especialidade de ginecologia e obstetrícia, contrariando conhecimentos científicos consagrados”.
Em São Paulo, os médicos elegeram o infectologista Francisco Cardoso, que propôs a “defesa intransigente” contra o “feticídio” (aborto) em sua campanha. Ele se identifica como de “direita conservadora”.
A campanha paulista foi marcada por publicações e mensagens de propaganda politizada aos eleitores, o que levou o CFM a acionar a Polícia Federal por uso inadequado dos signos do conselho. Cardoso foi apoiado pelo empresário Luciano Hang, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).
Os partidos Solidariedade, PSD, Podemos e PSL têm filiados na nova configuração do CFM, e ao menos sete dos conselheiros são abertamente bolsonaristas.
Para representar o Distrito Federal, foi eleita a médica Rosylane Nascimento das Mercês Rocha, que como vice-presidente do conselho comemorou nas redes sociais os atos antidemocráticos do 8 de janeiro. Por pressão de um abaixo-assinado com mais de 6.000 assinaturas pedindo o desligamento da profissional, o CFM abriu um processo administrativo contra ela no ano passado.
Também bolsonarista, a conselheira Yáscara Pinheiro Lages Pinto, eleita pelo Piauí, tem posicionamentos nas redes sociais contra a CPI da Covid e em apoio a Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina” devido à defesa de medicamentos ineficazes para tratamento da Covid.
O próprio Ministério da Saúde da gestão Jair Bolsonaro foi alvo da CPI pela recomendação dos medicamentos. À época, a pasta era acompanhada pelo CFM em suas decisões. O então presidente do conselho, Mauro Luís de Britto Ribeiro, foi reeleito para essa gestão por Mato Grosso do Sul.
O atual presidente, José Hiran da Silva Gallo, foi reeleito por Rondônia. Ele encabeçou a resolução contra a assistolia fetal e defende a indução do parto e entrega de filho de estupro para adoção.
Em 2018, Gallo escreveu um artigo para o portal do CFM em que comemorou a vitória do ex-presidente Jair Bolsonaro e atribuiu os votos recebidos pelo PT “à existência de um quadro agudizado pela carência e pela dependência de políticas de governo, como o Bolsa Família”.
Em publicação de 2021, durante a pandemia, afirmou que o “passaporte da vacina” não era adequado.
Na atual relação com o Ministério da Saúde, acumula atritos em relação a temas como a obrigatoriedade da vacinação de crianças contra Covid e a composição de comissões consultivas ligadas à pasta.
O PT afirmou em nota publicada durante as eleições que fazia uma “mobilização pela derrota do negacionismo na eleição do CFM”, da qual participavam o deputado federal Jorge Solla (PT-BA), secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde durante o primeiro governo Lula, e o senador Humberto Costa (PT-PE), ministro da Saúde durante o primeiro governo Lula.
Em abril, a Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia publicou o manifesto “Muda CFM”. O documento afirmava que o conselho mantém posições e iniciativas que alegam uma “suposta autonomia médica”, mas são contrárias a evidências científicas, e pedia que os médicos votassem de acordo com a ética e a saúde pública.
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