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Com calor recorde, saúde de trabalhadores é colocada em risco sob sol escaldante

Médico apontou medidas que empresas devem adotar para assegurar a segurança e bem-estar de seus empregados
07/12/2023 | 17h00

Por Cristiana Souza*

O ano de 2023 é considerado o mais quente da história, de acordo com o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Em quase todas as regiões do Brasil a população tem sofrido bastante com as altas temperaturas, mas há uma parcela de brasileiros que fica mais exposta aos efeitos adversos dessa condição meteorológica extrema: os trabalhadores braçais, que são obrigados desempenhar suas funções sem as necessárias defesas contra o sol escaldante.

Para essas categorias, a questão climática tem tomado proporções cada vez mais importantes. A ponto de líderes sindicais como o presidente do SINTECT-RJ (Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios, Telégrafos e Similares do Rio de Janeiro), Marcos Sant’Aguida do Nascimento, cogitar paralisação das unidades dos Correios, caso a empresa não ofereça melhores condições para que os carteiros enfrentem o forte calor.

Outra categoria que sofreu com a alta sensação térmica foi a dos garis. Em cidades como Niterói, no Rio de Janeiro, a vice-presidente do Sintacluns (Sindicato dos Trabalhadores de Asseio e Conservação), Marcelle Duarte, enfatiza a necessidade de investimentos adicionais em protetor solar. A cobrança é direcionada à Companhia Municipal de Limpeza Urbana de Niterói (CLIN).

A persistência dessa condição climática trouxe consigo dificuldades adicionais para profissionais que dependem de trabalhar ao ar livre. O ICL Notícias conversou com alguns trabalhadores que relataram sua rotina sob a elevada temperatura que tem castigado vários estados brasileiros..

IMPACTO NO TRABALHO

Carteiro há 12 anos, Alberto Vilar conta que vários colegas tiveram queda de pressão por causa do calor

Alberto Vilar, carteiro com 12 anos de experiência, conta como o calor intenso afeta significativamente seu desempenho e o de seus colegas.

“É muito cansativo, a gente se esgota muito mais rápido. Alguns amigos meus têm tido queda de pressão devido ao calor. A alta temperatura tem um impacto muito grande [no trabalho]. Estamos realizando muito mais esforço para conseguir fazer o mesmo que a gente fazia. E outra coisa, não existe entrega matinal. Geralmente a gente chega [no Centro de Distribuição Domiciliar (CDD)] e  sai para a rua por volta das 11h00, momento do pico de calor”, disse Vilar.

CONDIÇÕES PRECÁRIAS 

O presidente do SINTECT-RJ, fez críticas  às condições precárias nos centros de distribuição dos Correios. Marcos Sant’Aguida do Nascimento ressaltou que não bastasse os trabalhadores enfrentarem uma carga excessiva de serviço, condições desproporcionais ao número de funcionários, assaltos constantes e multas decorrentes das paradas em locais proibidos, agora têm que se submeter aos efeitos de um calor recorde. Segundo o sindicalista, isso é motivo para paralisação.

“Se a temperatura não normalizar, isso fará com que exijamos condições melhores para o trabalho, tanto externo quanto interno”, declarou o presidente do sindicato.

FADIGA DOS GARIS 

Lima em frente ao 1º Distrito de Limpeza Urbana (DLU) de Niterói

Os garis são outra categoria profissional impactada pelo calor escaldante. A adversidade enfrentada pelos trabalhadores da limpesa urbana é amplificada pela temperatura elevado da tarde. O ICL Notícias conversou com Michel de Lima, um gari com um ano e meio de experiência na profissão, que compartilhou sua experiência. Ele destaca os problemas respiratórios e o esforço físico adicional que se tornaram parte integrante de sua rotina diária.

 

“Eu tenho tido mais dificuldade para respirar e o esforço físico aumenta por causa do calor, que faz a fadiga aumentar. Então, o impacto que a gente sente é suar muito mais do que em dias normais”, afirmou Lima.

Esse relato reflete a realidade enfrentada por muitos trabalhadores que, como Michel de Lima, desempenham funções essenciais para a manutenção da cidade, mesmo em condições climáticas adversas.

No cenário recente das intensas chuvas, a vice-representante do Sintacluns, destacou as preocupações com a sobrecarga de trabalho enfrentada pelos profissionais da categoria. Para Marcelle Duarte, a conjunção entre o aumento da demanda provocado pelas chuvas e as altas temperaturas da terceira semana de novembro têm gerado desgaste significativo, comprometendo não apenas a saúde dos trabalhadores, mas também o andamento das atividades de limpeza na cidade.

Duarte ressalta, inclusive, a importância de antecipar-se a esses desafios, enfatizando a necessidade de investimentos por parte da Companhia Municipal de Limpeza Urbana de Niterói (CLIN).

“Seria crucial que a empresa investisse em banheiros químicos, protetor solar, bonés e todo o material de Equipamento de Proteção Individual (EPI), que é fundamental. Já a notificamos diversas vezes sobre a questão do protetor solar. A empresa, de fato, comprovou que o entrega, mas acredito que deveria aumentar a quantidade, pois diante desse sol não é viável passar apenas uma vez ao dia. É necessário aplicar mais vezes, o que resulta em um custo mais elevado[para empresa].”, destaca a líder sindical.

IMPACTO NA SAÚDE

Na construção civil o impacto do calor extremo é considerável. O ICL Notícias também conversou com o pedreiro Marcelo Luiz de Oliveira Bispo, de 55 anos, que atua na profissão há 33 anos, na cidade de Itaboraí. Bispo contou sua experiência de trabalhar em condições ainda mais adversas que as rotineiras, que já estão longe de ideais.

Bispo trocando telha galvanizada em Manilha, Itaboraí.

“Eu estava trabalhando em cima de um telhado de zinco, e a temperatura lá em cima realmente não parecia ter a sensação de 60º C; ela parecia ser até maior. O calor batia e refletia. Algumas vezes meu ajudante segurava uma sombrinha de praia para me dar sombra, e estávamos usando camisas de manga comprida para proteção solar”

Bispo não apenas relata os desafios que ele e seu ajudante enfrentaram durante este período de calor elevado, mas também detalhou a dura realidade de trabalhar sob condições térmicas extremas. Ele destacou como a alta temperatura não apenas impacta o rendimento do seu trabalho, mas também apresenta risco para a saúde.

“A gente está acostumado a ficar horas ali em cima. Mas com esse calor que está fazendo só conseguimos ficar 20 minutos e tivemos que sair para descansar. No dia seguinte, meu ajudante passou mal, indo parar na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] com vômito e outros sintomas.”

ADAPTAÇÃO AO CLIMA

Adriano em seu posto de trabalho no Sesc de São Gonçalo.

Em entrevista ao ICL Notícias, Adriano Santos de Souza, de 41 anos e com 16 anos de experiência como vigilante, compartilhou os desafios enfrentados pela equipe durante a última semana de termômetros em alta. Morador de São Gonçalo, uma das cidades que costuma registrar uma das maiores sensações térmicas do Rio de Janeiro, ele destacou o efeito do calor não apenas em sua rotina diária de trabalho.

“Essa última semana [terceira semana de novembro ] impactou de forma severa, não só na nossa rotina aqui de trabalho, mas de todos. A sensação térmica chegou a 60 °C”, relatou Adriano.

Diante dessa condição extrema, Souza afirma que foram tomadas medidas para garantir o bem-estar dos vigilantes e minimizar os efeitos do calor intenso.

“Na portaria foi colocado um insulfilm e na parte das piscinas, que a gente tem um trabalho ali praticamente diário, a empresa estendeu tendas para ficar na cobertura”.

Adriano ressaltou, inclusive, a atuação da equipe, que cobre todas as áreas do Sesc de São Gonçalo, e a necessidade de ajustes na escala de trabalho para lidar com as condições climáticas extremas.

“Nós procuramos fazer um revezamento maior para que ninguém ficasse sobrecarregado. A gente ficava às vezes duas horas e passamos a ficar uma hora para fazer o revezamento devido ao calor”, disse

SAIBA SEUS DIREITOS

Em ambientes de trabalho expostos a altas temperaturas, a saúde dos trabalhadores deveria ser uma prioridade crucial. O ICL Noticias, conversou com Leonardo Pereira Cabral,  Médico do Trabalho e Diretor Administrativo Adjunto da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT),  que apontou algumas medidas que as empresas devem adotar para assegurar a segurança e bem-estar de seus empregados, especialmente durante períodos de calor intenso.

Mudanças Estruturais

Cabral, destaca a importância de haver uma equipe qualificada e a existência de uma flexibilidade na estrutura organizacional, como a introdução de pausas estrategicamente programadas, para amenizar o efeito climático.

Água Potável

Segundo o médico, assegurar a hidratação adequada é fundamental. Além disso, destaca a necessidade de fornecer água de qualidade, mantida em uma faixa de temperatura que otimize a absorção pelo corpo, mitigando os riscos associados ao calor.

“As empresas devem garantir o acesso a água potável, natural, não gaseificada, com temperatura entre 10°C e 15°C.”

Direito Constitucional

É uma obrigação constitucional, é um compromisso empresarial garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável, priorizando abordagens coletivas na mitigação de riscos.

O especialista enfatiza a importância de cumprir a obrigação de proporcionar abrigos para trabalhadores expostos ao calor direto, contribuindo para a prevenção de doenças de pele, incluindo o câncer de pele.

“A norma regulamentadora nº 21 (NR 21) sobre trabalho a céu aberto apresenta pontos obrigatórios que as empresas devem atender nesse tipo de trabalho, destaco aqui a obrigação da existência de abrigos.”

 

*Estagiária sob supervisão de Chico Alves

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