Por Heloisa Villela
A leitura leva um certo tempo, mas eu recomendo demais que todos mergulhem nas páginas vazadas por deputados da extrema-direita dos Estados Unidos. São mais de quinhentas. Porém, há muita repetição porque estão em inglês e português. E mostram os despachos do ministro do Supremo Tribunal Federal e, na época, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, mandando derrubar contas e retirar das redes informações falsas e prejudiciais à democracia brasileira.
Por que recomendo a leitura? Porque ela ilustra os riscos que o Brasil enfrentou e enfrenta, e a defesa incansável da soberania e da democracia do nosso país. Em todos os despachos, foi exatamente o que encontrei. Contas que mentiam com frequência foram retiradas do ar. Um dos primeiros documentos do conjunto é a petição 10.981 e o despacho de Moraes explica a situação. Uma organização chamada Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil é citada, em publicações nas mídias sociais, como se fosse a conhecida e renomada OAB, a Ordem dos Advogados do Brasil. Políticos da extrema direita produziram, intencionalmente, uma confusão entre as duas organizações para dar credibilidade a notícias falsas que a OACB difundia.
O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) disse, no Twitter, que advogados da OAB visitaram os brasileiros presos durante a tentativa de golpe do 8 de janeiro e ficaram chocados com o que viram na penitenciária. Mas não foram os advogados da OAB que fizeram as declarações e sim a OACB. A deputada Bia Kicis (PL-SE) repetiu a mentira na tribuna da Câmara dos Deputados, em Brasília. Essa mesma OACB ameaçou, em 2021, processar toda e qualquer pessoa que ofendesse o então presidente Jair Bolsonaro. A OAB chegou a entrar na justiça contra a OACB pela tentativa de uso indevido do nome da organização.
Bia Kicis e o deputado André Fernandes (PL-CE) repetiram a mesma mentira a respeito da morte de uma mulher no ginásio da Polícia Federal e usaram como fonte da informação a tal OAB. A informação foi desmentida e Bia Kicis voltou atrás. Mas a mentira já estava em ampla circulação. A mesma OABC foi a fonte de outra mentira que se tornou conhecida no país: a tentativa de golpe e a invasão das sedes dos três poderes da república teriam sido obra de infiltrados da esquerda. Era uma clara manobra para tentar desacreditar toda a operação de combate à tentativa de golpe e a prisão dos responsáveis. Por isso, o despacho de Moraes determinou a retirada das postagens do ar e a derrubada das contas que propagavam mentiras na internet.
Essa ação da OAB contra a OACB é particularmente interessante porque expõe todas as postagens mentirosas da falsa organização de advogados. São muitas, mas uma delas, com data de 6/01/2023, incentivava as manifestações antidemocráticas que não aceitavam o resultado das eleições e pediam intervenção militar no país. Ela dizia: “Deve-se continuar povoando Brasília e frentes dos quartéis exigindo resposta que Ministro da Defesa anterior não teve: a entrega das informações (ou códigos fonte?), que o TSE até agora não atendeu”. Ou seja, o eterno questionamento do processo eleitoral e das urnas eletrônicas. Seria responsável manter a propagação dessas mentiras no ar? O Ministro do Supremo entendeu. Ele acatou as denúncias da OAB e encaminhou os autos do processo à Polícia Federal em fevereiro do ano passado.
Outra postagem do grupo defende, abertamente, a ditadura militar que matou, prendeu e torturou milhares de brasileiros. Levou inclusive crianças para centros de tortura onde viram os pais destruídos pela violência. Mas a OACB insistiu: “Nos governos militares eram presos subversivos armados, guerrilheiros. Os militares não prendiam crianças e inocentes. Naquele tempo o cidadão de bem era respeitado e protegido”, dizia o tweet da organização no dia 15-01-2023. As postagens eram usadas como fonte de informação de vários deputados bolsonaristas como se fossem publicações da entidade que representa os advogados brasileiros.
A extrema direita esbraveja, diz que a justiça age sem embasar as atitudes que adota. Cito outro exemplo dos documentos vazados agora. O do inquérito 4.923 que cita, entre os investigados, o ex-ministro e ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal Anderson Torres. Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de canais, perfis e contas nas mídias sociais que instigaram e divulgaram os atos criminosos do 8 de janeiro. Na ocasião, a assessoria especial de enfrentamento à desinformação do TSE se deparou com uma entrevista de Monark com o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) na qual os dois divulgam notícias falsas sobre as instituições eleitorais. Tudo parte do plano de desacreditar o processo. Nesta decisão, em particular, Moraes deixou registrado, com destaque:
Liberdade de expressão não é Liberdade de agressão!
Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias!
Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!
Relacionados
‘Complexo, completo e ambicioso’: conheça o plano do Brasil para sair do Mapa da Fome
Especialistas avaliam o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
‘Goulart vive num mundo da fantasia’, disse CIA às vésperas do golpe de 1964
O governo americano publicou 2.343 documentos secretos que confirmam dos EUA na América Latina nos anos 1960
Para presidente da SBPC, EUA estão ‘dando tiro no pé’ ao perseguir cientistas
Presidente da SPBC e ex-ministro da Educação analisa os ataques de Trump à ciência e aos pesquisadores